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17/10/2022

Dois dos três principais tributos municipais têm incidência sobre imóveis: o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Juntamente com o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN, mais conhecido apenas como ISS), eles compõem grande parte das receitas próprias nos mais de 5.500 municípios brasileiros.

A previsão desses tributos está no artigo 156 da Constituição, mas, devido ao regulamento infraconstitucional, muitas controvérsias jurídicas envolvendo ITBI e IPTU são resolvidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A jurisprudência do STJ sobre esses tributos é o tema da reportagem especial em duas partes que começa a ser divulgada neste domingo.

Este primeiro texto apresenta julgados da corte sobre o ITBI. O imposto é antigo na literatura jurídica nacional: remonta a 1809, ainda na época do Império, com o chamado “imposto da sisa”. Desde 1891, possui previsão constitucional. É regulado, atualmente, pelos artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional (CTN).

Detalhe importante: as regras do CTN são da época em que o ITBI era de competência estadual, portanto, é preciso analisá-las em conjunto com o regramento constitucional vigente. Uma das principais controvérsias a respeito do tributo é a base de cálculo, já que esse parâmetro influencia o valor a ser pago.

Qual é o valor do imóvel?

Em fevereiro deste ano, a Primeira Seção estabeleceu importante definição a respeito do assunto ao julgar o Tema 1.113 dos recursos repetitivos (REsp 1.937.821). Para o colegiado, a base de cálculo do ITBI deve considerar o valor de mercado do imóvel individualmente determinado, afetado por fatores específicos como o estado de conservação.

A seção de direito público fixou três teses:

1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN);

3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

De acordo com o relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, a expressão “valor venal” contida no CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as compras e vendas.

Embora seja possível aferir um valor médio, a avaliação de cada imóvel possui especificidades, com oscilações positivas e negativas, que devem ser levadas em conta – lógica diferente, portanto, da estimativa feita para fins de IPTU.

“Cumpre salientar que a planta genérica de valores é estabelecida por lei em sentido estrito, para fins exclusivos de apuração da base de cálculo do IPTU, não podendo ser utilizada como critério objetivo para estabelecer a base de cálculo de outro tributo, o qual, pelo princípio da estrita legalidade, depende de lei específica”, complementou o relator.

Fato gerador é a efetiva transferência do imóvel

No AREsp 1.760.009, o STJ reafirmou o entendimento adotado pela corte após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1.124 da repercussão geral. Segundo esse entendimento, o fato gerador do ITBI somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro no cartório de imóveis.

No julgamento do recurso, em abril de 2022, a Segunda Turma do STJ acrescentou que, mesmo em caso de cisão de empresa com transmissão de imóvel do seu patrimônio, o fato gerador do ITBI é o registro da transferência do bem no cartório.

Nessa demanda, após a cisão de uma empresa em outras quatro, com a transferência de duas fazendas para uma delas, houve o recolhimento de ITBI para o município paulista de São Manuel, em 2012. Dois anos após o pagamento, o georreferenciamento na região constatou que as fazendas pertenciam a outro município do mesmo estado, Igaraçu do Tietê. Após nova transferência de propriedade, valores de ITBI foram pagos a este segundo município, em 2015.

A empresa requereu judicialmente a devolução de valores, alegando que o pagamento feito em 2012 ao município de São Manuel não era devido. O STJ deu razão à empresa, ao concluir que, de fato, a transferência só foi efetivada com o registro do imóvel em 2015, após o processo de georreferenciamento.

Nas palavras do relator, ministro Herman Benjamin: “O STJ entende que, mesmo em caso de cisão, o fato gerador do ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil, o que, no caso, ocorreu em 2015. Logo, não há como considerar como fato gerador da referida exação a data de constituição das empresas pelo registro de contrato social na Junta Comercial, ocorrido em 2012”.

O relator lembrou que, mesmo antes da decisão do STF, o STJ já havia adotado esse entendimento no AREsp 215.273, de 2012, e em julgados de 2007, como o REsp 771.781 e o REsp 764.808. “O fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento”, declarou Herman Benjamin no AREsp 215.273.

Devolução do imposto no negócio anulado

O STJ entende que, no caso de anulação da venda do imóvel, o valor pago a título de ITBI é passível de restituição. A discussão ocorreu no EREsp 1.493.162, relatado na Primeira Seção pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, hoje aposentado.

O negócio que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por sentença judicial transitada em julgado.

O fisco questionou decisão da Segunda Turma do STJ alegando que, mesmo na hipótese de anulação posterior do negócio, o imposto seria devido, e invocou como paradigma um acórdão divergente da Primeira Turma (REsp 1.175.640). Por unanimidade, a seção corroborou o acórdão da Segunda Turma e manteve a condenação imposta ao fisco de devolver o valor do ITBI.

De acordo com o relator, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que era nulo o negócio de compra e venda, não há fato gerador do imposto, nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição, e do artigo 35, incisos I, II e III, do CTN, “sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte”.

Valor de venda ou valor de arrematação?

A transferência de propriedade tributada pelo ITBI pode envolver imóvel arrematado em leilão judicial, o que trouxe para o STJ a discussão sobre a base de cálculo em tais hipóteses. No REsp 1.188.655, em 2010, a Primeira Turma debateu se a base de cálculo do imposto seria o valor da arrematação ou o valor de venda do imóvel – uma diferença significativa, tendo em vista que imóveis leiloados podem ser arrematados por preços bem inferiores aos de mercado.

