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Na fase de execução, quando um devedor deposita o valor referente à dívida, no todo ou em parte, ele não necessariamente fica liberado de pagar juros e correção monetária.

20 de outubro de 2022

Para Nancy, encargos do devedor convivem com encargos do banco depositário
Gustavo Lima/STJ

Quando o dinheiro for entregue ao credor, deve ser acrescido dos juros e correção monetária pagos pelo banco no período em que a quantia ficou depositada. O que ainda faltar para atingir o total da condenação deverá ser pago pelo devedor, nos termos do título judicial.

Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu atualizar a tese fixada no Tema 677 dos recursos repetitivos. O julgamento foi encerrado nesta quarta-feira (19/10), pelo placar apertado de 7 votos a 6.

Com isso, a nova tese é:

Na fase de execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários da sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

A posição vencedora foi a da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela foi acompanhada pelos ministros João Otávio de Noronha, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Benedito Gonçalves e Og Fernandes.

Ao desempatar o resultado, o ministro Og Fernandes sugeriu a modulação dos efeitos da nova tese, em homenagem à segurança jurídica e em atenção ao impacto potencial em milhares de casos já em tramitação no Judiciário.

O colegiado discutiu o tema e levou a votação. Nesse ponto, e a contragosto de alguns ministros, só votaram os que formaram a maioria com a ministra Nancy. A conclusão, por fim, foi de não modular os efeitos.

Ficaram vencidos os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Raul Araújo e Francisco Falcão. Para eles, a tese do Tema 677 não deveria ser alterada.

Voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino se opôs à atualização da tese e ficou vencido
STJ

Por que mudar a tese?
O enunciado original foi fixado no Recurso Especial 1.348.640, julgado em 2014 pela própria Corte Especial. A redação original indicava que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.

A tese acabou se desdobrando em acórdãos em que colegiados do STJ já aplicaram a tese conforme aprovada agora pela Corte Especial. Essa dispersão jurisprudencial foi abordada em diversos artigos publicados pela revista eletrônica Consultor Jurídico (clique aquiaqui e aqui). Em um deles, os advogados Tiago Cisneiros e João Loyo explicaram que o assunto é tão complicado que nem o STJ sabe o que a tese significa.

Em outubro de 2020, a ministra Nancy Andrighi suscitou questão de ordem ao colegiado por entender que a tese não está mais cumprindo adequadamente sua finalidade em um sistema de precedentes vinculativos. Ela tem se desdobrado em entendimentos díspares por todo o Judiciário.

O problema surge quando uma condenação impõe ao devedor o pagamento de juros e também de correção monetária.

A partir do momento em que ele deposita o valor em juízo, a instituição financeira que recebe o montante naturalmente vai fazer a correção monetária, até que haja sua liberação. Até lá, o restante dos encargos permanece com o devedor ou fica ele, desde já, livre?

Ministro Og Fernandes chegou a propor modulação dos efeitos da nova tese
Gustavo Lima

Devedor continua devedor
Na visão da ministra Nancy Andrighi, a obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção sobre valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios da sua mora.

Ou seja, quando o dinheiro depositado for finalmente liberado ao credor, deve ser acrescido dos juros e da correção monetária pagos pela instituição financeira pelo período em que foi depositária e, no que faltar, os juros e correção monetária suportados pelo devedor, conforme a condenação.

Para ela, o depósito na ação de um credor contra o devedor (consignatória) só pode extinguir a obrigação de quem deve quando para ele concorrerem os mesmos requisitos de validade do pagamento, como tempo, modo, valor e lugar.

“Em suma, não se pode atribuir efeito liberatório do devedor por causa do deposito de valores para garantia do juiz com vistas a discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, pois não se tratam de pagamento com animus solvendi (intenção de quitar a dívida).”

Segundo a corrente vencedora, liberar o credor totalmente após o depósito da dívida causaria uma série de problemas. Um deles seria estimular a perpetuidade da execução, pois a menor ou maior duração do processo em nada influenciaria o valor final do débito, já que a atualização monetária e juros remuneratórios decorreriam apenas da instituição financeira depositante.

Também causaria prejuízo ao credor, já que os índices usados pelos bancos são os aplicados à caderneta de poupança, consideravelmente inferiores aos índices usados para compensação da mora dos débitos contratuais e judiciais.

Por fim, destacou a ministra Nancy Andrighi, tornaria a penhora valores, considerada pela lei como prioritária, mais prejudicial ao interesse com o credor se comparada com penhora de outros bens de menor liquidez, como imóveis.

Pedido de vista impediu ministro Humberto Martins de dar o voto de desempate no caso
Lucas Pricken

Prejuízo à execução
Abriu a divergência o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para quem a tese não deve ser atualizada. Ele apontou três consequências graves para a superação do Tema 677.

