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Postado em 03 de Fevereiro de 2022

A tese foi fixada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao confirmar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual o devedor fiduciante tem legitimidade restrita para responder pela taxa de ocupação.

​O locatário do imóvel cuja propriedade foi consolidada pelo credor fiduciário em razão da inadimplência do devedor fiduciante – antigo locador do bem – não é parte legítima para responder pela taxa de ocupação prevista no artigo 37-A da Lei 9.514/1997, por não fazer parte da relação jurídica que fundamentou a sua cobrança.

A tese foi fixada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao confirmar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual o devedor fiduciante tem legitimidade restrita para responder pela taxa de ocupação.

A controvérsia teve origem em ação de cobrança proposta por um banco com o objetivo de receber a taxa de ocupação, como forma de compensação pelo período em que o réu teria ocupado indevidamente um imóvel dado em garantia fiduciária de cédula de crédito bancário celebrada com terceiros.

Diante da inadimplência dos devedores fiduciantes, o banco consolidou a propriedade do imóvel para si. Ao tentar exercer a posse do bem, contudo, a instituição ficou sabendo que ele havia sido locado pelo antigo proprietário, fato que motivou a notificação do locatário para que desocupasse o imóvel – o que só veio a ocorrer 246 dias depois. Por essa razão, o banco pediu judicialmente que o último morador arcasse com a taxa de ocupação.   

O juízo de primeiro grau, aplicando a teoria da asserção, reconheceu a ilegitimidade passiva do locatário do imóvel e julgou improcedente o pedido. A sentença foi mantida pelo TJSP.

No recurso especial apresentado ao STJ, a instituição financeira alegou que a legislação não veda a cobrança da taxa de ocupação diretamente do sucessor do devedor fiduciante, tendo em vista a necessidade de justa contraprestação por uso e fruição do bem.

Compensação por ocupação ilegítima de imóvel

Segundo o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, a taxa de ocupação tem por fundamento a posse injusta exercida pelo devedor fiduciante a partir do momento em que é consolidada a propriedade no patrimônio do credor, sendo sua finalidade compensar o legítimo proprietário – o credor fiduciário, ou quem vier a sucedê-lo – pela ocupação ilegítima.

Nesse contexto, observou o magistrado, “os sujeitos da relação jurídica apta a ensejar a cobrança da taxa de ocupação prevista no artigo 37-A da Lei 9.514/1997 estão expressos na norma e são apenas os sujeitos originários do ajuste – fiduciante e fiduciário –, ou aqueles que sucederam o credor na relação contratual”.

Por essas razões, Antonio Carlos Ferreira apontou que o TJSP manteve corretamente a sentença de improcedência da ação ajuizada pelo banco, tendo em vista que o ônus do pagamento da taxa de ocupação só poderia ser atribuído ao devedor fiduciante, sendo o locatário parte ilegítima para responder pela cobrança.

Credor fiduciário pode suceder locador

Ao negar provimento ao recurso especial, o ministro destacou que a cessão da posse do imóvel objeto de alienação fiduciária, por meio da celebração de contrato de locação com terceiros, é uma faculdade assegurada ao devedor fiduciante pelo artigo 24, inciso V, da Lei 9.514/1997, pois, enquanto estiver adimplente, ele poderá usar livremente o imóvel, por sua conta e risco.

No entanto, o relator destacou que, se houve a anuência do credor com a locação, esta deverá ser respeitada nas condições do contrato, passando o credor a figurar na relação locatícia como sucessor do locador. Nesse caso, concluiu, os valores que o credor cobrará do ocupante do imóvel, após a consolidação da propriedade, devem ser aqueles decorrentes do contrato de locação.

Fonte: STJ

Com base nos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de um shopping center para declarar válida a cláusula que previa o percentual de até 20% a título de honorários advocatícios caso fosse necessário cobrar judicialmente o lojista por aluguéis em atraso.

02/02/2022

​Com base nos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de um shopping center para declarar válida a cláusula que previa o percentual de até 20% a título de honorários advocatícios caso fosse necessário cobrar judicialmente o lojista por aluguéis em atraso.

A cláusula contratual que estabeleceu o percentual de honorários havia sido declarada nula em primeiro grau e também no Tribunal de Justiça do Paraná. Para a corte local, o lojista executado não participou da escolha do advogado; além disso, os honorários contratuais só poderiam ser exigidos se o locatário pagasse a dívida nos termos do artigo 62, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.245/1991.