O relator, ministro Luiz Fux (hoje no STF), destacou que, embora continuassem a chegar ao STJ recursos contra decisões que aceitavam o valor venal como base de cálculo, o entendimento do tribunal, desde 1990, apontava para o valor da arrematação judicial.

O ministro citou dois precedentes nos quais o assunto foi debatido com profundidade, o REsp 863.893, relatado pelo ministro Francisco Falcão em 2006, e o REsp 2.525, relatado pelo ministro Armando Rollemberg (falecido) em 1990. No primeiro desses dois casos, a dúvida sobre a base de cálculo estava entre o valor da arrematação e o valor da avaliação judicial prévia ao leilão.

“No caso concreto – de arrematação judicial do bem imóvel –, o tribunal a quo manifestou-se no sentido de que a base de cálculo do ITBI é o valor da avaliação judicial. Nos termos da jurisprudência supracitada, todavia, tal posicionamento não deve prevalecer, porquanto não há que se falar em registro da transmissão do imóvel quando da avaliação judicial”, explicou o ministro ao citar casos mais antigos, como o REsp 2.525 – o primeiro sobre o assunto.

Neste, o ministro Armando Rollemberg ratificou as razões apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), segundo as quais a arrematação é uma forma de venda que se processa judicialmente e permite a aquisição de imóveis por preço inferior ao da avaliação. O relator afirmou que o valor atribuído não é o valor alcançado na venda, e não há lógica jurídica que permita a prevalência do valor de avaliação para servir como base de cálculo do tributo.

Desde esse precedente, o STJ decide no sentido de considerar o valor da arrematação como base de cálculo do ITBI – entendimento confirmado, mais recentemente, no AgInt no AREsp 2.050.401, no AREsp 1.542.296 e no AREsp 1.425.219.

Ônus da prova para afastar imunidade tributária

Ao analisar o AREsp 444.193, a Segunda Turma ratificou o entendimento do tribunal segundo o qual, havendo dúvida sobre a real destinação do imóvel, para fins de aplicação da imunidade tributária, cabe à Fazenda Pública apresentar prova de que seu uso estaria desvinculado da finalidade religiosa.

No caso julgado, o fisco municipal questionou se alguns terrenos seriam mesmo para templos adventistas, buscando a cobrança do ITBI na transação. Isso ocorreu após a igreja adquirir imóveis no município e pleitear administrativamente a imunidade tributária.

Em primeira instância, o pedido da igreja foi julgado improcedente, ante a ausência de provas de utilização dos terrenos para a construção de templos. O tribunal estadual reformou a sentença, dando razão à instituição religiosa.

No STJ, o município questionou a decisão, sustentando que não havia provas do uso dos terrenos para a finalidade religiosa, razão pela qual seria devido o recolhimento de ITBI.

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, lembrou que havia presunção relativa de veracidade nas declarações da igreja. Assim, segundo ele, caberia à Fazenda Pública, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, apresentar prova de que os terrenos estariam desvinculados da destinação institucional.

O ministro citou precedentes do tribunal no mesmo sentido. Um deles, de 2007 (Ag 849.285), tratou de controvérsia similar com entidades que gozam de imunidade tributária, porém relacionada ao IPTU. Em qualquer caso, para o STJ, existindo alguma contestação sobre a utilização de imóveis por instituição beneficiada pela imunidade tributária, cabe ao fisco competente produzir a prova.

Alienação onerosa para coproprietário

No REsp 722.752, a Segunda Turma discutiu o caso de quatro coproprietários de seis imóveis urbanos, que extinguiram parcialmente a copropriedade para que cada um deles passasse a ser o único titular de um imóvel. Nessa situação, como ficaria o ITBI?

No recurso relatado pelo ministro Herman Benjamin, o colegiado deu razão ao fisco municipal, que pedia o recolhimento do tributo. Ele comentou que, ao contrário do que entendeu o tribunal estadual, não houve a mera dissolução do condomínio, já que cada coproprietário adquiriu dos demais os 75% do imóvel que não lhe pertenciam.

“O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou permuta (cessão de parcela de outros imóveis)”, explicou.

De acordo com o ministro, em razão do reconhecimento de que cada imóvel deve ser tributado de forma autônoma, o STF não permitiu que os municípios considerassem como uma universalidade todos os imóveis de um contribuinte, para fins de progressividade das alíquotas.

“Ora, se o município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade, para fins de cobrança do IPTU, não teria sentido admitir que o contribuinte possa fazê-lo, com o intuito de pagar menos ITBI”, disse o relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1937821AREsp 1760009AREsp 215273REsp 771781REsp 764808EREsp 1493162REsp 1175640REsp 1188655REsp 863893REsp 2525AREsp 2050401AREsp 1542296AREsp 1425219AREsp 444193Ag 849285REsp 722752

Fonte: STJ

17/10/2022

Ao dar parcial provimento ao recurso especial de uma empresa, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a transferência de imóvel pelo devedor à filha menor de idade – tornando-se insolvente – caracteriza fraude à execução, independentemente de haver execução pendente ou penhora averbada na matrícula imobiliária, ou mesmo prova de má-fé.

A controvérsia analisada pelo colegiado teve origem em ação ajuizada pela empresa para cobrar por serviços prestados. A fim de garantir a execução, o juízo determinou a penhora de um imóvel registrado no nome do devedor. Contra essa decisão, a filha menor do executado opôs embargos de terceiro, sob a alegação de que ela recebeu o imóvel como pagamento de pensão alimentícia, a partir de um acordo entre sua mãe e o devedor, homologado judicialmente.