A primeira é desestimular o devedor de oferecer dinheiro à penhora. Entre a opção de imobilizar capital em depósito que será corrigido pelo índice da poupança e a possibilidade de empregá-lo em outro investimento, seria mais vantajoso ao devedor escolher a segunda opção, já que não é difícil obter no mercado investimento mais atraente.

A segunda é incentivar o devedor a pleitear substituição de penhora em dinheiro por fiança bancária, como permite artigo 835, parágrafo 2º, do CPC.

A terceira é eternizar a execução. “Mesmo depois de se obter, mediante depósito ou penhora, a constrição de valor correspondente à dívida, ainda assim remanesceria o saldo residual de juros moratórios a executar”, explicou ele.

Assim, a execução teria de continuar para alcançar a diferença entre a taxa de juros e a taxa de remuneração do depósito. “No caso dos autos, a execução está em tramitação há longos anos justamente por causa do saldo residual de juros de mora”, afirmou, no voto vencido.

REsp 1.820.963

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de outubro de 2022, 17h31

19/10/2022

Quando a intimação ou a citação for feita pelo correio, o início do prazo para a parte será a data de juntada do Aviso de Recebimento (AR) nos autos. No entanto, a contagem do prazo para a prática de ato processual deve excluir o dia do começo – no caso, a data da juntada do AR – e incluir o dia do vencimento.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou intempestivos os embargos monitórios protocolados por uma empresa. Para a corte local, os embargos teriam sido opostos no dia seguinte ao escoamento dos 15 dias úteis legalmente previstos para a sua apresentação.

Na decisão, o TJSP, com base no artigo 231, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), consignou que o prazo teve início em 25 de abril de 2019 (dia da juntada do AR) e se encerrou em 16 de maio, considerando que não houve expediente forense no dia 1º de maio, em virtude do feriado.

A empresa, por sua vez, sustentou que o prazo teve início na data da juntada do AR, mas a contagem deve excluir o dia inicial e incluir o do vencimento, conforme determina o artigo 224 do CPC. Para o TJSP, no entanto, tal artigo só é aplicável quando não há “disposição em contrário”, e no caso há o disposto no artigo 231, inciso I, do CPC.

Artigos 224 e 231 do CPC devem ser analisados em conjunto

O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que não se pode confundir o início do prazo processual com a forma de sua contagem. Segundo ele, os artigos 224 e 231 do CPC devem ser analisados em conjunto, e não separadamente, como fez o tribunal de origem.

O magistrado ressaltou que, quando as intimações ou as citações acontecem pelo correio, o início do prazo coincide, de fato, com a data de juntada aos autos do respectivo AR, mas o início da contagem do prazo para a prática de ato processual subsequente – no caso em análise, o oferecimento dos embargos monitórios – deve excluir o dia da juntada do aviso e incluir o dia do vencimento.

“Na hipótese de citação ou intimação feitas pelo correio, caso o aviso de recebimento fosse juntado aos autos no final do expediente forense, por exemplo, a parte já teria perdido praticamente o primeiro dia do prazo processual, o que não se revelaria razoável”, comentou.

Contagem do prazo tem início no primeiro dia útil subsequente à juntada do AR

Bellizze recordou que, conforme a decisão contestada, o AR da carta de citação foi juntado aos autos em 25 de abril, iniciando-se a contagem do prazo para oposição dos embargos no primeiro dia útil seguinte, isto é, em 26 de abril, e terminando em 17 de maio, visto que não houve expediente em 1º de maio, feriado do Dia do Trabalho.

“Considerando que os embargos monitórios foram opostos em 17 de maio de 2019 (sexta-feira), último dia do prazo processual, não há que se falar em intempestividade, devendo, por isso, o acórdão recorrido ser reformado”, concluiu o relator.

REsp 1.993.773.

Fonte: STJ

18/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a condição financeira do cônjuge não impede, necessariamente, o deferimento do benefício da gratuidade de justiça, sendo necessário verificar se a parte que o requer preenche os pressupostos específicos para a sua concessão. Para o colegiado, tal direito tem natureza personalíssima.

A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que negou o benefício a uma requerente, sob a justificativa de que seu cônjuge ostentaria padrão financeiro suficiente para arcar com as despesas processuais, sem prejuízo do sustento da família.

Nas alegações recursais, a parte sustentou ser mãe de três filhos, não exercer atividade remunerada nem possuir conta bancária de sua titularidade, sendo, dessa forma, hipossuficiente.

