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29/08/2022

Não havendo ilegalidade, não cabe ao Judiciário interferir na regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sob pena de usurpação de suas atribuições e de ofensa à separação dos poderes. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente a ação coletiva em que a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apontava violação do dever de informação por parte das operadoras.

A comissão da Alerj ajuizou a ação contra quatro empresas de telefonia móvel, alegando que elas não teriam cumprido o dever de informar os consumidores, no momento da contratação do serviço, sobre a existência de áreas de sombra (sem sinal de celular) em determinados bairros dos municípios de Bom Jardim e Nova Friburgo.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a condenação das operadoras ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e determinou que elas passassem a prestar informações de forma clara e por escrito, no ato da contratação, a respeito da disponibilidade de sinal no município do consumidor, além de incluir no contrato os mapas de cobertura.

Resolução da Anatel não viola proteção do CDC

No voto que prevaleceu no colegiado, o ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que, nos termos do artigo 19, inciso X, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), compete à Anatel adotar as medidas para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações, expedindo as normas sobre a prestação do serviço no regime privado.

Segundo o ministro, foi com base nesse poder regulamentar que a Anatel, por meio da Resolução 575/2011, impôs às empresas de telefonia a obrigação de disponibilizar aos consumidores, em todos os setores de relacionamento, de atendimento ou de vendas, e também em sua página na internet, os mapas com a indicação das áreas de cobertura.

Tal determinação, explicou, diversamente do que entenderam as instâncias ordinárias, não afronta o artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), segundo o qual o fornecedor tem a obrigação de dar informações adequadas e claras sobre os seus produtos e serviços.

Ao contrário – afirmou o magistrado –, a resolução da Anatel, “na verdade, cumpre exatamente o dever de informação adequada e clara sobre a prestação de serviço móvel pessoal pelas operadoras de telefonia aos respectivos usuários, tanto que estabelece diversos locais em que deverão ser disponibilizados ao consumidor os mapas detalhados indicando a sua área de cobertura”.

“Assim, quando o consumidor contrata um plano de telefonia móvel, a informação sobre a área de abrangência deverá ser disponibilizada pela respectiva operadora no próprio setor de venda, independentemente da sua disponibilização também em outros canais, como nos aplicativos e no sítio eletrônico”, esclareceu o ministro, ressaltando que a comissão da Alerj não apontou qualquer falha das operadoras no cumprimento desse ponto da resolução da Anatel.

Judiciário deve respeitar expertise da agência reguladora

O magistrado também questionou a determinação do TJRJ para que as operadoras passassem a incluir nos contratos mapas com indicação das áreas de cobertura e das zonas de sombra – locais em que o sinal é interrompido por montanhas, construções e outros fatores. Segundo ele, as empresas alegam que tais zonas sem sinal são inconstantes, o que criaria grande dificuldade para cumprir a exigência do tribunal estadual.

De acordo com Bellizze, quem tem o conhecimento técnico necessário para definir a melhor maneira de disponibilizar ao consumidor as informações sobre a área de cobertura é a agência reguladora do setor, e não o Judiciário.

Para o ministro, ao modificar a forma definida para a comunicação dessas questões aos consumidores, o TJRJ acabou por alterar o conteúdo da resolução da Anatel, “sem apontar qualquer vício de ilegalidade do respectivo diploma normativo, o que não se pode admitir, sob pena, inclusive, de violação ao princípio da separação de poderes”.

REsp 1.874.643.

Fonte: STJ

25/08/2022

Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou a empresa AF Andrade Empreendimentos e Participações ao pagamento de indenização por danos morais a duas mulheres de Santos (SP) que, em 2014, residiam na região onde caiu o avião que levava o então candidato à Presidência da República Eduardo Campos. O acidente causou a morte de todos os ocupantes da aeronave.

Para o colegiado, ficou demonstrado nos autos que a empresa era a arrendatária da aeronave, e por isso ela responde pelos prejuízos causados pelo acidente às pessoas em terra, nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A ação de indenização foi proposta pelas moradoras contra a AF Andrade Empreendimentos, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) – do qual Eduardo Campos fazia parte – e duas pessoas apontadas como exploradoras da aeronave. As autoras alegaram ter sofrido alguns ferimentos e danos nos imóveis, além de abalo moral. Em primeiro grau, os réus foram condenados solidariamente a pagar indenização por danos morais de cerca de R$ 9 mil a uma das moradoras e aproximadamente R$ 14 mil à outra.