Em primeiro grau, os embargos foram rejeitados, sob o entendimento de que a transferência do imóvel pelo devedor à filha caracterizou fraude à execução. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença por considerar que não teria havido fraude nem má-fé da embargante, tendo em vista a ausência de averbação da penhora ou da execução na matrícula do imóvel.

Falta de averbação da execução ou da penhora não impede reconhecimento da fraude

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que, para a jurisprudência, a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas requisito de eficácia perante terceiros. Por essa razão, o prévio registro da penhora gera presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação.

A magistrada também apontou que, por outro lado, de acordo com a jurisprudência do STJ, se o bem se sujeitar a registro, e a penhora ou a execução não tiver sido averbada, tal circunstância não impedirá o reconhecimento da fraude à execução, cabendo ao credor comprovar que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência.

Apesar disso, a relatora destacou que, no caso dos autos, não caberia à empresa comprovar a má-fé da embargante, pois o devedor transferiu seu patrimônio em favor de descendente menor, como maneira de fugir de sua responsabilidade perante os credores.

Blindar o patrimônio dentro da família evidencia má-fé do devedor

“Não há importância em indagar se o descendente conhecia ou não a penhora sobre o imóvel ou se estava ou não de má-fé. Isso porque o destaque é a má-fé do devedor que procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a transferência de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução”, declarou Nancy Andrighi.

Segundo a ministra, não reconhecer que a execução foi fraudada porque não houve registro de penhora ou da pendência de ação de execução, já que não se cogitou de má-fé da filha, “oportunizaria transferências a filhos menores, reduzindo o devedor à insolvência e impossibilitando a satisfação do crédito do exequente, que também age de boa-fé”, concluiu a relatora ao dar provimento ao recurso.

REsp 1.981.646

Fonte: STJ

13/10/2022

É possível, em acordo celebrado em ação de divórcio, dispor sobre a manutenção do ex-cônjuge como dependente em plano de saúde fechado, restrito a servidores públicos.

Esse foi o entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso do Estado da Bahia contra decisão monocrática do desembargador convocado Manoel Erhardt, que, reformando acórdão do tribunal de origem, determinou a reintegração da ex-esposa de um servidor ao plano de saúde gerido pela Secretaria de Administração estadual.

O recorrente sustentou que, ao se divorciar, a ex-esposa do servidor perdeu, automaticamente, a condição de dependência, uma vez que não haveria previsão legal que amparasse sua pretensão de permanecer assistida pelo plano de saúde dos servidores estaduais – tese acolhida pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) ao julgar a controvérsia.

O TJBA levou em consideração que o plano de saúde é fechado, “acessível apenas a uma categoria específica, qual seja, a dos servidores públicos estaduais em atividade e, consequentemente, seus dependentes”.

A assistência à saúde tem caráter alimentar

Relator do caso no STJ, Manoel Erhardt reafirmou as razões de sua decisão monocrática e foi acompanhado de forma unânime pela Primeira Turma. Ele recordou que a jurisprudência da corte considera não haver nenhuma ilegalidade no acordo de divórcio que estabelece a manutenção de ex-cônjuge no plano de saúde do outro, tendo em vista o caráter alimentar dessa prestação.

O magistrado mencionou como precedentes o RMS 43.662, da Quarta Turma, e o REsp 1.454.504, da Terceira Turma. No segundo, entendeu-se, inclusive, que o ônus da manutenção do ex-cônjuge será do titular, e não do órgão de saúde suplementar.

“A despeito das bem lançadas alegações da parte agravante [Estado da Bahia], razão não lhe assiste”, afirmou o relator.

RMS 67.430.

Fonte: STJ

12/10/2022

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou a sentença e o acórdão do tribunal local que concluíram pela extinção do processo ajuizado por dois irmãos consanguíneos com o objetivo de ver declarado o vínculo socioafetivo (colateral em segundo grau) entre eles e uma suposta irmã de criação, após o falecimento desta.

Para o colegiado, a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico, merecendo a apreciação do Poder Judiciário.

Na origem, o juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de que o pedido não teria amparo no ordenamento jurídico. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, por entender que a falecida não buscou ser reconhecida como filha dos pais dos autores da ação, o que impossibilitaria o reconhecimento de parentesco colateral socioafetivo unicamente para atribuir direitos sucessórios aos irmãos.

No recurso ao STJ, os irmãos alegaram que as instâncias ordinárias não observaram o disposto no artigo 1.593 do Código Civil (CC) e, com a extinção do processo, impediram a produção de provas que pudessem demonstrar a relação afetiva existente entre eles e a irmã de criação.

Possibilidade jurídica do pedido

O relator, ministro Marco Buzzi, ao dar provimento ao recurso especial, esclareceu que foi analisada apenas a questão referente à possibilidade jurídica do pedido, diante da sentença terminativa de primeiro grau, e não o mérito em si, que seria a própria declaração de fraternidade socioafetiva.

O ministro explicou que, ao contrário do entendimento do tribunal de origem sobre a ausência de uma das condições da ação – a possibilidade jurídica do pedido –, sua admissibilidade deve ser pautada na falta de vedação legal expressa e na compatibilidade, em tese, entre a pretensão dos autores e o ordenamento jurídico vigente.

“Afigura-se inviável supor que todas as demandas submetidas à apreciação do Poder Judiciário encontrem expressa previsão e permissão legal, autorizando-as de forma detalhada e específica”, disse o relator.