Regime do casamento pode influenciar, ou não, na análise do benefício

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que tanto a Lei 1.060/1950 – a qual estabelece normas para a concessão de gratuidade aos necessitados – quanto o artigo 99, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil de 2015 estabelecem que o direito ao benefício tem natureza personalíssima, de modo que os pressupostos legais para sua concessão deverão ser preenchidos, em regra, por quem o pleiteou.

A magistrada ressaltou que, em algumas situações, a condição financeira do cônjuge pode influir na decisão sobre deferimento ou indeferimento do benefício, em razão do regime matrimonial de bens e do dever de mútua assistência previsto no Código Civil (artigo 1.566, III), mas essas situações devem ser analisadas caso a caso.

Mesmo quando se verifica um forte vínculo entre a situação financeira dos dois cônjuges, isso não significa que o benefício requerido por um deles deva ser examinado à luz da condição econômica do outro, explicou.

Segundo a relatora, ainda que o regime de bens seja o da comunhão universal, a constatação de que o cônjuge pode bancar os custos do processo “nada mais representa do que a conclusão, por via transversa, de que a parte, em razão da mancomunhão, possui, ela própria, condições de arcar com as mencionadas verbas, o que afasta o deferimento do benefício”.

Da mesma forma – continuou a magistrada –, caso se avalie que a parte pode arcar com os custos do processo, pois seu cônjuge é capaz de sustentar a família, isso significa que a própria parte preenche os pressupostos para o deferimento da gratuidade.

Despesas do processo são obrigação da parte, não de seu cônjuge

Já no caso de pessoas casadas em regime de separação de bens, se uma delas não tem patrimônio nem renda para suportar as despesas processuais, a situação financeira da outra não deve influenciar, em princípio, na análise sobre a concessão do benefício. “O que deve ficar claro é que a obrigação de arcar com os custos do processo é da própria parte, e não de seu cônjuge, sujeito estranho à relação jurídica processual”, afirmou a ministra.

Quanto ao processo analisado, Nancy Andrighi lembrou que o TJSP consignou em seu acórdão que, além de o marido da requerente da gratuidade ter rendimentos suficientes para o pagamento das custas processuais, ela própria também teria recursos, sendo, inclusive, coproprietária de imóvel – fundamento que não foi impugnado no recurso especial.

No entender da ministra, o tribunal de origem se manifestou especificamente sobre a condição financeira da própria recorrente, concluindo que ela não teve êxito em demonstrar a alegada hipossuficiência financeira. Como o reexame de provas não é admitido pela Súmula 7 do STJ, o recurso não foi conhecido.

REsp 1.998.486.

Fonte: STJ

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão de tribunal local e afastou os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos administradores não sócios de uma sociedade empresária.

18 de outubro de 2022

   Relator, o ministro Marco Buzzi destacou as diferenças entre as teorias maior e menor

Para o colegiado, é inviável uma interpretação extensiva do artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), devido à sua especificidade e às consequências de sua aplicação.

Segundo o processo, os recorrentes eram administradores não sócios de uma sociedade do ramo imobiliário que estava sendo executada pelo descumprimento do distrato relativo a uma promessa de compra e venda de imóvel.

As instâncias ordinárias entenderam que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica deveriam ser estendidos aos administradores da executada, com base na chamada teoria menor, constante do parágrafo 5º do artigo 28 do CDC, sob o fundamento de não terem sido localizados bens da empresa para penhora.

No recurso dirigido ao STJ, os recorrentes requereram a reforma do acórdão de segundo grau, sustentando que a aplicação do dispositivo foi indevida.

O relator, ministro Marco Buzzi, esclareceu que a desconsideração da personalidade jurídica está disciplinada tanto no artigo 50 do Código Civil quanto no artigo 28 do CDC.

O ministro destacou que a teoria maior, prevista no artigo 50 do CC e no caput do artigo 28 do CDC, permite que os administradores sejam atingidos na desconsideração, mas para isso há requisitos rígidos, como abuso de direito, excesso de poder, prática de ato ilícito e outras situações.

Por outro lado, Buzzi observou que a teoria menor (artigo 28, parágrafo 5º, do CDC) é mais flexível, de modo a ampliar as hipóteses de desconsideração. Segundo explicou, “aplica-se a casos de mero inadimplemento, em que se observe, por exemplo, a ausência de bens de titularidade da pessoa jurídica hábeis a saldar o débito”.

O ministro apontou que, ao contrário do que ocorre com a teoria maior, prevista no Código Civil, o artigo 28, parágrafo 5º, do CDC não admite expressamente a extensão da responsabilidade ao administrador que não integra o quadro societário.

O relator também destacou o entendimento no REsp 1.862.557 e no REsp 1.658.648, ambos da 3ª Turma, que adotaram, no mesmo sentido, a impossibilidade da responsabilização pessoal daquele que não integra o quadro societário da pessoa jurídica, ainda que administrador.