O TJSP, porém, reconheceu a ilegitimidade passiva do PSB, por considerar que o partido era simples usuário do transporte aéreo, não podendo ser responsabilizado pelos danos gerados pelo acidente.

Exploradores de aeronaves respondem por danos a pessoas na superfície

No recurso especial, a AF Andrade Empreendimentos alegou que, antes do acidente, a empresa já não tinha mais a posse da aeronave. De acordo com a recorrente, as moradoras não demonstraram os danos efetivamente sofridos, tendo agido supostamente de má-fé para receber as indenizações.

Relator do recurso, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que, nos termos do artigo 268 do Código Brasileiro de Aeronáutica, os exploradores respondem pelos danos a terceiros na superfície, causados diretamente por aeronave em voo, assim como por pessoa ou coisa dela caída ou projetada.

O ministro também lembrou que, segundo artigo 123 do CBA, considera-se operador ou explorador da aeronave, entre outros, o proprietário ou quem a use diretamente ou por meio de seus prepostos, quando se tratar de serviços aéreos privados, e também o arrendatário que adquiriu a condução técnica da aeronave arrendada e a autoridade sobre a tripulação.

“Com efeito, a recorrente, na qualidade de arrendatária e possuidora indireta da aeronave acidentada, nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, é considerada exploradora e, nessa condição, responsável pelos danos provocados a terceiros em superfície”, afirmou o ministro.

Vítima em solo é considerada consumidora por equiparação

Ainda segundo Salomão, o terceiro que estava em solo e acaba sendo atingido por acidente aéreo é considerado consumidor por equiparação, nos termos dos artigos 17 e outros do CDC.

Ao manter o acórdão do TJSP, o relator reforçou que, de acordo com as informações dos autos, o PSB era apenas usuário da aeronave, ou seja, contratante do serviço de transporte aéreo, ainda que esse contrato não tenha sido oneroso.

REsp 1785404

Fonte: STJ

24/08/2022

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, quando cessado o comodato de imóvel comum, por meio de notificação judicial ou extrajudicial, o condômino privado da sua posse tem o direito de receber aluguéis, proporcionais a seu quinhão, dos proprietários que permaneceram na posse exclusiva do bem. Para o colegiado, tal medida é necessária para evitar o enriquecimento sem causa da parte que usufrui da coisa.

A decisão teve origem em ação ajuizada por alguns condôminos para receber aluguéis dos imóveis em condomínio onde estavam instaladas empresas das quais eles tinham sido sócios. Os autores alegaram que havia sido acertado com os demais condôminos, sócios das empresas, o valor de aluguéis pelo uso dos imóveis, mas o acordo não chegou a ser formalizado e os pagamentos não foram feitos.  

As empresas e os seus sócios, por sua vez, alegaram que os imóveis lhes foram cedidos em comodato e que, não tendo havido denúncia do contrato de comodato, não seria cabível o arbitramento de aluguéis. Segundo eles, a cessão em comodato foi decidida pela maioria dos proprietários, o que afastaria a obrigação de indenizar os demais pelo uso exclusivo.

Na primeira instância, as empresas foram condenadas a pagar os aluguéis vencidos, com juros e correção, a partir do valor de R$ 50,3 mil fixado para o ano de 2003 – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Vedação ao enriquecimento sem causa é princípio geral do direito

Em seu voto, o relator do processo no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que a jurisprudência do tribunal orienta que, quando não há ajuste a respeito do prazo do comodato, o comodante, após o decurso de tempo razoável para a utilização da coisa, poderá promover a resilição unilateral do contrato e requerer a restituição do bem, cabendo ao comodatário, até restituí-lo, pagar aluguel pela posse injusta.

Segundo o ministro, a jurisprudência também estabelece que a utilização da coisa comum com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício dos atributos da propriedade pelos demais, enseja o pagamento de indenização.

O magistrado ressaltou que as instâncias de origem chegaram à mesma conclusão, tendo o TJSP, inclusive, fundamentado sua decisão no princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa (Código Civil de 2002, artigo 884). “Nesses termos, é de rigor manter a referida verba indenizatória”, afirmou Antonio Carlos Ferreira.