Interpretação ampla do conceito de família

O artigo 1.593 do CC, conforme entendimento firmado nos tribunais superiores, dá margem para uma interpretação ampla da expressão “outra origem”, observou Marco Buzzi. Conforme explicou, a atual concepção de família implica um conceito amplo.

“É possível, assim, compreender-se que a socioafetividade tem assento tanto na relação paterno-filial quanto no âmbito das relações mantidas entre irmãos, associada a outros critérios de determinação de parentesco”, declarou o ministro, acrescentando que não é essencial a prévia declaração judicial de filiação entre a falecida e os pais dos recorrentes.

Ao contrário, segundo o relator, justamente pela falta de reconhecimento do vínculo socioafetivo de primeiro grau é que se fez necessário o ajuizamento da ação. Quanto à eventual motivação exclusivamente patrimonial, ele disse que tal questão deverá ser analisada à luz das provas, mas isso não impede o ajuizamento da demanda.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

11/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual, nos casos de obrigação de trato sucessivo, podem incidir, no contexto da mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes: do Código Civil de 1916 e do Código Civil de 2002. Segundo o colegiado, nesses casos, os prazos são contados a partir de dois marcos temporais diferentes – a data de entrada em vigor do CC/2002 e a data do vencimento de cada prestação –, a depender do momento em que nasce cada pretensão, isoladamente considerada, tendo como referência a vigência do CC/2002.

Com esse entendimento, os ministros reformaram acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) em ação revisional ajuizada contra um banco, com pedido de devolução de valores cobrados indevidamente. A corte estadual considerou passíveis de revisão apenas os lançamentos realizados na conta-corrente nos últimos dez anos anteriores à propositura da ação cautelar de exibição de documentos (12 de junho de 2006), e considerou prescrita a revisão pedida entre 1994 e 1996.

Ao STJ, a autora da ação alegou, entre outros pontos, que o TJPR contou o prazo de prescrição de dez anos retroativamente, declarando a prescrição de fatos ocorridos sob a vigência do CC/1916.

Regra de transição do Código Civil de 2002

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que a regra de transição do artigo 2.028 do CC/2002 estabelece que incidem os prazos do CC/1916, quando reduzidos pelo CC/2002, se, na data da entrada em vigor deste (11 de janeiro de 2003), houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido naquele.

No entanto, afirmou, quando reduzidos os prazos de prescrição pelo CC/2002 e, na data da sua entrada em vigor, houver transcorrido menos da metade do prazo previsto no CC/1916, aplica-se o prazo previsto na lei nova, tendo o STJ decidido que, nessa hipótese, “o marco inicial de contagem é o dia 11 de janeiro de 2003, data de entrada em vigor do novo código, e não a data do fato gerador do direito”.

A magistrada lembrou que a pretensão de revisão de contrato bancário, relativa à obrigação de trato sucessivo, renova-se conforme a periodicidade em que o seu pagamento é devido e, por isso, prescreve a partir do vencimento de cada prestação.

Cálculo do prazo prescricional de obrigação sucessiva

A relatora verificou que a ação revisional diz respeito a lançamentos periodicamente realizados a partir de julho de 1994. Em 12 de junho de 2006, foi ajuizada a ação cautelar de exibição de documentos, que interrompeu a contagem do prazo prescricional. E, em 10 de agosto de 2010, foi ajuizada a revisional em análise.

Segundo a ministra, os lançamentos anteriores a 11 de janeiro de 2003 estavam sujeitos ao prazo prescricional de 20 anos (artigo 177 do CC/1916), o qual foi reduzido para dez anos pelo CC/2002 (artigo 205).

No caso, transcorreram menos de dez anos entre o primeiro lançamento – julho de 1994 – e a entrada em vigor do CC/2002, razão pela qual o prazo prescricional incidente, desde a vigência do CC/2002, é o de dez anos, contado de 11 de janeiro de 2003, a partir de cada lançamento.

Ao considerar a interrupção do prazo prescricional em 12 de junho de 2006 e o ajuizamento da ação em 10 de agosto de 2010, a ministra concluiu que o prazo prescricional para exercício da pretensão relativa aos lançamentos de julho de 1994 à data da vigência do CC/2002 foi reduzido para dez anos, a contar de 11 de janeiro de 2003, não estando, pois, caracterizada a prescrição. Nancy Andrighi ressaltou, também, que a pretensão relativa aos lançamentos ocorridos a partir de 11 de janeiro de 2003 está sujeita ao prazo de dez anos, a contar de cada operação, não estando, pois, prescrita.

REsp 2.001.617.

Fonte: STJ

10/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma seguradora deverá indenizar a beneficiária por sinistro que ocorreu durante o efeito de decisão judicial provisória que prorrogava a vigência do contrato de seguro de vida em grupo, a qual foi posteriormente revogada. Para o colegiado, os efeitos retroativos da revogação da liminar deveriam ter atingido todas as partes, de modo a evitar que uma tivesse vantagem sobre a outra, mas não foi isso o que se verificou no caso.

A beneficiária da apólice de seguro de vida ajuizou ação com o objetivo de receber indenização após o falecimento da segurada, sua mãe. Ela explicou que, embora a apólice tenha sido rescindida unilateralmente pela seguradora, a vigência contratual foi prorrogada por decisão judicial provisória, e os valores referentes ao prêmio continuaram a ser pagos mensalmente.