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, explicou que os honorários advocatícios contratuais (estipulados livremente entre as partes) não se confundem com os honorários sucumbenciais (que decorrem de êxito do outro patrono no processo e são responsabilidade da parte vencida).

A magistrada destacou também que o contrato de locação em espaço de shopping constitui verdadeiro contrato empresarial, no qual devem ser prestigiadas a liberdade contratual e a força obrigatória dos contratos – pressuposto positivado no recente artigo 421-A do Código Civil, introduzido pela Lei 13.874/2019.

No mesmo sentido, apontou, o artigo 54 da Lei 8.245/1991 prevê que, nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, devem prevalecer as condições livremente pactuadas nos contratos de locação.

Respeito à alocação de riscos pelas partes

Em razão da presunção de simetria e paridade entre os contratantes, Nancy Andrighi ressaltou que é imprescindível, sempre que possível, respeitar a alocação de riscos pelas partes, de forma que o Judiciário só deve intervir se houver extrapolação dos elementos normalmente verificados nesse tipo de relação empresarial.

No caso dos autos, a relatora ressaltou que a cláusula que fixou o valor dos honorários advocatícios contratuais não ficou ao arbítrio do locador, pois foi definido em percentual da dívida.

Ao dar provimento ao recurso do shopping, a ministra concluiu que – como os honorários contratuais não se confundem com as verbas sucumbenciais e o contrato em discussão possui agentes presumivelmente ativos e probos, sem nada que justifique a intromissão do Judiciário – “deve ser considerada válida e eficaz a cláusula contratual que transfere custos do locador ao locatário, impondo a este o dever de arcar com os honorários contratuais previamente estipulados”.

Fonte: STJ

3 de fevereiro de 2022

Concessionárias de serviço público podem cobrar pelo uso de faixas de domínio de rodovia, desde que tenham sido autorizadas pelo poder público que fez a concessão. Para isso, basta que a cobrança esteja prevista no edital e no contrato.

Cobrança por uso das faixas de domínio das rodovias é alvo de grande judicialização
Concessionária Rota das Bandeiras

Essa posição, pacificamente adotada pelos colegiados que julgam temas de Direito Público no Superior Tribunal de Justiça, foi reafirmada pela 1ª Turma em julgamento em dezembro de 2021. O acórdão foi publicado na terça-feira (1º/2).

O caso envolve duas empresas concessionárias de serviço público. A Ecovias, que recebeu a concessão para administrar uma rodovia no estado de São Paulo, cobrou da CPFL, de energia elétrica, pela instalação de linhas de transmissão sobre a SP-55.

As instalações estão na chamada faixa de domínio, definida como “a base física sobre a qual se assenta uma rodovia”. Ela envolve não apenas a pista, mas também canteiros, acostamentos e alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa do recuo.

O Supremo Tribunal Federal tem orientação consolidada em repercussão geral segundo a qual o poder público não pode cobrar das concessionárias pelo uso dessas faixas de domínio de rodovia. Isso porque a instalação de postes à beira de rodovias se reverte em favor de toda a sociedade. No caso de cobrança, sequer haveria serviço público prestado em contrapartida.

Para o STJ, a situação é diferente quando a cobrança é feita diretamente pelas concessionárias. A jurisprudência aponta que isso é possível porque o artigo 11 da Lei 8.987/1995 permite, na concessão de serviço público, a criação de “outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados”.

Precedente do STF não se aplica quando a cobrança é feita pela concessionária, segundo a ministra Regina Helena Costa

Reiteradamente, o STJ tem permitido a cobrança feita pelas concessionárias. Relatora do caso julgado na 1ª Turma, a ministra Regina Helena Costa destacou que a tese fixada pelo STF em repercussão geral não impede que concessionárias de rodovias façam tal exigência pela utilização das faixas de domínio.

Para isso, basta que a cobrança seja autorizada pelo poder concedente e esteja expressamente prevista no contrato de concessão.

“Tal orientação vem sendo replicada em inúmeras decisões desta Corte, autorizando-se o Poder Concedente a prever, no edital de licitação e em favor da concessionária, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, para favorecer a modicidade das tarifas, na forma do artigo 11 da Lei 8.987/1995”, explicou.

O tema continua a ser julgado colegiadamente pelo STJ porque suas decisões costumam gerar recurso extraordinário ao STF, onde os ministros mandam devolver o caso para a aplicação do precedente vinculante, em juízo de retratação.