Não houve notificação extrajudicial válida

Outros dois pontos salientados pelo relator foram a forma de constituição em mora dos comodatários e o termo inicial de apuração do pagamento, pois, conforme os autos, não houve notificação extrajudicial válida aos condôminos que usufruíam com exclusividade do imóvel comum.

“Conforme orientação dominante do STJ, inexistindo notificação extrajudicial dos condôminos que usufruem com exclusividade do imóvel comum, a constituição em mora poderá ocorrer pela citação nos autos da ação de arbitramento de aluguéis, momento a partir do qual o referido encargo é devido”, destacou o ministro.

REsp 1.953.347.

Fonte: STJ

19/08/2022

Com base no instituto da representação processual, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma associação de produtores agropecuários é parte legítima para figurar no polo ativo de ação de manutenção de posse ajuizada contra uma mineradora, em defesa dos interesses de seus associados, desde que autorizada por eles.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) extinguiu o processo, por entender que a entidade autora não poderia buscar proteção possessória, pois a posse é direito pessoal relacionado ao possuidor, e o Código de Processo Civil (CPC) não autoriza que terceiro pleiteie direito alheio em nome próprio; e, mesmo estando a ação relacionada com as finalidades da entidade, os associados não lhe deram autorização expressa para entrar em juízo.

Representação processual exige autorização expressa

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que o artigo 5º, XXI, da Constituição Federal confere às entidades associativas legitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente, quando devidamente autorizadas. Segundo ela, o dispositivo constitucional trata das ações de rito ordinário, para as mais diversas postulações, e, embora isso não esteja expresso, o objeto da demanda deve guardar pertinência com os fins da associação.

A magistrada acrescentou que, nesse tipo de processo, a associação atua como representante processual, já que vai a juízo em nome e no interesse dos associados, havendo a necessidade de autorização expressa, a qual é satisfeita com a anuência dos filiados manifestada em assembleia geral.

De acordo com a relatora, se tais elementos não acompanharem a petição inicial, o juiz deve oportunizar à parte a correção do vício. Apenas se não atendida a determinação é que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito (artigo 76 do CPC), como preceitua a jurisprudência do STJ (REsp 980.716REsp 651.064).

Defesa de interesses coletivos em sentido amplo

A ministra explicou que a associação também pode atuar em juízo para a defesa de interesse coletivo em sentido amplo, por meio de ação coletiva de consumo ou de ação civil pública. Em tais casos, basta que a entidade esteja constituída há pelo menos um ano e que haja pertinência temática.

Nessas hipóteses, a associação assume o papel não de representante, mas de substituta processual – legitimação extraordinária –, pois age em nome próprio para a defesa de pretensão alheia. Nesse papel, segundo ela, é desnecessária a autorização dos associados, a qual se restringe às ações coletivas de rito ordinário.

Proteção possessória dos associados

Para a relatora, sendo os associados agricultores e estando a racionalização das atividades agrossilvipastoris entre os objetivos da associação, conforme indica seu estatuto social, a busca de proteção possessória está atrelada às suas finalidades.

Além disso, afirmou Nancy Andrighi, a associação está atuando na condição de representante processual, o que exige a apresentação de autorização dos associados e da lista com os respectivos nomes.

Ao reformar o acórdão, a ministra observou que o TJMT extinguiu a ação porque tais elementos não estavam nos autos, mas não deu à parte a oportunidade de correção do vício, o que contraria o entendimento predominante do STJ.

“Deverão os autos retornar à corte de origem, a fim de que seja facultado à recorrente corrigir o vício, em prazo razoável (artigo 76 do CPC), mediante apresentação de autorização dos associados e da lista com os respectivos nomes”, concluiu.

REsp 1.993.506.

Fonte: STJ

19 de agosto de 2022

As empresas têm o direito de deduzir, na apuração do lucro real que servirá como base de cálculo para o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, os honorários pagos a seus administradores e conselheiros, independentemente de serem mensais e fixos.

A ministra Regina Helena Costa
STJ 

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou indevidas as restrições impostas às empresas pelas normas da Receita Federal para a cobrança do IPRJ. O caso foi julgado na terça-feira (16/8), com resultado por maioria apertada de 3 votos a 2.

É a primeira vez em que o STJ se posiciona sobre o tema, embora isso tenha finalmente ocorrido em uma ação ajuizada em 1999 e que levou quase 20 anos para chegar à instância ordinária, em 2018. O precedente pode motivar o ajuizamento de novas ações pelos contribuintes por todo o Brasil.