O juiz, entendendo que o sinistro ocorreu durante a vigência do contrato – ainda que precária –, julgou o pedido procedente e condenou a ré a pagar a indenização. O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, reformou a decisão, sob o fundamento de que os efeitos da liminar não mais subsistiriam, aplicando, por analogia, a Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Pagamento das mensalidades foi ininterrupto na vigência da liminar

No recurso ao STJ, a beneficiária alegou que a seguradora cobrou e recebeu os valores do prêmio todos os meses, de maneira ininterrupta, desde o dia da contratação até a morte da segurada.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que a discussão sobre a possibilidade de rescisão unilateral do contrato por parte da seguradora foi travada em outra ação judicial. O caso em julgamento – acrescentou – diz respeito aos efeitos da decisão provisória proferida naquele processo.

O ministro observou que as obrigações mantidas durante a vigência de tutela antecipada não podem ter caráter definitivo, e os eventuais benefícios recebidos não devem ser incorporados definitivamente ao patrimônio das partes.

“Efetivamente, quanto ao deferimento de tutelas de urgência, cabe assinalar que esses provimentos judiciais possuem natureza precária, de modo que, cassada a decisão, os efeitos retroagem, desconstituindo a situação conferida de forma provisória”, disse o relator.

Revogação da decisão provisória deve recolocar as partes no estado inicial

Cueva destacou que, após a revogação da liminar, não houve o retorno das partes ao estado em que se encontravam no momento da rescisão contratual pela seguradora.

Para o relator, já que os valores dos prêmios foram recolhidos por mais de dez anos e incorporados ao patrimônio da seguradora, sem a devida restituição após a cassação da liminar, as obrigações decorrentes da apólice devem ser cumpridas, sob pena de enriquecimento sem causa da companhia.

“Como a quantia não foi devolvida após a revogação da decisão provisória, a seguradora assumiu o risco de aperfeiçoamento do contrato, ou seja, considerou válida a vigência da apólice”, concluiu o ministro.

REsp 1.799.169.

Fonte: STJ

10/10/2022

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), se a assembleia geral de credores rejeitar a proposta de alienação de ativo, o juiz da falência poderá, após ouvir o administrador judicial e o comitê de credores, autorizar uma modalidade alternativa para a venda do bem – caso exista, nos termos do artigo 145, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005 (com a redação anterior à Lei 14.112/2020).

Com a fixação desse entendimento, o colegiado reformou acórdão do tribunal de origem que, em razão da rejeição da proposta pela assembleia de credores, considerou que o juiz não poderia ter autorizado proposta alternativa para a venda de um lote de ações no âmbito de processo de falência.

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, apontou ser necessário, no caso dos autos, analisar as disposições da Lei 11.101/2005 sem as alterações trazidas pela Lei 14.112/2020, tendo em vista que a publicação das decisões nas instâncias de origem ocorreu antes da atualização da legislação que disciplina a recuperação judicial e a falência de sociedades empresárias.

Modalidades ordinárias são previstas pelo artigo 142 da Lei 11.101/2005

Segundo ministro, a alienação de bens da massa falida deve ocorrer por uma das modalidades previstas no artigo 142 da Lei 11.101/2005: leilão, por lances orais; propostas fechadas; e pregão.

“Observa-se que as modalidades ordinárias de alienação do ativo, por sua própria natureza, proporcionam competitividade de propostas entre os interessados, de forma a obter o melhor preço na alienação dos bens e, consequentemente, realizar negócios jurídicos mais benéficos à massa falida, além de reduzir a possibilidade de fraudes e conluios”, anotou o relator.

Apesar de considerar que a transparência e a concorrência teriam mais garantia com a adoção de uma das modalidades ordinárias, Antonio Carlos Ferreira entendeu que, em alguns casos, pode ser necessário flexibilizar o procedimento, como forma de possibilitar a alienação do bem.

Por esse motivo, o relator apontou que os artigos 144 e 145 da Lei 11.101/2005 preveem a possibilidade de adoção excepcional de modalidade de alienação diversa daquelas estabelecidas no artigo 142, desde que existam razões justificadas para afastar a incidência de uma das modalidades ordinárias.

Juiz agiu em conformidade com o artigo 145 da Lei de Falência

Segundo o ministro, é atribuição da assembleia geral de credores optar por modalidade alternativa de realização do ativo, sendo de competência do juiz a convocação da assembleia.

“Encaminhada à assembleia geral de credores a análise da modalidade alternativa de alienação do ativo, desde que aprovada por dois terços dos credores presentes na assembleia (artigo 46 da Lei de Falência), será homologada pelo juiz, que somente examinará a proposta sob o prisma da legalidade, nos termos do artigo 145, caput“, afirmou.

No caso dos autos, Antonio Carlos Ferreira comentou que não houve aprovação de modalidade alternativa pela assembleia, sendo que, dos 15 credores presentes, nove rejeitaram a proposta, enquanto seis se abstiveram de votar.

Em razão desse quadro, o juiz da falência, após pareceres favoráveis do Ministério Público e do administrador judicial, autorizou o administrador a firmar o acordo oferecido à massa falida. Para o relator, o juiz, nessa hipótese, agiu em conformidade com a regra prevista pelo artigo 145, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005.

“De fato, se a intenção normativa fosse condicionar a decisão do juiz ao resultado da assembleia geral, o comando do parágrafo terceiro deveria ser explícito nesse sentido. A contrario sensu, não existindo proibição legal de o magistrado adotar modalidade alternativa excluída pelo colegiado de credores – em verdade, há norma expressa autorizando-o a decidir –, a melhor interpretação é aquela que lhe confere essa prerrogativa”, definiu o relator.