A votação na 1ª Turma foi unânime, conforme a posição da ministra Regina Helena Costa. Ela foi acompanhada pelos ministros Gurgel de Faria, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina, e pelo desembargador convocado Manoel Erhardt.


REsp 1.677.414

Fonte: STJ

3 de fevereiro de 2022

A revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade, antes prevista no artigo 65 do Lei das Contravenções Penais, não significa que tenha ocorrido a abolitio criminis (extinção do delito) em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal.

Lei que criou crime de stalking revogou a norma que tipificava a contravenção de perturbação da tranquilidade alheia

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um homem que foi processado pela perseguição acintosa que praticou contra outra pessoa, de forma reiterada.

Esse foi o segundo processo a que o réu respondeu. No primeiro, foi condenado com base no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais (Decreto Lei 3.688/1941), que tipificava a conduta de “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”.

Depois disso, insistiu em tentar contato com a vítima ao lhe enviar três e-mails e um presente. Durante o segundo processo, entrou em vigor a Lei 14.132/2021, que tipificou o crime de stalking e, com isso, revogou o artigo 65 do Decreto Lei 3.688/1941.

A nova lei acrescentou o artigo 147-A no Código Penal, tipificando a conduta de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

A defesa foi ao STJ pedir o reconhecimento da abolitio criminis: com a revogação da normal pela qual o réu foi acusado, a conduta deixou de existir e se tornou, portanto, atípica.

Relatora, a ministra Laurita Vaz não concordou com a tese. Para ela, a ocorrência da abolitio criminis não é automática. E como o comportamento do réu é reiterado, a conduta praticada por ele está contida no novo artigo 147-A do Código Penal.

“Com efeito, a revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade — art. 65 do Decreto Lei 3.688/1941 — pela Lei 14.132/2021, não significa, a meu juízo, que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal”, explicou a relatora.

Com isso, manteve a tramitação do processo, considerando a incidência da lei anterior, por ser mais benéfica ao réu. A votação na 6ª Turma foi unânime. Acompanharam a ministra Laurita Vaz os ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro, e o desembargador convocado Olindo Menezes.

REsp 1.863.977

Fonte: STJ

DECISÃO 02/02/2022

Os contratos de seguro de saúde internacional, ainda que firmados no Brasil, não estão submetidos às normas de reajuste estabelecidas anualmente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pois esse tipo de contrato é regido por bases atuariais de nível global, sendo inapropriada a imposição dos parâmetros da agência reguladora brasileira para uma modalidade vinculada ao mercado internacional.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial por meio do qual uma beneficiária pleiteou a revisão do reajuste do seguro de saúde que ela contratou com uma empresa estrangeira e que, segundo disse, não observou os índices da ANS para planos individuais de assistência médica no Brasil.

Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, sob o fundamento de que o seguro contratado tinha características diferentes dos planos nacionais. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença por considerar que os índices da ANS não poderiam ser aplicados a contrato sujeito a variações cambiais.

Ao STJ, a beneficiária alegou que o seguro foi comercializado e contratado no Brasil, de modo que incidiriam as normas brasileiras, a exemplo das disposições da ANS sobre reajuste.

Requisitos legais para planos de saúde brasileiros

O ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou que, para uma empresa operar planos privados de saúde no Brasil, ela deve ser constituída segundo as leis locais ou, ao menos, deve participar do capital social de empresa nacional, não sendo exceção as pessoas jurídicas estrangeiras, como estabelecido no artigo 1º, parágrafo 3º, da Lei 9.656/1998.

Ele destacou que, no caso dos autos, o contrato foi firmado em inglês, com o prêmio pactuado em moeda estrangeira, e tinha como finalidade o reembolso de despesas médicas em nível global. Além disso, apontou o magistrado, o contrato é regido pela lei da Dinamarca e tem cláusula de foro que prevê a solução de litígios na capital daquele país, Copenhague. 

“Nesse cenário, constata-se que a recorrida é empresa estrangeira, constituída sob as leis dinamarquesas, isto é, não é operadora de plano de saúde, conforme definição da legislação brasileira, nem possui produto registrado na ANS, sendo o contrato firmado de cunho internacional, regido por grandezas globais”, afirmou o ministro.