Para Buzzi, o acórdão de segundo grau deve ser reformado porque a desconsideração da personalidade jurídica teve como base exclusiva o artigo 28, parágrafo 5º, do CDC, diante da ausência de bens penhoráveis da empresa, não tendo havido a indicação e muito menos a comprovação da prática de qualquer abuso, excesso ou infração. 

Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2022, 11h51

17/10/2022

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 1.964.293 e 1.977.547, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.

A questão que será submetida a julgamento foi cadastrada como Tema 1.167 na base de dados do STJ, com a seguinte ementa: “Definir se a audiência preliminar prevista no artigo 16 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é ato processual obrigatório determinado pela lei ou se configura apenas um direito da ofendida, caso manifeste o desejo de se retratar”.

O colegiado decidiu não suspender o trâmite dos processos que discutem o mesmo tema.

Objetivo da audiência preliminar está no centro da controvérsia

Indicado pela Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas como representativo da controvérsia, o REsp 1.964.293 foi interposto pelo Ministério Público contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que entendeu ser obrigatória a designação de audiência prévia no âmbito da Lei Maria da Penha, sob pena de nulidade do processo.

O Ministério Público estadual sustentou que o objetivo da audiência não é reiterar a representação da ofendida, mas confirmar a intenção de renunciar ou se retratar da representação ofertada. Segundo o MP, a audiência só precisaria ser designada caso a ofendida quisesse se retratar da representação oferecida na fase do inquérito, o que não ocorreu no caso em questão.

Argumentação dos recursos e multiplicidade motivam afetação

Ao propor a afetação, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que a argumentação desenvolvida nas razões recursais delimita de forma satisfatória a controvérsia, apresentando a abrangência necessária ao reexame da questão. Em relação ao caso concreto, ele salientou a relevância do recurso por tratar de uma decisão de segunda instância que decretou a nulidade da ação penal.

O relator lembrou que o STJ já se manifestou sobre o tema em 38 acórdãos e 516 decisões monocráticas proferidas por ministros componentes da Quinta e da Sexta Turma: “É possível identificar que a tese proposta pelo tribunal de origem já foi por diversas vezes objeto de julgamento perante esta corte superior, a demonstrar a repetição da matéria, bem como a multiplicidade de recursos que versam sobre o tema ora debatido”, afirmou o ministro.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

REsp 1.964.293.

Fonte: STJ

17/10/2022

Dois dos três principais tributos municipais têm incidência sobre imóveis: o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Juntamente com o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN, mais conhecido apenas como ISS), eles compõem grande parte das receitas próprias nos mais de 5.500 municípios brasileiros.

A previsão desses tributos está no artigo 156 da Constituição, mas, devido ao regulamento infraconstitucional, muitas controvérsias jurídicas envolvendo ITBI e IPTU são resolvidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A jurisprudência do STJ sobre esses tributos é o tema da reportagem especial em duas partes que começa a ser divulgada neste domingo.

Este primeiro texto apresenta julgados da corte sobre o ITBI. O imposto é antigo na literatura jurídica nacional: remonta a 1809, ainda na época do Império, com o chamado “imposto da sisa”. Desde 1891, possui previsão constitucional. É regulado, atualmente, pelos artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional (CTN).

Detalhe importante: as regras do CTN são da época em que o ITBI era de competência estadual, portanto, é preciso analisá-las em conjunto com o regramento constitucional vigente. Uma das principais controvérsias a respeito do tributo é a base de cálculo, já que esse parâmetro influencia o valor a ser pago.

Qual é o valor do imóvel?

Em fevereiro deste ano, a Primeira Seção estabeleceu importante definição a respeito do assunto ao julgar o Tema 1.113 dos recursos repetitivos (REsp 1.937.821). Para o colegiado, a base de cálculo do ITBI deve considerar o valor de mercado do imóvel individualmente determinado, afetado por fatores específicos como o estado de conservação.

A seção de direito público fixou três teses:

1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN);

3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

De acordo com o relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, a expressão “valor venal” contida no CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as compras e vendas.

Embora seja possível aferir um valor médio, a avaliação de cada imóvel possui especificidades, com oscilações positivas e negativas, que devem ser levadas em conta – lógica diferente, portanto, da estimativa feita para fins de IPTU.

“Cumpre salientar que a planta genérica de valores é estabelecida por lei em sentido estrito, para fins exclusivos de apuração da base de cálculo do IPTU, não podendo ser utilizada como critério objetivo para estabelecer a base de cálculo de outro tributo, o qual, pelo princípio da estrita legalidade, depende de lei específica”, complementou o relator.

