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19/04/2022

​Com base na teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão que, em ação de divórcio litigioso, apoiado no artigo 373, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), atribuiu ao ex-marido e coproprietário do imóvel o ônus de comprovar que as acessões e benfeitorias não foram realizadas na constância do casamento.

Para o colegiado, o TJPR – ao afastar a presunção legal relativa prevista no artigo 1.253 do Código Civil (CC) – adotou corretamente a distribuição dinâmica, em razão de peculiaridades que permitem ao coproprietário (o ex-marido é dono do bem em conjunto com terceiros), com maior facilidade do que a ex-esposa, demonstrar se as melhorias realizadas no imóvel tiveram ou não a participação dela.

O tribunal paranaense considerou que a existência de rupturas no curso do vínculo conjugal dificulta a comprovação de esforço comum nos melhoramentos feitos no imóvel. Além disso, o ex-marido, por ser coproprietário e possuidor, teria mais condições de comprovar que as benfeitorias não foram realizadas durante o matrimônio e, portanto, não deveriam ser submetidas à partilha.

No recurso especial, o ex-marido alegou que, segundo o artigo 1.253 do CC, a inversão do ônus da prova contraria a presunção relativa de que as benfeitorias existentes no imóvel foram realizadas pelo proprietário. Para ele, diante da ausência de indícios de que as acessões foram incorporadas com a participação da ex-mulher, caberia a ela provar os fatos que embasam o seu suposto direito.

O ministro Villas Bôas Cueva explicou que, segundo artigo 373, parágrafo 1º, do CPC, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, o magistrado pode atribuir o ônus da prova de forma diferente da prevista no caput, desde que o faça por decisão fundamentada.

Já o artigo 1.253 do CC, complementou, estabelece que toda construção ou plantação existente em um terreno é presumida como feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário. De acordo com o ministro, contudo, a presunção prevista pelo artigo 1.253 do CC é relativa (juris tantum) e, por isso, pode ser apresentada prova em sentido contrário.

No caso concreto, disse ele, essa prova se tornou fundamental para definir se as acessões e benfeitorias foram realizadas em períodos coincidentes com a relação matrimonial, para fins de definição da partilha.”No caso, ademais, a presunção do artigo 1.253 do CC/2002, presente no direito das coisas (Livro III), deve ceder lugar a outra presunção legal muito cara ao direito de família (Livro IV), constante do artigo 1.660, incisos I e IV, do CC/2002, segundo a qual se presume o esforço comum dos cônjuges na aquisição dos bens realizada na constância da relação matrimonial sob o regime da comunhão parcial, situação em que os respectivos bens devem ser partilhados”, afirmou.

Distribuição dinâmica do ônus da prova concretiza princípio da persuasão racional do juiz. Em seu voto, Villas Bôas Cueva comentou que, para dar concretude ao princípio da persuasão racional do juiz, disciplinado no artigo 371 do CPC, em conjunto com os pressupostos de boa-fé, cooperação, lealdade e paridade de armas previstos no código processual, foi introduzida a faculdade de o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso entre os sujeitos do processo, em virtude de situações peculiares – a distribuição dinâmica do ônus da prova.”Desse modo, é indiferente procurar saber simplesmente quem teria realizado as construções ou edificações no imóvel objeto do litígio, mas é imprescindível definir em que momento elas teriam sido realizadas, se na constância ou não da união conjugal, mostrando-se mais adequado carrear a produção dessa prova para quem é o (co)proprietário do imóvel – no caso, o ora recorrente”, concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJPR.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

DECISÃO – 19/04/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão e, por unanimidade, rejeitou o pedido de indenização feito pela Distillerie Stock do Brasil Ltda. em razão de suposto uso indevido de seu know-how pela Campari do Brasil Ltda.

Na área empresarial, o know-how é o conjunto de conhecimentos, métodos e procedimentos desenvolvidos por determinada companhia.

Para o colegiado, não foi possível identificar apropriação indevida de sigilo industrial que permita constatar violação do know-how da Stock.