Natureza jurídica de contrato internacional

Segundo o relator, a natureza internacional do contrato analisado decorre da sua conexão com mais de um ordenamento jurídico, admitindo-se a eleição da legislação aplicável, de forma que, em princípio, não se aplicariam ao caso as leis brasileiras.

Por outro lado, o ministro registrou que a pretensão da segurada, de fazer incidirem critérios nacionais de reajuste em seguro médico internacional, também não prosperaria à luz do artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que dispõe que as obrigações são regidas pela lei do país em que se constituíram.

Isso porque, de acordo com o magistrado, a apólice é internacional, com rede assistencial no exterior, não limitada ao rol de procedimentos da ANS, de forma que os reajustes são definidos a partir de cálculos que mantenham o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de âmbito mundial, tornando-o “incompatível com os índices de reajustes nacionais, definidos com base em processo inflacionário local e nos produtos de abrangência interna”.

Ao manter o acórdão do TJSP, Villas Bôas Cueva lembrou que, para pessoas que viajam ao exterior com frequência, também existem produtos internos, como planos de saúde nacionais com o adicional de assistência internacional.

“Desde que não fujam ao objeto contratual e não contrariem a legislação pátria, os contratos de plano de saúde podem conter cláusulas de serviços e coberturas adicionais de assistência à saúde não previstas na Lei 9.656/1998“, finalizou.

REsp 1.850.781.

Fonte: STJ

2 de fevereiro de 2022

O Ministério Público não tem legitimidade para promover a execução de sentença coletiva prevista no artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor. Nessa fase do processo, não existe interesse público ou social para justificar a atuação do parquet.

Sentença limitou retenção de parcelas pagas na compra de imóvel, após desistência, a 25%, conforme jurisprudência do STJ

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por uma incorporadora imobiliária que foi alvo de ação civil pública ajuizada pelo MP do Rio de Janeiro com objetivo de reduzir percentual de retenção de parcelas pagas fixada em contrato.

Trata-se do quanto a incorporadora pode reter em relação às parcelas já quitadas no caso de um comprador desistir do negócio. O contrato trazia pactuação entre 75% e 90%. A jurisprudência do STJ tem como padrão o percentual máximo de 25%.

A sentença deu razão ao MP-RJ e condenou a empresa a devolver em dobro toda e qualquer quantia cobrada indevidamente dos consumidores que tenha ultrapassado os 25%, mediante depósito em sua conta corrente.

Após o trânsito em julgado, o Ministério Público fluminense pediu que a incorporadora fosse intimada a cumprir a sentença coletiva, por meio da comprovação da restituição, sob pena de multa por descumprimento calculada em R$ 10 mil por dia.

Ao STJ, a empresa afirmou que o MP não tem legitimidade para tanto. Relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino concordou.

Ele explicou que, embora o artigo 98 do Código de Defesa do Consumidor admita a execução coletiva pelos entes legitimados no artigo 82 — dentre os quais está o Ministério Público —, na fase de execução não há interesse social a justificar a atuação ministerial.

Isso porque a controvérsia sobre núcleo de homogeneidade do direito já se encontra encerrada. A execução da sentença coletiva consumerista consiste em: identificar o beneficiário do direito reconhecido e descobrir a quantia devida a ele.

“Essa particularidade da fase de execução constitui óbice à atuação do Ministério Público na promoção da execução coletiva, pois o interesse social, que justificaria a atuação do parquet, à luz do artigo 129, inciso III, da Constituição, está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, sobre o qual não se controverte na fase de execução”, explicou.

A conclusão foi unânime na 3ª Turma. Votaram com o relator os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi.


REsp 1.801.518

Fonte: STJ

Testemunho indireto não serve para condenar.

Postado em 01 de Fevereiro de 2022

​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a teoria da perda de uma chance para absolver um adolescente acusado de ato infracional análogo ao crime de homicídio tentado. As instâncias ordinárias haviam imposto ao menor a medida socioeducativa mais grave prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com base apenas em depoimentos indiretos, pois, além do próprio acusado, não foram ouvidas as testemunhas oculares nem as pessoas diretamente envolvidas no fato, e não foi realizado o exame de corpo de delito na vítima.

“O caso destes autos demonstra, claramente, a perda da chance probatória”, afirmou o relator do recurso da defesa, ministro Ribeiro Dantas, para quem a investigação falha “extirpou a chance da produção de provas fundamentais para a elucidação da controvérsia” – postura que viola o artigo 6º, III, do Código de Processo Penal (CPP), o qual impõe à autoridade policial a obrigação de “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”.