O julgamento avaliou se as alterações ocorridas na legislação desde a década de 1940 permitiriam à Fazenda concluir que os honorários de administradores e conselheiros da pessoa jurídica só poderiam ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ quando se mostrarem fixos e mensais.

A lei deveria vetar a dedutibilidade
O ponto nodal está na incidência do artigo 43, parágrafo 1º, alínea ‘b’ do Decreto-Lei 5.844/1943.

A norma diz que serão adicionados ao lucro real, para tributação do IRPJ, os valores retirados das empresas que não forem debitados como despesas gerais e também aqueles que, mesmo escrituradas nessas contas, não corresponderem à remuneração mensal fixa por prestação de serviços.

Para Gurgel de Faria, seria preciso que a lei admitisse a dedutibilidade dos honorários
STJ

Para a ministra Regina Helena Costa, essa regra não incide sobre os honorários pagos aos administradores e conselheiros, mesmo que eventuais, porque eles se enquadram como despesas operacionais da empresa.

Como todos os custos e despesas são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ no lucro real, a restrição dessa dedução é que deveria estar prevista em lei. Em vez disso, a restrição aparece no artigo 31 da Instrução Normativa 93/1997 da Secretaria da Receita Federal, um ato infralegal que não tem tamanho poder.

Votaram com a relatora e formaram maioria o ministro Benedito Gonçalves e o desembargador convocado Manoel Erhardt.

A lei deveria autorizar a dedutibilidade
Abriu a divergência o ministro Gurgel de Faria, que ficou vencido ao lado do ministro Sergio Kukina. Para eles, artigo 43, parágrafo 1º, alínea ‘b’ do Decreto-Lei 5.844/1943 não faz qualquer distinção em relação à retirada de valores das empresas.

Logo, incide também para os casos de honorários pagos a administradores e conselheiros. Nessa hipótese, a dedutibilidade é que deveria estar expressamente prevista em lei, o que não aconteceu. Por isso, entendem que a Instrução Normativa 93/1997 é válida e plenamente aplicável.

“Da leitura e da interpretação do contexto normativo que rege a matéria, tem-se que a inclusão das retiradas eventuais dos honorários de administradores e conselheiros da pessoa jurídica no lucro tributável é obrigatória, não havendo qualquer ressalva na legislação de regência a respeito do tema”, afirmou Gurgel de Faria em voto-vista lido na terça.

Repercussão
Para o advogado Janssen Murayama, sócio do escritório Murayama & Affonso Ferreira Advogados, a posição corrige a violação à sistemática da integração da tributação da pessoa jurídica ou pessoa física. Desde 1995, a legislação tributária brasileira prevê uma regra de que, se determinada renda foi tributada pela pessoa jurídica, ela não deve ser tributada pela pessoa física e vice-versa.

“No caso, tais valores são tributados, incidindo sobre o imposto de renda da pessoa física. Eles são tributados na medida em que os administradores e conselhos recebem esses valores. Uma vez que esses valores já são tributados na pessoa física, eles não poderiam ser tributados novamente na pessoa jurídica, sob pena de violação, nessa temática da tributação da pessoa jurídica e da pessoa física”, explicou o especialista.

Apontou também que foi violado justamente o conceito de renda. “A própria Constituição estabelece um conceito de renda para fins de incidência do imposto de renda e, nesse caso, se tributar essa despesa — esses valores pagos aos administradores e conselheiros —, estaria tributando uma despesa e não a renda, violando o princípio constitucional da renda”, concluiu.

REsp 1.746.268

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2022, 8h12

O julgador pode levar em consideração a situação financeira do cônjuge daquele que pede a gratuidade de Justiça, pois trata-se de benefício destinado aos verdadeiramente necessitados e que não pode tolerar abusos.

18/08/2022

Voto da ministra Nancy Andrighi não conheceu do recurso por óbices processuais
Gustavo Lima/STJ

Esse entendimento foi abalizado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento na última terça-feira (16/8). O colegiado não conheceu do recurso especial de uma mulher que esperava obter a gratuidade, apesar da situação econômica avantajada do marido.

O benefício foi pedido em ação de cobrança de honorários por serviços profissionais. A autora o fez em regime de urgência porque o caso conta com prova pericial, e os honorários do perito deveriam ser depositados em cinco dias, no valor de R$ 5 mil.