Fato gerador é a efetiva transferência do imóvel

No AREsp 1.760.009, o STJ reafirmou o entendimento adotado pela corte após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1.124 da repercussão geral. Segundo esse entendimento, o fato gerador do ITBI somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro no cartório de imóveis.

No julgamento do recurso, em abril de 2022, a Segunda Turma do STJ acrescentou que, mesmo em caso de cisão de empresa com transmissão de imóvel do seu patrimônio, o fato gerador do ITBI é o registro da transferência do bem no cartório.

Nessa demanda, após a cisão de uma empresa em outras quatro, com a transferência de duas fazendas para uma delas, houve o recolhimento de ITBI para o município paulista de São Manuel, em 2012. Dois anos após o pagamento, o georreferenciamento na região constatou que as fazendas pertenciam a outro município do mesmo estado, Igaraçu do Tietê. Após nova transferência de propriedade, valores de ITBI foram pagos a este segundo município, em 2015.

A empresa requereu judicialmente a devolução de valores, alegando que o pagamento feito em 2012 ao município de São Manuel não era devido. O STJ deu razão à empresa, ao concluir que, de fato, a transferência só foi efetivada com o registro do imóvel em 2015, após o processo de georreferenciamento.

Nas palavras do relator, ministro Herman Benjamin: “O STJ entende que, mesmo em caso de cisão, o fato gerador do ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil, o que, no caso, ocorreu em 2015. Logo, não há como considerar como fato gerador da referida exação a data de constituição das empresas pelo registro de contrato social na Junta Comercial, ocorrido em 2012”.

O relator lembrou que, mesmo antes da decisão do STF, o STJ já havia adotado esse entendimento no AREsp 215.273, de 2012, e em julgados de 2007, como o REsp 771.781 e o REsp 764.808. “O fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento”, declarou Herman Benjamin no AREsp 215.273.

Devolução do imposto no negócio anulado

O STJ entende que, no caso de anulação da venda do imóvel, o valor pago a título de ITBI é passível de restituição. A discussão ocorreu no EREsp 1.493.162, relatado na Primeira Seção pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, hoje aposentado.

O negócio que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por sentença judicial transitada em julgado.

O fisco questionou decisão da Segunda Turma do STJ alegando que, mesmo na hipótese de anulação posterior do negócio, o imposto seria devido, e invocou como paradigma um acórdão divergente da Primeira Turma (REsp 1.175.640). Por unanimidade, a seção corroborou o acórdão da Segunda Turma e manteve a condenação imposta ao fisco de devolver o valor do ITBI.

De acordo com o relator, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que era nulo o negócio de compra e venda, não há fato gerador do imposto, nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição, e do artigo 35, incisos I, II e III, do CTN, “sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte”.

Valor de venda ou valor de arrematação?

A transferência de propriedade tributada pelo ITBI pode envolver imóvel arrematado em leilão judicial, o que trouxe para o STJ a discussão sobre a base de cálculo em tais hipóteses. No REsp 1.188.655, em 2010, a Primeira Turma debateu se a base de cálculo do imposto seria o valor da arrematação ou o valor de venda do imóvel – uma diferença significativa, tendo em vista que imóveis leiloados podem ser arrematados por preços bem inferiores aos de mercado.

O relator, ministro Luiz Fux (hoje no STF), destacou que, embora continuassem a chegar ao STJ recursos contra decisões que aceitavam o valor venal como base de cálculo, o entendimento do tribunal, desde 1990, apontava para o valor da arrematação judicial.

O ministro citou dois precedentes nos quais o assunto foi debatido com profundidade, o REsp 863.893, relatado pelo ministro Francisco Falcão em 2006, e o REsp 2.525, relatado pelo ministro Armando Rollemberg (falecido) em 1990. No primeiro desses dois casos, a dúvida sobre a base de cálculo estava entre o valor da arrematação e o valor da avaliação judicial prévia ao leilão.

“No caso concreto – de arrematação judicial do bem imóvel –, o tribunal a quo manifestou-se no sentido de que a base de cálculo do ITBI é o valor da avaliação judicial. Nos termos da jurisprudência supracitada, todavia, tal posicionamento não deve prevalecer, porquanto não há que se falar em registro da transmissão do imóvel quando da avaliação judicial”, explicou o ministro ao citar casos mais antigos, como o REsp 2.525 – o primeiro sobre o assunto.

Neste, o ministro Armando Rollemberg ratificou as razões apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), segundo as quais a arrematação é uma forma de venda que se processa judicialmente e permite a aquisição de imóveis por preço inferior ao da avaliação. O relator afirmou que o valor atribuído não é o valor alcançado na venda, e não há lógica jurídica que permita a prevalência do valor de avaliação para servir como base de cálculo do tributo.