Criada pelo direito francês no âmbito da responsabilidade civil, a teoria da perda de uma chance, segundo o magistrado, foi transportada para o processo penal pelos juristas Alexandre Morais da Rosa e Fernanda Mambrini Rudolfo. “Quando o Ministério Público se satisfaz em produzir o mínimo de prova possível – por exemplo, arrolando como testemunhas somente os policiais que prenderam o réu em flagrante –, é, na prática, tirada da defesa a possibilidade de questionar a denúncia”, explicou Ribeiro Dantas.

Testemunho indireto não serve para condenar

De acordo com o processo, o menor, morador de rua, golpeou a vítima com um paralelepípedo porque ela teria agredido sua namorada, grávida, e um amigo, mas a tese de legítima defesa não foi aceita.

As instâncias ordinárias entenderam que houve excesso na legítima defesa, tendo em vista depoimentos do bombeiro e da policial militar que atenderam a ocorrência quando a briga já havia terminado. Os depoentes, por sua vez, basearam seus relatos em informações de pessoas que estavam no local – testemunhas oculares –, mas que, por não terem sido identificadas, não foram formalmente ouvidas pela polícia, nem em juízo.

Seguindo o voto do relator, a Quinta Turma fixou o entendimento de que o testemunho indireto (também conhecido como testemunho por “ouvir dizer” ou hearsay testimony) “não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu”. A utilidade desse tipo de depoimento – acrescentou o ministro – é apenas indicar ao juízo testemunhas efetivas que possam vir a ser ouvidas na instrução criminal, na forma do artigo 209, parágrafo 1º, do CPP.

Ao apresentar diversos entendimentos sobre o hearsay testimony no direito comparado, Ribeiro Dantas ressaltou que o fato efetivamente ocorrido não corresponde, necessariamente, à percepção da testemunha – percepção esta que ainda pode se alterar com o passar do tempo. Esses limites da prova testemunhal, segundo o relator, crescem exponencialmente quando se adiciona um intermediário, no caso do depoimento por “ouvir dizer”.

Para o magistrado, procedimentos comuns que podem ser realizados pelo juízo para verificar a credibilidade e a solidez da narrativa do depoente ficam inviabilizados quando se trata de testemunho indireto, o qual subtrai das partes a prerrogativa – garantida pelo artigo 212 do CPP – de inquirir a testemunha e apontar eventuais inconsistências de seu relato.

Provar a dinâmica dos fatos é ônus da acusação

De acordo com o ministro, não há explicação no processo para o fato de as várias pessoas que presenciaram a briga não terem sido identificadas pela polícia para posterior depoimento – segundo ele, uma “gravíssima omissão”.

Quanto à namorada, ao amigo e à vítima, Ribeiro Dantas observou que o Ministério Público desistiu de ouvi-los por serem pessoas em situação de rua, sem endereço para intimação, “mas não demonstrou ter envidado nenhum esforço para localizá-los”. Mesmo assim, “a única pessoa ouvida em juízo e que realmente presenciou os fatos – o representado – teve sua justificativa completamente descartada pelo Estado, sem a apresentação de motivação válida para tanto, até porque não se produziu prova direta a esse respeito”.

Para o relator, o ônus de produzir as provas que expliquem a dinâmica dos fatos narrados na denúncia é da acusação, e não do réu. “Quando a acusação não produzir todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos – capazes de, em tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso produzidas –, a condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar com fundamento nas provas remanescentes”, concluiu Ribeiro Dantas.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

27 de janeiro de 2022

Seria um contrassenso o Estado, que age em nome da coletividade no papel de guardião do meio-ambiente ecologicamente equilibrado, brindar com contratos, incentivos fiscais, registro, licença e autorização a pessoa física ou jurídica que contamina ou degrada a natureza.

Pesca predatória com uso de redes de arrasto geral dano ambiental indenizável

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pelo Ibama para determinar sanções extras a uma empresa e seu sócio, ambos condenados a indenizar o Estado brasileiro por praticar a pesca de arrasto.

O caso ocorreu no litoral do Rio Grande do Sul, onde agentes do Ibama flagraram e reportaram o dano ambiental. Na pesca de arrasto, embarcações usam grandes e pesadas redes para, em movimento, exatamente arrastá-la pelo fundo do oceano, trazendo com si espécies não visadas e outras estruturas, como corais.