Ao dar provimento ao recurso especial e determinar novo julgamento do caso pelo tribunal de origem, o ministro ressaltou que, com as alterações introduzidas pela Lei 14.112/2020, a possibilidade de o juiz decidir por modalidade alternativa de venda do ativo foi incluída no artigo 142, inciso V, e no parágrafo 3-B, inciso III, do mesmo artigo.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Para implementar o filtro da relevância no julgamento de recursos especiais, o Superior Tribunal de Justiça deve tomar como inspiração a experiência do Supremo Tribunal Federal com a repercussão geral. A tendência é que as decisões sob esse novo rito tenham caráter vinculante e absorvam os julgamentos de recursos repetitivos.

10 de outubro de 2022

Filtro da relevância para julgamento do recurso especial no STJ foi criado neste ano
Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Essa é a interpretação feita por membros do STJ dois meses após a promulgação da Emenda Constitucional 125/2022. A norma determina que os recorrentes demonstrem a relevância das questões de Direito federal infraconstitucional como requisito para admissão dos recursos especiais.

O filtro da relevância tem inspiração justamente na repercussão geral, criada na reforma do Judiciário de 2004 e responsável por racionalizar o trabalho do STF. Desde sua implementação, em 2007, o número de recursos em tramitação na corte caiu de 120 mil naquele ano para meros 13 mil em 2022.

No Supremo, a definição do que é, de fato, merecedor de repercussão geral foi construída a cada caso apreciado. A lei se limita a prever que a ação trate de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”, conforme o artigo 1.035 do Código de Processo Civil.

Os casos em que a repercussão geral é reconhecida são separados e enumerados em temas. Os julgamentos são feitos pelo Plenário e geram uma tese jurídica, que tem observância obrigatória pelas demais instâncias. Os processos são amplamente debatidos, admitem audiência pública e intervenção de amici curiae (amigos da corte).

No STF, repercussão geral racionalizou trabalho e derrubou tramitação em 80%
Foto: Nélson Jr. (SCO/STF)

Modelo pronto
Para o ministro Mauro Campbell, a coerência sistêmica presente na legislação permite afirmar, em princípio, que a repercussão geral será um modelo a ser seguido pelo STJ quando chegar a hora de colocar em prática o filtro da relevância. Sua forma de implementação deve ser definida por meio de lei ordinária.

“Evidentemente, o legislador pode apresentar solução diversa. Entretanto, penso eu que toda a comunidade jurídica e o próprio STJ ganhariam diante da possibilidade de uso da experiência exitosa do STF nesses 15 anos, inclusive evitando erros e a aproveitando os acertos da gestão da repercussão geral”, afirmou o magistrado em um evento sobre o tema.

“Penso que a nossa tendência é espelhar a experiência do STF no tratamento da repercussão geral”, concordou o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, chamando a atenção para o uso do sistema virtual de votação nos julgamentos sobre a admissibilidade dos temas, o que poderá ser replicado no STJ.

A EC 125/2022 fixou que, para que seja negada a tramitação pelo critério da relevância, será necessária a manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento no STJ — ainda não se sabe se isso caberá às turmas de julgamento (órgão fracionário) ou às seções (órgão uniformizador).

O critério da relevância será analisado apenas nos casos em que ela não for presumida. A emenda traz cinco hipóteses de admissão automática dos recursos: ações penais; de improbidade administrativa; cujo valor ultrapasse 500 salários mínimos; que possam gerar inelegibilidade; e que contrariem jurisprudência do STJ.

Para Mauro Campbell, comunidade jurídica e STJ ganhariam usando experiência do STF
Rafael Luz

Absorção dos repetitivos
A emenda também prevê que outras hipóteses de relevância presumida podem ser acrescentadas por lei. Uma delas, já cogitada pelos ministros, envolve as ações coletivas, que cresceram em importância após o CPC de 2015 e por razões de política judiciária.

Para o ministro Sanseverino, isso causará profundo impacto no julgamento de recursos repetitivos, que hoje são o principal instrumento de uniformização de interpretação da lei federal.

“Como um número de casos da relevância vai ser relacionado a demandas repetitivas, a tendência é que a relevância acabe absorvendo o recurso especial repetitivo. Claro, vamos ter a relevância não só nas demandas repetitivas, mas penso que essa é uma tendência.”

Isso foi, inclusive, o que aconteceu com o Supremo Tribunal Federal, para o qual existe a previsão do recurso extraordinário repetitivo. “Ele está previsto no CPC, mas ninguém fala sobre. A repercussão geral absorveu toda essa dinâmica”, explicou Sanseverino.

Criados pela Lei 11.672/2008, os repetitivos permitiram ao STJ afetar mais de mil temas e fixar teses vinculantes de amplo impacto. Apesar disso, eles não tiveram o efeito esperado, pois foram incapazes de fornecer pacificação social e não resolveram o problema do excessivo número de processos recebidos pelo STJ.

A consequência é que, 14 anos depois, a corte de uniformização do Direito federal ainda se dedica a julgar casos sobre guarda compartilhada de animais de estimação ou Habeas Corpus impetrados em favor de animais de zoológico.

“Não foi para isso que esse tribunal foi instalado. E daí o sistema judiciário nacional vem adoecendo em proporções galopantes”, criticou o ministro Mauro Campbell.