O juízo indeferiu a tutela antecipada e pediu documentos para comprovar a hipossuficiência da mulher. A gratuidade acabou negada novamente, em decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. 

Para a corte paulista, os rendimentos e bens declarados pelo cônjuge dela mostram que ela tem um padrão de vida nada que lhe permite, sem prejuízos, arcar com todos os custos do processo.

Ao STJ, ela recorreu para desatrelar de si própria a situação financeira do cônjuge. Declarou-se dependente do marido, pois é mãe de três filhos, não trabalha e não tem conta corrente de titularidade exclusiva.

“O fato de o marido da recorrente exercer atividade remunerada não pode justificar o indeferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita, pois a obrigação de pagar não é do marido”, disse a defesa, no recurso especial.

Sindicância da miserabilidade
Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi não conheceu do recurso graças a óbices processuais. A defesa não impugnou corretamente o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, e não caberia ao STJ rever fatos e provas para afastar as conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias.

Ainda assim, pontuou que a condição financeira do cônjuge não pode, por si só e de forma necessária, impedir a concessão da Justiça gratuita. É necessário averiguar se a própria requerente preenche os pressupostos específicos para a concessão da medida.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Essa investigação fica a cargo do juiz da causa e, na opinião dos ministros da 3ª Turma, deve ser incentivada.

“É muito importante, para o sistema de Justiça, que a assistência judiciária gratuita seja levada a sério. E que o juiz tenha a possibilidade de fazer a sindicância efetiva das condições reais daquele que a pede”, disse o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Todos concordaram — não participou do julgamento o ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O ministro Moura Ribeiro afirmou que dar ao magistrado o controle para investigar a hipossuficiência de quem pede a gratuidade é muito importante.

“Estamos corrigindo uma jurisprudência que era nossa e que, muitas vezes, impedia que o juízo de origem fizesse essa sindicância. E agora estamos admitindo”, acrescentou o ministro Cueva.

A gratuidade
A gratuidade é prevista no artigo 98 do Código de Processo Civil. O parágrafo 2º do artigo 99 define que “o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão”. O parágrafo 3º diz que “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”.

A posição pacífica no STJ é a de que a simples declaração de pobreza tem presunção relativa. A princípio, basta o requerimento para que seja concedida a assistência judiciária gratuita. No entanto, pode ser indeferida quando o magistrado se convencer, com base nos elementos acostados aos autos, de que não se trata de hipótese de miserabilidade.

Há julgados, ainda, que rechaçam a adoção de elementos isolados para negar a miserabilidade. O fato de alguém receber um salário compatível com os custos de um processo, por exemplo, por si só não comprova que a pessoa tem efetivamente condições de arcar com esses valores.

Para a ministra Nancy Andrighi, essa análise será impactada no STJ com a entrada em vigor da exigência da relevância da questão de direito federal para o julgamento. A Emenda Constitucional 125/2022 prevê que as partes poderão atualizar o valor da causa para superar uma das novas barreiras de conhecimento.

“Isso aqui vai dar uma complexidade tão grande que acho que temos que ser extremamente rigorosos com a gratuidade”, disse a ministra Nancy.

REsp 1.998.486

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2022, 8h22

17 de agosto de 2022

Foi lançada nesta terça-feira (16/8), no plenário do Conselho Nacional de Justiça, a “Cartilha sobre o Tratamento do Superendividamento do Consumidor”, produzida por um grupo de trabalho coordenado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Marco Buzzi. 

Grupo do CNJ lança cartilha sobre superendividamento do consumidor

O grupo, instituído pela Portaria 55/2022, tem por objetivo aperfeiçoar os procedimentos administrativos para facilitar o trâmite dos processos de tratamento do superendividado.

O material preparado pela equipe se dirige precipuamente à jurisdição de primeiro grau, pois fornece um instrumental para implementação das reformas introduzidas pela Lei 14.181/2021, contemplando fluxos de trabalho, diretrizes e procedimentos uniformes para o enfrentamento das demandas relacionadas ao superendividamento.

Integram o grupo, além do ministro, a juíza auxiliar no STJ Aline Avila Ferreira dos Santos e outros membros da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública; professores, representantes de órgãos do Poder Executivo e de associações financeiras e instituições ligadas à proteção do consumidor.