Em primeiro grau, o juízo identificou o dano ambiental e condenou a empresa a pagar R$ 200 mil por danos materiais e outros R$ 20 mil em danos morais coletivos, com a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica no momento da execução da pena, para alcançar os sócios.

O Ibama recorreu para que fosse cancelado o registro da empresa e cassadas a licença e incentivos fiscais. Elas estão previstas no artigo 14, incisos II a IV da Lei 6.938/1981 e no artigo 72, incisos IV a XI da Lei 9.605/1998.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região registrou que a sanção é possível, mas entendeu que, no caso concreto, não seriam aplicável. E acrescentou que as mesmas medidas poderiam ser buscadas na seara administrativa.

Para o ministro Herman Benjamin, seria contrassenso manter registro e benefícios à empresa que degrada o meio ambiente

“Não se está aqui a dizer que as esferas cível e administrativa dependam uma da outra, mas sim de concluir, conforme a situação trazida aos autos e de acordo com o entendimento dos julgadores, com base no livre convencimento”, disse o desembargador Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, relator do caso no TRF-4, ao julgar os embargos de declaração.

Relator no STJ, o ministro Herman Benjamin reformou essa parte do acórdão. Destacou que tais sanções se encaixam no vasto leque do poder geral do juiz em demandas de responsabilidade civil ambiental. São diligências acessórias, saneadoras e pedagógicas.

“Até porque representaria contrassenso o Estado — que age em nome da coletividade atual e vindoura, no seu papel de guardião do meio ambiente ecologicamente equilibrado — brindar com contratos, incentivos fiscais ou creditícios, e preservar registro, licença ou autorização, em benefício de pessoa física ou jurídica que contamina ou degrada a natureza”, pontuou.

Apontou que o artigo 12 da Lei 6.938/1981 fixa que entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais devem condicionar a concessão desses benefícios ao licenciamento e ao cumprimento das normas fixadas por órgãos ambientais e pelo próprio legislador ordinário.

“No caso em tela, foi reconhecido, expressamente, pelo Tribunal a quo o dano ambiental. Portanto, é pertinente e adequada a pretensão recursal quanto ao cálculo corrigido do dano e à imposição de medidas complementares à empresa-ré”, concluiu o ministro Herman Benjamin.


REsp 1.745.033

Fonte: STJ

27 de janeiro de 2022

Apesar de a Lei 11.101/2005 expressamente excluir de sua aplicação as cooperativas de crédito, ainda assim é possível a decretação da falência das mesmas, tendo em vista que essa é uma hipótese prevista na Lei 6.024/1974, após liquidação extrajudicial pelo Banco Central.

Para ministro Sanseverino destacou que lei que trata da liquidação extrajudicial de instituições financeiras prevê a falência

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso especial para manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de admitir a falência de uma cooperativa de crédito rural.

Por se equiparar a instituição financeira, essa cooperativa se sujeita ao regime de liquidação especial previsto na Lei 6.024/1974.

E durante esse processo, o liquidante apurou que o ativo da cooperativa não seria suficiente para cobrir sequer a parcela de 50% dos créditos quirografários, além de identificar indícios de crimes falimentares.

Com isso, o Banco Central autorizou o liquidante a requerer a autofalência da cooperativa. Esse procedimento é previsto no artigo 21, alínea “b” da Lei 6.024/1974.

O autor do recurso especial no STJ é ex-cooperado e administrador da cooperativa. Ele defendeu que a falência não é aplicável nesse caso, pois o artigo 2º, inciso II da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) expressamente diz que a norma não se aplica às cooperativas de crédito.

Relator, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino usou o princípio da especialidade para definir esse conflito de normas. Para ele, a Lei 6.024/1974 é mais específica, por tratar da liquidação extrajudicial de instituições financeiras — dentre as quais se inserem as cooperativas de crédito rural.

Instituições financeiras estão apenas parcialmente excluídas da Lei 11.101/2005, segundo a ministra Nancy Andrighi

Exclusão parcial
Em voto-vista, a ministra Nancy Andrighi concordou e acrescentou o entendimento da doutrina especializada segundo o qual a Lei 11.101/2005 impõe duas espécies de exclusão do regime falimentar: total ou parcial.

No caso das instituições financeiras, a exclusão seria parcial, justamente porque a Lei 6.024/1974 prevê a decretação da falência da instituição como forma de encerramento do procedimento de liquidação extrajudicial.