Na ação de indenização que deu origem ao recurso, a Stock argumentou que manteve contratos para distribuir no Brasil a bebida fabricada pela Campari, a qual, após 30 anos de relacionamento comercial, decidiu não renovar o acordo, causando-lhe prejuízos. A Stock alegou ainda que a Campari, ao passar a fazer ela mesma a distribuição de seu produto no país, teria se apropriado de informações sobre organização de vendas e cadastro de clientes que integravam o know-how da antiga distribuidora, o que caracterizaria concorrência desleal.

Em primeira instância, o pedido de indenização foi julgado improcedente, mas a sentença foi reformada pelo TJSP. Para a corte paulista, a Campari não estava obrigada a renovar o contrato, mas utilizou indevidamente o know-how desenvolvido pela Stock, sem autorização ou contrapartida financeira.

Para o direito, segredo industrial é a parte relevante do know-how empresarial

O ministro Villas Bôas Cueva citou doutrina segundo a qual, para o direito, o aspecto do know-how que possui mais relevância não é o conhecimento técnico e dinâmico, mas eventual segredo industrial que exija a proteção jurídica.

De acordo com o relator, o TJSP concluiu pela existência de violação do know-how com base no entendimento genérico de que a Campari teria se apropriado dos conhecimentos em vendas e do processo de distribuição da Stock, sem indicar, todavia, qual a técnica de distribuição de produtos que seria original ou secreta, isto é, que ultrapassasse as informações já conhecidas pela Campari no âmbito da relação contratual.

Villas Bôas Cueva comentou que, nos contratos de distribuição de bebidas, as informações relativas à formação de clientela estão, em geral, associadas às estratégias de marketing utilizadas pela fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor.

Para o magistrado, não se verificou fato que escape a essa regra, o que afasta a indenização pela alegada apropriação indevida de know-how, especialmente porque as informações que teriam sido utilizadas pela Campari estão dispostas em contrato celebrado entre as partes, por meio do qual a Stock se obrigou a fornecê-las.

“Ainda que tenha havido uma relação contratual anterior de representação, a recorrente, mesmo nessa fase, sempre exigiu altos investimentos em publicidade (de, no mínimo, 11%, segundo a petição inicial), atividade que, a partir de 1982, com a constituição da Campari do Brasil Ltda., passou a controlar, o que reforça a compreensão de que a estratégia de marketing, com maior frequência, está a cargo do fabricante do produto”, concluiu o ministro ao acolher o recurso da Campari e julgar improcedente o pedido de indenização.

REsp 1.727.824.

Fonte: STJ

19 de abril de 2022

A conduta de estacionar o veículo em vaga destinada a pessoa com deficiência, por si só, é mera infração de trânsito de gravidade insuficiente para causar danos morais coletivos a toda a sociedade.

Usar vaga de estacionamento destinada a deficientes pode gerar danos morais coletivos, desde que a conduta seja grave

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo em recurso especial ajuizado pelo Ministério Público de São Paulo, com o objetivo de obrigar um infrator a indenizar a coletividade pela conduta de parar o carro em vaga reservada.

A demanda partiu de ação civil pública ajuizada pelo MP-SP por entender que as meras penalidades administrativas previstas não eram suficientes para coibir o uso indevido das vagas de uso exclusivo de pessoas com deficiência ou idosos.

Para o órgão, o desrespeito ás vagas reservadas causa uma série de dificuldades para aqueles que deveriam ser beneficiados pela norma. As instâncias ordinárias negaram os pedidos por ausência de dano concreto à ordem coletiva, apesar da reprovabilidade da conduta.

No STJ, recursos sobre o tema têm esbarrado em óbices processuais. Avaliar se a conduta de estacionar em vaga reservada causa dano moral demanda análise de fatos e provas, medida vedada em sede de recurso especial. Incide, assim, a Súmula 7 do STJ.

Relator na 2ª Turma, o ministro Francisco Falcão seguiu a mesma linha. Afirmou que a jurisprudência da corte admite a ocorrência do dano moral coletivo, desde que demonstrado que a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva.