Para Sanseverino, tendência é relevância absorver casos de recursos repetitivos
Gustavo Lima/STJ

Efeito vinculante
Se os julgamentos pelo critério da relevância têm o objetivo de racionalizar o trabalho do STJ e permitir que ele se torne, finalmente, uma corte de fixação de teses e de uniformização, então a consequência mais direta do seu uso será conferir a esses casos a vinculação que o sistema de precedentes em formação no Brasil exige.

“Isso para mim é o mais importante: saber que, na medida em que a seção respectiva declarar a relevância naquele feito, e o mérito recursal for enfrentado, com a tese, obviamente estaremos a fotografar a figura do artigo 927 do CPC, a dar uma vinculação desse precedente”, disse o ministro Campbell.

A norma citada lista as hipóteses em que os juízes e tribunais deverão observar decisões da instância especial. Entre elas, estão acórdãos em incidentes de assunção de competência, recursos especiais repetitivos e os enunciados das súmulas do STJ.

“A partir do momento em que começarmos a estabelecer teses jurídicas sobre os referidos temas no mérito, ao menos em linha de principio, iremos, sim, formar precedentes vinculantes que impedirão o rejulgamento da mesma matéria, salvo hipótese de overruling ou distinghuising“, reforçou o ministro Campbell.

“Como corte de precedentes, a perspectiva é, exatamente na mesma linha do que já temos com os repetitivos, termos precedentes com maior força vinculativa e também mais qualidade. E aí vamos ter de usar mais a técnica da audiência pública, abrir mais para amici curiae“, disse o ministro Sanseverino.

2ª Seção só fixa teses quando a matéria já foi debatida e amadurecida pelas 3ª e 4ª Turmas

Adaptação
Esse cenário deve obrigar o STJ a fazer algumas adaptações relevantes na forma como trabalha. Uma delas, destacada pelo advogado Omar Paixão Cortes, será apreciar temas de relevância reconhecida e fixar teses antes mesmo de formar precedentes.

Há na corte alguns colegiados que repudiam essa prática. A 2ª Seção é o melhor exemplo: nela, a fixação de teses por repetitivos só é analisada depois que a discussão jurídica já foi devidamente enfrentada e amadurecida em julgamentos de casos concretos na 3ª e na 4ª Turmas.

“No STF, com essa utilização casada, a repercussão geral funciona quase como incidente de assunção de competência: julga-se para evitar a propagação de processos e de decisões. Muitas vezes, o Supremo julga para decidir se tem repercussão geral sem ter apreciado a matéria afetada”, disse Cortes.

Já o advogado Georges Abboud, um dos organizadores do evento na sede do STJ que discutiu a arguição de relevância no recurso especial, destacou o potencial impacto da instituição desse novo filtro.

“A mudança é relevante, a legislação que virá será relevante, mas nada é mais relevante do que a jurisprudência que será consolidada. O desenho da relevância e sua funcionalidade vão demandar atualização constante de uma jurisprudência que será formada pelo STJ.”

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2022, 8h47

07/10/2022

Por maioria, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a fixação de sanções penais atípicas no âmbito de um acordo de colaboração premiada.

Com a decisão, o colegiado devolveu o processo para que a relatora, ministra Nancy Andrighi, analise novamente a homologação da proposta de acordo, ponderando a extensão dos benefícios pactuados – que incluem o cumprimento da pena em regime domiciliar – frente à gravidade do fato criminoso e à eficácia da colaboração.

Inicialmente, a homologação foi negada pela ministra, sob o fundamento de que o acordo, ao prever o recolhimento domiciliar como regime de cumprimento de pena, feriu a regra do artigo 4º, parágrafo 7º, inciso II, da Lei 12.850/2013, com a redação dada pelo Pacote Anticrime, de 2019.

Ao analisar o agravo regimental contra a decisão da relatora, o ministro Og Fernandes, cujo voto prevaleceu na Corte Especial, afirmou que o tema é polêmico e que, nesse debate, a autonomia da vontade das partes – no caso, o colaborador e o Ministério Público – adquire especial relevo.

“Deve ser superada a tradicional visão de que, por tratar de interesses indisponíveis, o processo penal encontra-se imune à autonomia privada da vontade”, comentou o ministro.

Princípio da legalidade é uma garantia a favor do acusado

Og Fernandes lembrou que a Constituição de 1988, ao prever a criação dos juizados especiais criminais com a expressa admissão da transação penal, chancelou a viabilidade do modelo consensual de justiça, ratificado diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao discutir o tema.

O ministro explicou que isso não significa liberdade absoluta às partes, pois, como já apontado pelo STF, a discricionariedade para a celebração do acordo é balizada pelas leis e pela Constituição. No entanto, ele criticou o argumento de que essa discricionariedade regrada dos órgãos de persecução penal seja um impedimento à negociação de sanções penais atípicas, mais favoráveis ao réu do que aquelas previstas na legislação, por supostamente violarem o princípio da legalidade penal estrita.

“O princípio da legalidade é uma garantia constitucional que milita em favor do acusado frente ao poder de punir do Estado, não podendo ser usado para prejudicá-lo, sob pena de inversão da lógica dos direitos fundamentais”, afirmou Og Fernandes. “Por isso, não há vedação ao emprego de analogia in bonam partem no campo criminal” – acrescentou, lembrando que o STJ tem um “sólido histórico” dessa forma de interpretação favorável ao réu, como no reconhecimento da remissão da pena pelo estudo.