Desde esse precedente, o STJ decide no sentido de considerar o valor da arrematação como base de cálculo do ITBI – entendimento confirmado, mais recentemente, no AgInt no AREsp 2.050.401, no AREsp 1.542.296 e no AREsp 1.425.219.

Ônus da prova para afastar imunidade tributária

Ao analisar o AREsp 444.193, a Segunda Turma ratificou o entendimento do tribunal segundo o qual, havendo dúvida sobre a real destinação do imóvel, para fins de aplicação da imunidade tributária, cabe à Fazenda Pública apresentar prova de que seu uso estaria desvinculado da finalidade religiosa.

No caso julgado, o fisco municipal questionou se alguns terrenos seriam mesmo para templos adventistas, buscando a cobrança do ITBI na transação. Isso ocorreu após a igreja adquirir imóveis no município e pleitear administrativamente a imunidade tributária.

Em primeira instância, o pedido da igreja foi julgado improcedente, ante a ausência de provas de utilização dos terrenos para a construção de templos. O tribunal estadual reformou a sentença, dando razão à instituição religiosa.

No STJ, o município questionou a decisão, sustentando que não havia provas do uso dos terrenos para a finalidade religiosa, razão pela qual seria devido o recolhimento de ITBI.

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, lembrou que havia presunção relativa de veracidade nas declarações da igreja. Assim, segundo ele, caberia à Fazenda Pública, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, apresentar prova de que os terrenos estariam desvinculados da destinação institucional.

O ministro citou precedentes do tribunal no mesmo sentido. Um deles, de 2007 (Ag 849.285), tratou de controvérsia similar com entidades que gozam de imunidade tributária, porém relacionada ao IPTU. Em qualquer caso, para o STJ, existindo alguma contestação sobre a utilização de imóveis por instituição beneficiada pela imunidade tributária, cabe ao fisco competente produzir a prova.

Alienação onerosa para coproprietário

No REsp 722.752, a Segunda Turma discutiu o caso de quatro coproprietários de seis imóveis urbanos, que extinguiram parcialmente a copropriedade para que cada um deles passasse a ser o único titular de um imóvel. Nessa situação, como ficaria o ITBI?

No recurso relatado pelo ministro Herman Benjamin, o colegiado deu razão ao fisco municipal, que pedia o recolhimento do tributo. Ele comentou que, ao contrário do que entendeu o tribunal estadual, não houve a mera dissolução do condomínio, já que cada coproprietário adquiriu dos demais os 75% do imóvel que não lhe pertenciam.

“O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis)”, explicou.

De acordo com o ministro, em razão do reconhecimento de que cada imóvel deve ser tributado de forma autônoma, o STF não permitiu que os municípios considerassem como uma universalidade todos os imóveis de um contribuinte, para fins de progressividade das alíquotas.

“Ora, se o município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade, para fins de cobrança do IPTU, não teria sentido admitir que o contribuinte possa fazê-lo, com o intuito de pagar menos ITBI”, disse o relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1937821AREsp 1760009AREsp 215273REsp 771781REsp 764808EREsp 1493162REsp 1175640REsp 1188655REsp 863893REsp 2525AREsp 2050401AREsp 1542296AREsp 1425219AREsp 444193Ag 849285REsp 722752

Fonte: STJ

17/10/2022

Ao dar parcial provimento ao recurso especial de uma empresa, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a transferência de imóvel pelo devedor à filha menor de idade – tornando-se insolvente – caracteriza fraude à execução, independentemente de haver execução pendente ou penhora averbada na matrícula imobiliária, ou mesmo prova de má-fé.

A controvérsia analisada pelo colegiado teve origem em ação ajuizada pela empresa para cobrar por serviços prestados. A fim de garantir a execução, o juízo determinou a penhora de um imóvel registrado no nome do devedor. Contra essa decisão, a filha menor do executado opôs embargos de terceiro, sob a alegação de que ela recebeu o imóvel como pagamento de pensão alimentícia, a partir de um acordo entre sua mãe e o devedor, homologado judicialmente.

Em primeiro grau, os embargos foram rejeitados, sob o entendimento de que a transferência do imóvel pelo devedor à filha caracterizou fraude à execução. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença por considerar que não teria havido fraude nem má-fé da embargante, tendo em vista a ausência de averbação da penhora ou da execução na matrícula do imóvel.

Falta de averbação da execução ou da penhora não impede reconhecimento da fraude

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que, para a jurisprudência, a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas requisito de eficácia perante terceiros. Por essa razão, o prévio registro da penhora gera presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação.