Se ausentes certas peculiaridades, como reincidência ou maior desvalor na conduta da pessoa natural, essa ofensa por danos morais coletivos não se configura, como no caso em julgamento.

“Em casos tais, esta 2ª Turma não tem acolhido a pretensão condenatória, considerando a ausência de elementos que, não obstante a relevância da tutela coletiva dos direitos da pessoa com deficiência ou idosa, evidenciem a conduta agrida, de modo intolerável, os valores fundamentais da sociedade”, afirmou.

Assim, entendeu que não há como afastar a conclusão do TJ-SP sobre o caso do homem que estacionou em vaga destinada a pessoa com deficiência. “O caso trata, pois, de mera infringência à lei de trânsito, o que é insuficiente para a caracterização do dano moral coletivo”, concluiu. A votação foi unânime.


REsp AREsp 1.927.324

Fonte: STJ

18/04/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a dois recursos por meio dos quais uma família defendeu que a doação do imóvel em que reside, dos pais para os filhos, não caracterizou fraude contra o credor, pois a propriedade – considerada bem de família – seria impenhorável. Um dos recursos foi interposto pelo marido, devedor, e o outro, por sua esposa e filhos.

Por unanimidade, o colegiado considerou que a doação do imóvel – no qual a família permaneceu residindo – não configurou fraude, uma vez que o prejuízo ao credor seria causado pela alteração da finalidade de uso do bem ou pelo desvio de eventual proveito econômico obtido com a transferência de propriedade.

Segundo os autos, uma empresa do devedor emitiu cédula de crédito bancário de cerca de R$ 2,3 milhões em favor do Desenvolve SP, instituição financeira do governo do estado de São Paulo. O empresário, com a concordância de sua esposa, foi avalista do financiamento, tornando-se devedor solidário, ao lado da empresa.

O credor ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra a empresa e o avalista. No curso do processo, constatou-se que ele e sua esposa doaram os imóveis de sua propriedade aos três filhos após a constituição da dívida. Alegando que as doações foram fraudulentas, a agência de fomento requereu a anulação da transferência dos bens por meio de ação específica.

O tribunal estadual entendeu que houve fraude e declarou a ineficácia das doações em relação ao credor, em vez da anulação pleiteada. No recurso dirigido ao STJ, o devedor sustentou que a corte paulista não examinou a impenhorabilidade de um dos bens doados. Sua esposa e filhos defenderam que a parte dela nos imóveis não poderia ser atingida pela execução, pois não seria devedora.

Critérios para avaliar existência de fraude contra credores
Relatora dos recursos, a ministra Nancy Andrighi explicou que, de acordo com a orientação do STJ, a ocorrência de fraude contra credores requer a anterioridade do crédito, a comprovação de prejuízo ao credor e o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor.

A magistrada lembrou que há divergência na jurisprudência do tribunal quanto à preservação da garantia da impenhorabilidade na hipótese em que o bem é alienado em fraude à execução, que se assemelha à fraude contra credores, pois nessas duas hipóteses o reconhecimento da fraude objetiva garantir o pagamento da dívida.

Dessa forma, apontou a ministra, em cada caso, o juiz deve ponderar entre a proteção do bem de família e os direitos do credor. Ela observou que o principal critério para identificação de fraude contra credores ou à execução é a ocorrência de alteração na destinação original do imóvel ou de desvio do proveito econômico da alienação (se houver) que prejudique o credor (REsp 1.227.366).

Imóvel permaneceu destinado à moradia
No caso dos autos, a relatora ressaltou que “o bem permaneceu na posse das mesmas pessoas e teve sua destinação (moradia) inalterada. Destaque-se, ademais, que os filhos do casal ainda não atingiram a maioridade”.

De acordo com a magistrada, essas peculiaridades demonstraram a ausência de prejuízo ao credor e de intenção fraudulenta, de maneira que deve ser preservada a impenhorabilidade do imóvel em que a família reside.

A ministra acrescentou que, mesmo que não se aplicasse tal raciocínio, a proteção da impenhorabilidade continuaria presente, tendo em vista que a esposa do devedor “jamais ocupou a posição de devedora” em relação ao Desenvolve SP, “mas se limitou a autorizar o oferecimento da garantia pessoal por seu cônjuge, em razão do disposto no artigo 1.647, inciso III, do Código Civil”.