Atividades de capacitação
O grupo de trabalho foi constituído para apresentar sugestões de eventos e atividades de capacitação voltadas para magistrados e servidores que atuam em demandas de superendividamento, além de propor a edição de recomendações, provimentos, instruções, orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário.

Os trabalhos deverão ser concluídos no prazo de um ano, com a apresentação de relatório final e das propostas elaboradas, prazo que poderá ser prorrogado mediante proposta justificada pela coordenação do grupo. 

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

16/08/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a falta de citação ou de intimação da parte interessada, para se manifestar sobre pedido de arbitramento de honorários advocatícios formulado em ação cautelar de arresto, após o trânsito em julgado da sentença homologatória de acordo entre as partes, é vício transrescisório, que autoriza o acolhimento da exceção de pré-executividade.

A decisão teve origem em pedido de cumprimento provisório de sentença contra uma empresa, em ação cautelar de arresto – extinta por transação entre as partes –, em que se acolheu pedido incidental de arbitramento de honorários advocatícios.

Em exceção de pré-executividade, a companhia sustentou que tal pedido só poderia ter sido acolhido em ação autônoma específica, com sua devida citação – argumento que não foi aceito pelo juízo de primeira instância, o qual condenou a empresa a pagar mais de R$ 13 milhões a título de verba honorária.

Em apelação, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) reconheceu a ocorrência do vício apontado pela empresa. Porém, consignou que o processo não correu à revelia, tendo a executada se manifestado, sem sucesso, durante toda a tramitação, o que afastaria a natureza transrescisória do vício.

Manifestação da executada após a condenação não pressupõe existência de contraditório

O relator do recurso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que a manifestação da empresa após a sentença que arbitrou honorários em favor dos autores do pedido de cumprimento provisório não supre a necessidade de se estabelecer o contraditório em momento anterior à formação do título judicial que a condenou a pagar vultosa quantia – o que evidencia a existência de vício transrescisório, passível de ser alegado em exceção de pré-executividade.

“A falta de citação figura entre os exemplos clássicos de nulidade da sentença, que, por conter vício transrescisório, jamais transita em julgado, constituindo a ação anulatória (querella nullitatis) a via mais comumente utilizada para o reconhecimento dessa nulidade, não obstante seja possível a provocação do juízo por diversos outros meios”, disse o magistrado.

Segundo Cueva, não se pode afirmar que a companhia já era parte no processo em que foi formulado o pedido de arbitramento de honorários, pois ela não foi previamente intimada para responder a essa pretensão específica – formulada após o trânsito em julgado da sentença homologatória de acordo –, mas tão somente após a constituição do título que se pretendia executar.

“O posterior ajuizamento de ação anulatória também não pode ser encarado como aceitação tácita da decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade, por se tratar de simples ato preventivo para a hipótese de não ser acolhida a pretensão recursal”, observou o ministro.

Com esses entendimentos, o colegiado aceitou a exceção de pré-executividade, declarou nula a sentença em execução e extinguiu o respectivo pedido de cumprimento, condenando a parte exequente a pagar honorários advocatícios de 10% sobre o valor pretendido com a ação executiva.

Leia o acórdão do REsp 1.993.898.

Fonte: STJ

16/08/2022

É competência do juízo da execução decidir sobre a penhora de imóveis situados fora da respectiva comarca, cujas certidões de matrícula tenham sido apresentadas nos autos. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual, na hipótese de bens sujeitos a registro público, não há necessidade de carta precatória, ainda que se situem fora da comarca da execução.

A controvérsia teve origem em ação de execução hipotecária ajuizada por uma empresa de bebidas contra uma construtora, objetivando a excussão de três imóveis hipotecados, situados em comarcas distintas.

O juízo de primeiro grau determinou a penhora dos imóveis por termo nos autos, para posterior alienação em leilão público eletrônico. O TJSP negou provimento à apelação da construtora.

No recurso especial apresentado ao STJ, a construtora alegou violação do artigo 845, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC/2015), afirmando que, se havia bens situados fora da comarca da execução, seria necessária a expedição de carta precatória para penhora, avaliação e alienação.

Bens em local diverso do foro do processo

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, destacou que a jurisprudência do STJ está alinhada ao que prevê o artigo 845, parágrafo 2º, do CPC/2015: se os bens estiverem situados em local diverso do foro do processo, a execução será feita por carta precatória, sendo o juízo deprecado competente para decidir sobre penhora, avaliação e alienação (CC 165.347).