Lei admite benefícios ainda maiores que o regime domiciliar

Para o ministro, a objeção principal à fixação de sanções atípicas nos acordos de colaboração, na verdade, nem é uma suposta violação do princípio da legalidade penal, mas a ideia de que o colaborador, por ser um criminoso, não poderia gozar de benefícios não previstos em lei.

“Essa ideia, no entanto, me parece equivocada”, disse, ressaltando que “o próprio legislador autorizou a fixação de benefícios mais amplos, ao estabelecer que o juiz poderá conceder perdão judicial ou substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos”.

“Ora, se é possível extinguir a punibilidade dos crimes praticados pelo colaborador (perdão judicial) ou isentá-lo de prisão (substituição da pena), com mais razão seria possível aplicar-lhe pena privativa de liberdade com regime de cumprimento mais benéfico”, concluiu. O magistrado recordou, ainda, que o próprio STF já homologou vários acordos com a previsão de benefícios atípicos.

Avaliação dos termos do acordo deve buscar o equilíbrio

Para Og Fernandes, há um equilíbrio a ser alcançado: “O sistema deve ser atrativo ao agente, a ponto de estimulá-lo a abandonar as atividades criminosas e a colaborar com a persecução penal. Ao mesmo tempo, deve evitar o comprometimento do senso comum de justiça ao transmitir à sociedade a mensagem de que é possível ao criminoso escapar da punição, ‘comprando’ sua liberdade com informações de duvidoso benefício ao resultado útil do processo penal”.

No voto, acompanhado pela maioria dos membros da Corte Especial, o ministro afirmou que a melhor solução é sopesar os benefícios acordados – mesmo os atípicos – em vista da gravidade dos fatos e da eficácia da colaboração.

“Entendo que não há invalidade, em abstrato, na fixação de sanções penais atípicas, desde que não haja violação à Constituição da República ou ao ordenamento jurídico, bem como à moral e à ordem pública”, declarou.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

06/10/2022

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, havendo norma condominial que determine a utilização do imóvel exclusivamente no sistema de pool hoteleiro, o proprietário não tem o direito de denunciar o contrato de administração imobiliária para gerir sua unidade individualmente, desvinculando-se do empreendimento coletivo.

De acordo com o colegiado, deve ser respeitada a obrigatoriedade de participação no pool hoteleiro prevista na convenção condominial instituída pela incorporadora.

Na origem do caso, a empresa responsável pela administração do condomínio ajuizou ação de consignação em pagamento para depósito dos rendimentos mensais de três apartamentos em um condomínio-hotel situado em São Paulo. Paralelamente à contestação, a empresa proprietária das unidades propôs ação em que pediu a declaração do término da vigência do contrato de sociedade em conta de participação, o recebimento dos aluguéis e a restituição dos imóveis.

A primeira instância julgou procedente apenas o pedido de consignação em pagamento e fixou honorários advocatícios por equidade. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão.

Insatisfeitas, ambas as partes recorreram ao STJ. A proprietária dos imóveis insistiu na restituição das unidades, enquanto a administradora, que teve seu pleito atendido na origem, requereu que os honorários advocatícios fossem fixados com base no percentual de 10% a 20% sobre o valor atualizado da causa, acrescidos de verba honorária recursal.

Convenção condominial determinou finalidade e administração exclusivas

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que o pool hoteleiro corresponde a uma associação entre os titulares das unidades e uma empresa de administração hoteleira que disponibiliza os apartamentos para locação a terceiros. Nesse caso, “há a constituição de sociedade em conta de participação, na qual a empresa responsável pela administração e gestão hoteleira figura como sócia ostensiva e os titulares das unidades autônomas como sócios participantes”.

Cueva destacou que a convenção condominial, que instituiu a finalidade do empreendimento como sendo um condomínio-hotel, impôs o sistema pool hoteleiro a partir da prévia incorporação imobiliária. Segundo observou o ministro, também está estipulado na convenção que cabe apenas a uma sociedade empresária a gestão das unidades, não se admitindo outras empresas, o chamado pool paralelo.

O magistrado ressaltou que o instrumento de administração imobiliária possui natureza coletiva, e permitir a retirada de apenas um titular do contrato ensejaria prejuízo aos demais.

 “Com isso, é obrigação do condômino permanecer vinculado ao sistema do pool hoteleiro, sem se opor à gerência exclusiva do empreendimento pela administradora”, destacou o ministro ao julgar inválida a declaração de término da vigência do contrato de sociedade em conta de participação.

“Além disso, cada unidade autônoma deve ser utilizada com o objetivo único de exploração hoteleira, vedado o seu uso para outra finalidade ou fora do pool estatuído pelo condomínio”, afirmou.

Fixação dos honorários advocatícios

Quanto aos honorários advocatícios, o relator destacou que, no caso, eles deveriam ter sido fixados a partir do valor da causa e obedecendo aos limites impostos pelos parágrafos 2º e 6º do artigo 85 do Código de Processo Civil. Conforme explicou, tais dispositivos devem ser aplicados, inclusive, nas decisões de improcedência e quando houver julgamento sem resolução do mérito.

O ministro lembrou que o REsp 1.746.072, julgado pela Segunda Seção do STJ, constituiu como regra geral e de aplicação obrigatória o disposto no parágrafo 2º: 10% a 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa.

Dessa forma, a verba honorária foi fixada em 10% do valor atualizado da causa na ação consignatória e na de resolução contratual, acrescida de 2% a título de honorários recursais.

REsp 1.993.893.

Fonte: STJ