Assim, afirmou Nancy Andrighi, a doação da cota dos imóveis pertencente à mulher (50%) não pode ser considerada fraudulenta, bem como está protegida pela impenhorabilidade, considerando que os recebedores da doação residem no local. Segundo a ministra, o reconhecimento da impenhorabilidade da metade relativa à meação de um imóvel deve ser estendida à totalidade do bem (REsp 1.405.191).

Segundo a relatora, por qualquer ângulo que se examine a questão, o imóvel em que os recorrentes residem “é impenhorável e, por isso, não há que se falar em fraude contra credores”. Seguindo seu voto, o colegiado reformou o acórdão da corte estadual e determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para outras deliberações.

REsp 1926646

Fonte: STJ

18 de abril de 2022

O prazo de dez dias que as testemunhas do casamento nuncupativo têm para comparecer em juízo e prestar declarações sobre o matrimônio pode ser flexibilizado, desde que o contexto mostre a presença dos demais pressupostos exigidos por lei.

Casamento nuncupativo é aquele feito às pressas e sem todas as formalidades, devido ao risco de morte de um dos contraentes 

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para manter a tramitação de uma ação de registro de casamento entre um homem e a sua noiva, que sofria de doença terminal.

Casamento nuncupativo é aquele feito às pressas quando houver o eminente risco de morte de um dos noivos. Ele dispensa a presença do juiz de paz, bastando que seja testemunhado por seis pessoas sem parentesco com os noivos.

O artigo 1.541 do Código Civil indica que essas testemunhas devem comparecer perante a autoridade judicial mais próxima no prazo de dez dias para confirmar que foram convocadas, que um dos noivos estava enfermo e que o matrimônio foi contraído de livre e espontânea vontade.

No caso julgado, o casamento foi feito às pressas porque a noiva sofria de câncer no pâncreas em fase de metástase. Ela se casou em em 24 de outubro de 2018 e morreu apenas sete dias depois, em 31 de outubro.

O pedido de registro, no entanto, só foi levado à autoridade judicial pelas testemunhas 49 dias mais tarde. Por isso, as instâncias ordinárias julgaram o pedido improcedente. O marido recorreu ao STJ alegando que a demora decorreu de imprevistos que impediram o cumprimento dos prazos.

Só faltou o prazo
Relatora no STJ, a ministra Nancy Andrighi observou que parte dos requisitos para a validade do casamento nuncupativo diz respeito à substância do ato. Estão associados à existência, validade ou eficácia do mesmo. Esses elementos não poderiam ser flexibilizados pelo Judiciário, pois a ideia é evitar fraudes.

Ministra Nancy Andrighi considerou que não é razoável indeferir o casamento com base apenas no prazo para as testemunhas procurarem alguma autoridade judicial
Gustavo Lima/STJ

Não é o caso do requisito do artigo 1.541 do Código Civil, que trata do prazo de apresentação das testemunhas à autoridade judicial. Para a ministra, não é adequado impedir a formalização do casamento apenas por esse fundamento, quando os demais requisitos estiverem presentes.

Na hipótese julgada, a relatora destacou que é razoável inferir que o marido passou sete dos dez dias seguintes que tinha para formalizar o casamento aproveitando o tempo restante que tinha com a esposa.

Além disso, pontuou que o legislador criou dificuldades ao estabelecer que cabe às seis testemunhas procurar a autoridade judicial para promover o registro.

“De outro lado, não se pode desprezar o período de luto e não se deve desconsiderar as diferentes formas de o ser humano lidar com o evento morte”, considerou a ministra Nancy Andrighi.

“É preciso respeitar as idiossincrasias das pessoas e saber que, conquanto haja quem se ocupe imediatamente das formalidades legais, há também aqueles que preferem o confortador silêncio da reclusão, inclusive por períodos mais alongados”, complementou.