Porém, ressalvou a ministra, conforme expressamente prevê o próprio parágrafo 2º do artigo 845, a execução por carta acontecerá somente quando não for possível realizar a penhora na forma prevista pelo parágrafo 1º do mesmo artigo do CPC/2015.

A magistrada esclareceu que, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 845, independentemente do local em que estiverem situados os bens, a penhora será realizada por termo nos autos quando se tratar de imóveis ou veículos e for apresentada a certidão da matrícula do imóvel ou a certidão que ateste a existência do veículo.

“Nessa hipótese, a competência para decidir sobre penhora, avaliação e alienação dos imóveis ou veículos será do próprio juízo da execução, sendo desnecessária a expedição de carta precatória na forma do artigo 845, parágrafo 2º, do CPC/2015, que se aplica apenas quando não for possível a realização da penhora nos termos do parágrafo 1º do mesmo dispositivo”, afirmou.

Leia o acórdão no REsp 1.997.723.

Fonte: STJ

15/08/2022

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o imóvel com cláusula de inalienabilidade temporária não entra na partilha de bens do divórcio de um casal que se separou de fato durante o prazo restritivo, sendo indiferente se a sentença de divórcio foi proferida após esse período.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de uma mulher que pretendia incluir na partilha do divórcio o imóvel no qual residia com o ex-marido. O bem foi doado a ele em 2006, com registro em cartório em 2009, mas com expressa proibição de permuta, cessão, aluguel, venda ou qualquer outra forma de repasse pelo prazo de dez anos.

Ao STJ, a recorrente alegou que, quando a sentença de divórcio foi proferida, em setembro de 2016, o prazo de dez anos da cláusula de inalienabilidade já havia transcorrido, e o imóvel tinha passado a integrar o patrimônio comum do casal.

Bem doado com cláusula de inalienabilidade é patrimônio particular do donatário

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o artigo 1.668 do Código Civil prevê os casos de bens que são considerados particulares mesmo no regime da comunhão universal; no inciso I, exclui da comunhão os “bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar”.

Segundo o relator, nessa hipótese, o donatário não pode praticar nenhum ato de disposição pelo qual o bem passe à titularidade de outra pessoa, “e é exatamente em decorrência dessa mutilação ao direito de propriedade (perda do poder de dispor) que o bem doado gravado com cláusula de inalienabilidade configura um bem particular do donatário e não integra o patrimônio partilhável no regime da comunhão universal de bens”.

Esse entendimento, ressaltou, foi cristalizado na Súmula 49 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “a cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens”.

Separação de fato é hipótese informal de dissolução da sociedade conjugal

No caso em análise, o ministro verificou que o casamento ocorreu em 20 de maio de 2012, sob o regime de comunhão universal, e que o casal está separado desde março de 2013, sem possibilidade de reconciliação.

Bellizze lembrou que a extinção do vínculo conjugal se dá pela invalidade do casamento, pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, de modo que, a partir desses marcos, não mais persistem os efeitos do matrimônio. Além disso, observou, no caso de separação de fato – hipótese informal de dissolução da sociedade conjugal –, também incide, por analogia, a regra da separação judicial ou extrajudicial prevista no artigo 1.576 do Código Civil – que tem como um dos seus efeitos o fim da eficácia do regime de bens.

De acordo com o relator, o STJ entende que os bens adquiridos durante a separação de fato não são partilháveis com a decretação do divórcio.

“Considerar como termo final do regime de bens a data da sentença de divórcio poderia gerar situações inusitadas e injustas, já que, durante o lapso temporal compreendido entre o fim da sociedade conjugal e a sentença de divórcio, um dos cônjuges poderia adquirir outros bens com recursos próprios ou até mesmo com o esforço comum de um novo companheiro (haja vista o fim do dever de fidelidade e a possibilidade de constituição de união estável), mas que seriam incluídos na partilha de bens do relacionamento extinto”, disse.

Na hipótese dos autos, o ministro apontou que a separação de fato ocorreu quando ainda vigorava a cláusula de inalienabilidade e, consequentemente, o imóvel doado não integrava o patrimônio do casal, devendo, portanto, ser reconhecida a sua incomunicabilidade.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