A magistrada também apontou que, por outro lado, de acordo com a jurisprudência do STJ, se o bem se sujeitar a registro, e a penhora ou a execução não tiver sido averbada, tal circunstância não impedirá o reconhecimento da fraude à execução, cabendo ao credor comprovar que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência.

Apesar disso, a relatora destacou que, no caso dos autos, não caberia à empresa comprovar a má-fé da embargante, pois o devedor transferiu seu patrimônio em favor de descendente menor, como maneira de fugir de sua responsabilidade perante os credores.

Blindar o patrimônio dentro da família evidencia má-fé do devedor

“Não há importância em indagar se o descendente conhecia ou não a penhora sobre o imóvel ou se estava ou não de má-fé. Isso porque o destaque é a má-fé do devedor que procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a transferência de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução”, declarou Nancy Andrighi.

Segundo a ministra, não reconhecer que a execução foi fraudada porque não houve registro de penhora ou da pendência de ação de execução, já que não se cogitou de má-fé da filha, “oportunizaria transferências a filhos menores, reduzindo o devedor à insolvência e impossibilitando a satisfação do crédito do exequente, que também age de boa-fé”, concluiu a relatora ao dar provimento ao recurso.

REsp 1.981.646

Fonte: STJ

13/10/2022

É possível, em acordo celebrado em ação de divórcio, dispor sobre a manutenção do ex-cônjuge como dependente em plano de saúde fechado, restrito a servidores públicos.

Esse foi o entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso do Estado da Bahia contra decisão monocrática do desembargador convocado Manoel Erhardt, que, reformando acórdão do tribunal de origem, determinou a reintegração da ex-esposa de um servidor ao plano de saúde gerido pela Secretaria de Administração estadual.

O recorrente sustentou que, ao se divorciar, a ex-esposa do servidor perdeu, automaticamente, a condição de dependência, uma vez que não haveria previsão legal que amparasse sua pretensão de permanecer assistida pelo plano de saúde dos servidores estaduais – tese acolhida pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) ao julgar a controvérsia.

O TJBA levou em consideração que o plano de saúde é fechado, “acessível apenas a uma categoria específica, qual seja, a dos servidores públicos estaduais em atividade e, consequentemente, seus dependentes”.

A assistência à saúde tem caráter alimentar

Relator do caso no STJ, Manoel Erhardt reafirmou as razões de sua decisão monocrática e foi acompanhado de forma unânime pela Primeira Turma. Ele recordou que a jurisprudência da corte considera não haver nenhuma ilegalidade no acordo de divórcio que estabelece a manutenção de ex-cônjuge no plano de saúde do outro, tendo em vista o caráter alimentar dessa prestação.

O magistrado mencionou como precedentes o RMS 43.662, da Quarta Turma, e o REsp 1.454.504, da Terceira Turma. No segundo, entendeu-se, inclusive, que o ônus da manutenção do ex-cônjuge será do titular, e não do órgão de saúde suplementar.

“A despeito das bem lançadas alegações da parte agravante [Estado da Bahia], razão não lhe assiste”, afirmou o relator.

RMS 67.430.

Fonte: STJ

12/10/2022

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou a sentença e o acórdão do tribunal local que concluíram pela extinção do processo ajuizado por dois irmãos consanguíneos com o objetivo de ver declarado o vínculo socioafetivo (colateral em segundo grau) entre eles e uma suposta irmã de criação, após o falecimento desta.

Para o colegiado, a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico, merecendo a apreciação do Poder Judiciário.

Na origem, o juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de que o pedido não teria amparo no ordenamento jurídico. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, por entender que a falecida não buscou ser reconhecida como filha dos pais dos autores da ação, o que impossibilitaria o reconhecimento de parentesco colateral socioafetivo unicamente para atribuir direitos sucessórios aos irmãos.

No recurso ao STJ, os irmãos alegaram que as instâncias ordinárias não observaram o disposto no artigo 1.593 do Código Civil (CC) e, com a extinção do processo, impediram a produção de provas que pudessem demonstrar a relação afetiva existente entre eles e a irmã de criação.

Possibilidade jurídica do pedido

O relator, ministro Marco Buzzi, ao dar provimento ao recurso especial, esclareceu que foi analisada apenas a questão referente à possibilidade jurídica do pedido, diante da sentença terminativa de primeiro grau, e não o mérito em si, que seria a própria declaração de fraternidade socioafetiva.

O ministro explicou que, ao contrário do entendimento do tribunal de origem sobre a ausência de uma das condições da ação – a possibilidade jurídica do pedido –, sua admissibilidade deve ser pautada na falta de vedação legal expressa e na compatibilidade, em tese, entre a pretensão dos autores e o ordenamento jurídico vigente.