Com isso, entendeu que não seria razoável penalizar o autor da ação com o indeferimento do casamento apenas porque o prazo de 10 dias não foi observado, sem a devida investigação acerca da presença dos demais pressupostos legais.

Com o provimento do recurso, o caso volta à Justiça do Rio de Janeiro para que avalie e decida sobre o cumprimento das demais formalidades legais para o casamento nuncupativo. O autor da ação foi representado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. A votação na 3ª Turma foi unânime.


REsp 1.978.121

Fonte: STJ

18 de abril de 2022

Excessos cometidos pelo advogado não podem ser e não são cobertos pela imunidade garantida pelo Estatuto da Advocacia. Em tese, é possível a responsabilização civil ou penal do profissional, desde que tenha causado danos no exercício de sua atividade.

Juiz foi criticado por advogada na petição de apelação, com comentários jocosos

A partir dessa premissa, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu não responsabilizar uma advogada pelos comentários ambíguos e jocosos feitos sobre um juiz do Trabalho, na petição de recurso contra a sentença proferida por ele.

A postura da advogada foi uma resposta à decisão do juiz, que identificou irregularidades na causa trabalhista e determinou o envio de cópias para o Ministério Público, para apuração de eventual crime, e para a OAB, para checar desvio de conduta profissional.

Ao recorrer da sentença, a advogada afirmou que o magistrado atuou de forma leviana a partir de “mirabolante enredo criado por sua fértil imaginação”. Disse que ele divagou em área jurídica da qual não é especialista e, assim, esqueceu “do comezinho princípio que a responsabilidade penal é sempre pessoal”. E acusou de tentar “enlamear a honra de diversos advogados”.

Por fim, adotou tom jocoso ao dizer que o raciocínio do juiz é tão absurdo “que seria o mesmo que supor que a conduta de um hipotético magistrado que tratasse as partes com truculência, deboche, ironia, parcialidade, arrogância, que conduzisse suas audiências com displicência, que reconhecesse a existência de fatos em sentença que não encontram suporte fático nos autos e ainda que imputasse às partes conduta criminosa em evidente denunciação caluniosa, pudesse ser também estendida a todo os demais magistrados que poderiam atuar no mesmo processo”.

“A narrativa acima é hipotética e de cunho retórico, ou seja, busca apenas ilustrar o absurdo encontrado na r. sentença. Por óbvio não se está aqui fazendo referência ao i. Juiz a quo – devendo-se acreditar que os erros grosseiros cometidos por Sua Excelência não passaram disto, ou seja, constituem meros equívocos por ele cometidos em um momento não muito feliz de sua atuação profissional”, acrescentou, na petição.

Para o magistrado, as expressões extrapolaram o regular exercício da advocacia e atacaram sua honra. Afirmou, ainda, que a interposição do recurso serviu apenas para justificar os ataques da advogada.

Advogado deve ser ético, e nisso se inclui decoro, respeito e polidez, afirmou o ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Gustavo Lima/STJ

Destempero sem excesso
As instâncias ordinárias reconheceram que as expressões usadas pela advogada são reprováveis, mas entenderam que elas não foram contundentes para causar dano moral ao magistrado. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal apontou que trata-se de “ferramenta semântica para expressar a veemente contrariedade com a sentença proferida”.

Relator na 3ª Turma do STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino manteve essa conclusão e negou provimento ao recurso especial do magistrado. Ele reconheceu o destempero da advogada, mas concordou que os ataques não se avolumaram em intensidade a ponto de ferir a dignidade da vítima.

“A par do destempero verificado na hipótese, ele o fora no contexto da impugnação elaborada contra a sentença prolatada, razão por que entendo não existe espaço para o reconhecimento de dano moral indenizável”, disse o ministro.

O voto ainda destacou jurisprudência do STJ que admite a responsabilização civil e penal do advogado por eventuais ilícitos praticados no exercício de sua profissão.  Para o ministro Sanseverino, o advogado deve ser ético e, nesse contexto, estão o decoro, o respeito, a polidez e a urbanidade.

“Para o alcance do seu desiderato, na hipótese dos autos, de modo algum precisaria, o causídico, ter utilizado colocações deselegantes, adotado tom jocoso e desrespeitoso para evidenciar o desacerto da decisão do magistrado”, pontuou.