“Nesses casos — em que houve prévia intervenção ou liquidação extrajudicial —, a falência, segundo a doutrina majoritária, poderá ser decretada, mas tão somente se houver requerimento nesse sentido, devidamente autorizado pelo Banco Central, feito pelo interventor ou pelo liquidante”, afirmou.

O doutrinador citado é Fábio Ulhoa Coelho. A ministra Nancy também fez referência à doutrina de Mário Penteado, no que destaca que a falência é sim aplicável a algumas das entidades excluídas da Lei 11.101/2005, motivo pelo qual o objetivo da lei seria impedir o ingresso imediato delas no processo judicial de execução coletiva empresarial, passando antes por intervenção e liquidação extrajudicial.

A conclusão na 3ª Turma foi unânime. Votaram com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, além da ministra Nancy Andrighi, os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze.


REsp 1.878.653

Fonte: STJ

27 de janeiro de 2022

 A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento a um recurso da Fazenda Nacional para reconhecer que a revisão aduaneira de Declarações de Importação (DI) pode ser feita pela Receita em qualquer um dos quatro canais de parametrização existentes para a importação: verde, amarelo, vermelho e cinza.

Gurgel de Faria foi o relator do recurso especial

Assim, a Turma alinhou-se a entendimento já firmado na 2ª Turma, no sentido de que a primeira oportunidade (conferência) não ilide a segunda (revisão) — que surge após o desembaraço aduaneiro —, na qual o Fisco revisitará todos os atos praticados no primeiro procedimento.

Segundo as normas da Receita Federal, uma das etapas do desembaraço aduaneiro é chamada de parametrização, procedimento criado para conferência e verificação por amostragem.

Os canais recebem nomes de cores que identificam o grau de exame feito para o desembaraço, desde o automático (verde), passando pelo documental (amarelo), pela verificação física da mercadoria (vermelho) até o procedimento especial de controle aduaneiro (cinza), para verificar indícios de fraude.

O caso
O recurso julgado teve origem em uma ação ajuizada pelo importador contribuinte, que objetivava a anulação de auto de infração aduaneiro, bem como o afastamento de multas impostas pelo fisco. Havia mercadorias parametrizadas para os canais verde, amarelo e vermelho. Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) considerou possível a revisão aduaneira apenas na hipótese de mercadora importada direcionada para o “canal verde”, oportunidade em que a mercadoria é desembaraçada automaticamente, sem qualquer verificação.

Para o TRF4, nesse caso, como a autoridade fiscal não desenvolveu qualquer procedimento de conferência dos documentos e das informações da DI (o que só acontece nos canais amarelo, vermelho e cinza), seria permitida a revisão aduaneira, mesmo sem a constatação de alguma fraude. 

Recurso especial
No STJ, o relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, afirmou que a parametrização para o canal vermelho ou amarelo de conferência aduaneira (como no caso analisado) em nada afeta a possibilidade de revisão aduaneira.

Ele destacou o conceito do artigo 638 do Decreto 6.759/2009 (Regulamento aduaneiro), segundo o qual a “revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação”.

O magistrado observou que a legislação que rege a matéria “não vincula o direito do fisco de proceder à revisão da regularidade do pagamento dos impostos a determinado tipo de canal de conferência aduaneira ao qual a mercadoria foi submetida, quais sejam, canais de parametrização verde, amarelo, vermelho ou cinza”.

O ministro Gurgel de Faria também destacou precedente da 2ª Turma (REsp 1.201.845) em que foi abordada a necessária diferenciação dos processos de “conferência aduaneira”, “desembaraço aduaneiro” e “revisão aduaneira”. A conferência exige celeridade (tem prazo de cinco dias úteis), porque a mercadoria está em depósito por conta do contribuinte, e quanto mais tempo levar, mais demorará o desembaraço aduaneiro.

De acordo com o relator, o precedente corroborou o entendimento de inexistência de óbice à revisão aduaneira de mercadorias importadas e parametrizadas para os canais amarelo e vermelho na fase de conferência. Segundo o precedente, essa primeira oportunidade de fiscalização não impede a revisão de todos os atos que foram celeremente praticados.

No caso analisado, a 1ª Turma definiu o retorno do processo ao TRF-4, para que o mérito da declaração de importação questionada seja analisado, bem como as questões remanescentes. 

REsp 1.826.124

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.