“Afigura-se inviável supor que todas as demandas submetidas à apreciação do Poder Judiciário encontrem expressa previsão e permissão legal, autorizando-as de forma detalhada e específica”, disse o relator.

Interpretação ampla do conceito de família

O artigo 1.593 do CC, conforme entendimento firmado nos tribunais superiores, dá margem para uma interpretação ampla da expressão “outra origem”, observou Marco Buzzi. Conforme explicou, a atual concepção de família implica um conceito amplo.

“É possível, assim, compreender-se que a socioafetividade tem assento tanto na relação paterno-filial quanto no âmbito das relações mantidas entre irmãos, associada a outros critérios de determinação de parentesco”, declarou o ministro, acrescentando que não é essencial a prévia declaração judicial de filiação entre a falecida e os pais dos recorrentes.

Ao contrário, segundo o relator, justamente pela falta de reconhecimento do vínculo socioafetivo de primeiro grau é que se fez necessário o ajuizamento da ação. Quanto à eventual motivação exclusivamente patrimonial, ele disse que tal questão deverá ser analisada à luz das provas, mas isso não impede o ajuizamento da demanda.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

11/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual, nos casos de obrigação de trato sucessivo, podem incidir, no contexto da mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes: do Código Civil de 1916 e do Código Civil de 2002. Segundo o colegiado, nesses casos, os prazos são contados a partir de dois marcos temporais diferentes – a data de entrada em vigor do CC/2002 e a data do vencimento de cada prestação –, a depender do momento em que nasce cada pretensão, isoladamente considerada, tendo como referência a vigência do CC/2002.

Com esse entendimento, os ministros reformaram acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) em ação revisional ajuizada contra um banco, com pedido de devolução de valores cobrados indevidamente. A corte estadual considerou passíveis de revisão apenas os lançamentos realizados na conta-corrente nos últimos dez anos anteriores à propositura da ação cautelar de exibição de documentos (12 de junho de 2006), e considerou prescrita a revisão pedida entre 1994 e 1996.

Ao STJ, a autora da ação alegou, entre outros pontos, que o TJPR contou o prazo de prescrição de dez anos retroativamente, declarando a prescrição de fatos ocorridos sob a vigência do CC/1916.

Regra de transição do Código Civil de 2002

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que a regra de transição do artigo 2.028 do CC/2002 estabelece que incidem os prazos do CC/1916, quando reduzidos pelo CC/2002, se, na data da entrada em vigor deste (11 de janeiro de 2003), houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido naquele.

No entanto, afirmou, quando reduzidos os prazos de prescrição pelo CC/2002 e, na data da sua entrada em vigor, houver transcorrido menos da metade do prazo previsto no CC/1916, aplica-se o prazo previsto na lei nova, tendo o STJ decidido que, nessa hipótese, “o marco inicial de contagem é o dia 11 de janeiro de 2003, data de entrada em vigor do novo código, e não a data do fato gerador do direito”.

A magistrada lembrou que a pretensão de revisão de contrato bancário, relativa à obrigação de trato sucessivo, renova-se conforme a periodicidade em que o seu pagamento é devido e, por isso, prescreve a partir do vencimento de cada prestação.

Cálculo do prazo prescricional de obrigação sucessiva

A relatora verificou que a ação revisional diz respeito a lançamentos periodicamente realizados a partir de julho de 1994. Em 12 de junho de 2006, foi ajuizada a ação cautelar de exibição de documentos, que interrompeu a contagem do prazo prescricional. E, em 10 de agosto de 2010, foi ajuizada a revisional em análise.

Segundo a ministra, os lançamentos anteriores a 11 de janeiro de 2003 estavam sujeitos ao prazo prescricional de 20 anos (artigo 177 do CC/1916), o qual foi reduzido para dez anos pelo CC/2002 (artigo 205).

No caso, transcorreram menos de dez anos entre o primeiro lançamento – julho de 1994 – e a entrada em vigor do CC/2002, razão pela qual o prazo prescricional incidente, desde a vigência do CC/2002, é o de dez anos, contado de 11 de janeiro de 2003, a partir de cada lançamento.

Ao considerar a interrupção do prazo prescricional em 12 de junho de 2006 e o ajuizamento da ação em 10 de agosto de 2010, a ministra concluiu que o prazo prescricional para exercício da pretensão relativa aos lançamentos de julho de 1994 à data da vigência do CC/2002 foi reduzido para dez anos, a contar de 11 de janeiro de 2003, não estando, pois, caracterizada a prescrição. Nancy Andrighi ressaltou, também, que a pretensão relativa aos lançamentos ocorridos a partir de 11 de janeiro de 2003 está sujeita ao prazo de dez anos, a contar de cada operação, não estando, pois, prescrita.

REsp 2.001.617.

Fonte: STJ