REsp 1.731.439

Fonte: STJ

12 de abril de 2022

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai definir, sob o rito dos recursos repetitivos, “se, com esteio no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos”.

Foram selecionados dois recursos como representativos da controvérsia, cadastrada como Tema 1.137: os Recursos Especiais 1.955.539 e 1.955.574. A relatoria é do ministro Marco Buzzi.

O colegiado determinou a suspensão de todos os processos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão, em todo o território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC.

Jurisprudência sobre meios atípicos
Segundo o relator, a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do tribunal destacou a relevância da matéria, tendo verificado a existência de 76 acórdãos e 2.168 decisões monocráticas “exaradas por todos os membros da Segunda Seção, de modo a demonstrar, portanto, o caráter multitudinário da questão subjacente ao presente recurso especial, ensejando-se o exame em caráter repetitivo desta questão jurídica”.

Ao citar diversos precedentes dos colegiados de Direito Privado, o ministro observou que a jurisprudência da corte “considera, em tese, lícita e possível a adoção de medidas executivas indiretas, desde que exauridos previamente os meios típicos de satisfação do crédito exequendo, bem como que a medida se afigure adequada, necessária e razoável para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar injustificadamente o processo executivo”.

Em um dos recursos submetidos ao rito dos repetitivos, o credor questiona acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que indeferiu o pedido de suspensão da carteira de motorista e do passaporte do devedor, como forma de compeli-lo ao pagamento do débito. 


REsp 1.955.539
REsp 1.955.574

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

12 de abril de 2022

A ausência de carteira de habilitação válida da vítima de acidente de trânsito não acarreta, por si só, a sua culpa concorrente, sendo imprescindível, para tanto, a comprovação da relação de causalidade entre a CNH vencida e o ocorrido.

Caminhão de empresa de logística tentou ultrapassar na contramão e causou acidente

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por uma empresa de logística que visava a afastar a condenação a pagar indenização por causa de um acidente de trânsito.

No caso, um caminhão da empresa tentou fazer ultrapassagem na contramão e acertou o carro de uma família que viajava de férias, causando lesões graves no condutor. Por isso, a companhia foi condenada a pagar R$ 4 mil em danos materiais e R$ 81,3 mil por danos morais.

A empresa recorreu por entender que a pessoa que conduzia o carro também teve culpa pelo acidente, já que estava com a CNH vencida, o que, para ela, não deve ser visto como mera irregularidade formal.

Relatora, a ministra Nancy Andrighi destacou que a simples existência de comportamento antijurídico da vítima de determinado evento não basta gerar a culpa concorrente — quando a participação da vítima para o dano deve ser considerada para eventual indenização.

Ela citou ainda jurisprudência do STJ segundo a qual a ausência de carteira de habilitação da vítima não acarreta, por si só, a sua culpa concorrente, sendo imprescindível, para tanto, a comprovação da relação de causalidade entre a falta de habilitação e o acidente.

No caso concreto, o Tribunal de Justiça da Bahia descreveu no acórdão atacado que não há indicativo de que a vítima tenha concorrido para o sinistro. Logo, não cabe ao STJ rever fatos e provas para alterar essa conclusão. A votação na 3ª Turma foi unânime.

REsp 1.986.488

Fonte: STJ

09/04/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, julgou improcedente o pedido de reconhecimento de pacto verbal no qual um doador de cotas empresariais teria estabelecido, como condição resolutiva, que as cotas lhe fossem devolvidas caso ele viesse a se casar – o que efetivamente ocorreu.

Para o colegiado, além de o suposto pacto ter sido feito com apenas um dos sócios, filho do doador – não atingindo, portanto, os demais sócios -, seria necessário o registro da condição resolutiva no mesmo instrumento em que foi formalizada a doação, tendo em vista a formalidade exigida nesse tipo de negócio jurídico.

“O contrato faz lei entre as partes, mas não produz efeitos na esfera juridicamente protegida de terceiros que não tomaram parte na relação jurídica de direito material”, afirmou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

O magistrado explicou que o contrato de doação é, por essência, solene, exigindo a lei, sob pena de nulidade, que ele seja celebrado por escritura pública ou instrumento particular, salvo quando tiver por objeto bens móveis e de pequeno valor.

“Portanto, ainda que considerada a validade da doação formalizada, no caso, por meio de um documento impróprio, porque atípico, não poderia ser ela igualmente reconhecida em relação à cláusula resolutiva, firmada à parte, sem a observância de nenhuma, ou de uma mesma, formalidade”, complementou o ministro.

Indícios de negócio jurídico simulado

Segundo o relator, como o doador tinha o objetivo de reaver, depois da doação, a sua posição societária, ele deveria ter manifestado a sua intenção no mesmo contrato. Optando por dividir o negócio jurídico em duas partes – sem manter, na segunda parte, a formalidade prevista em lei -, não seria possível validar a condição resolutiva.

Em seu voto, Villas Bôas Cueva também destacou que, no documento que formalizou a doação, o doador, ao se retirar da sociedade, declarou que não tinha nada a receber da empresa ou dos sócios, dando a todos eles geral e irrevogável quitação.

“Logo, tendo dado quitação plena, geral e irrevogável em relação aos sócios, não lhe é dado o direito de recobrar, depois, a sua posição societária, que é a pretensão deduzida na inicial”, afirmou.

Ao dar provimento

 ao recurso e julgar improcedente a ação, o ministro ressaltou ainda que, se a vontade do doador era diferente daquela manifestada formalmente – tendo sido comprovado que a verdadeira intenção do doador era recuperar suas cotas -, é possível concluir pela existência de indício de simulação de negócio jurídico, pois os demais sócios não foram informados do verdadeiro propósito da transação reservadamente feita entre pai e filho.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

8 de abril de 2022

O comprador deve pagar as taxas condominiais desde o recebimento das chaves ou, em caso de recusa ilegítima, a partir do momento no qual as chaves estavam à sua disposição.

Comprador preferiu não receber as chaves e assim tentou se eximir de pagar condomínio

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por compradores de três imóveis do mesmo condomínio, que tentavam afastar a cobrança de taxas.

Eles adquiriram os apartamentos por meio de contrato de permuta, mas optaram por não tomar posse para aguardar o desfecho de uma ação que tratava de penhora de outros imóveis em seu favor.

A construtora, por sua vez, colocou a chave à disposição dos compradores em juízo e se eximiu do pagamento das taxas. As instâncias ordinárias entenderam que caberia aos compradores fazer o pagamento, independentemente da posse efetiva do imóvel.

Relator no STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva manteve a conclusão. Apontou precedente do STJ segundo o qual o registro do compromisso de compra e venda não define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais.

Em vez disso, é a relação material com o imóvel, consistente na imissão na posse, que define o momento em que o comprador passa a ser responsável pelas taxas. Assim, a recusa em receber as chaves não pode eximir o comprador dessa responsabilidade.

Para o relator, a atitude constitui comportamento contrário aos princípios contratuais da boa-fé objetiva. A rejeição em tomar a posse do imóvel, sem justificativa adequada, faz com que o adquirente passe a ser responsável pelas taxas condominiais.

“A resistência em imitir na posse (e de receber as chaves) configura mora da parte adquirente, pois deixou de receber a prestação devida pelo alienante (no caso, a construtora). Nessa circunstância, o artigo 394 do Código Civil deixa claro que considera-se em mora o credor que não quiser receber o pagamento e/ou a prestação no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”, afirmou o ministro Cueva.

Logo, não há fundamento para responsabilizar a construtora pelas taxas condominiais se a sua obrigação de entregar as chaves foi devidamente cumprida.

“Dessa forma, o adquirente (promissário comprador ou permutante) deve pagar as taxas condominiais desde o recebimento das chaves ou, em caso de recusa ilegítima, a partir do momento no qual as chaves estavam à sua disposição”, concluiu. A votação na 3ª Turma foi unânime.


REsp 1.847.734

Fonte: STJ