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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a empresa estipulante do contrato de seguro de vida coletivo tem legitimidade para ajuizar ação contra a seguradora em defesa do cumprimento das obrigações pactuadas.

23/02/2023

No caso dos autos, a estipulante ajuizou ação para cobrar a indenização securitária que a seguradora teria se negado a pagar sob a alegação de que o segurado falecido tinha mais de 65 anos, idade não abrangida pelo contrato coletivo.

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, por entender que a estipulante não possuía legitimidade ativa. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu parcial provimento à apelação da estipulante e reverteu esse entendimento.

Ao STJ, a seguradora sustentou que a estipulante não tem legitimidade para exigir judicialmente o pagamento do seguro de vida em grupo, pois atua somente como mandatária dos segurados.

Estipulante pagou para obter o benefício securitário para terceiros

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que, segundo a jurisprudência do STJ, a estipulante age apenas como interveniente, na condição de mandatária do segurado, agilizando o procedimento de contratação do seguro. Por isso, segundo a magistrada, o STJ entende que a estipulante não tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação que visa o pagamento de indenização securitária.

No entanto, a ministra destacou que a situação é diferente quando se trata de legitimidade ativa, pois, na estipulação em favor de terceiros, tanto a estipulante quanto os beneficiários podem exigir do prestador de serviço o cumprimento da obrigação (artigo 436, parágrafo único, do Código Civil).

Dessa forma, Nancy Andrighi concluiu que deve ser reconhecida a legitimidade da estipulante, até porque ela pagou para beneficiar terceiros, e o eventual descumprimento de obrigações contratuais pela seguradora lhe traz prejuízos.

“Apesar de, em princípio, a estipulante não possuir legitimidade passiva em ações nas quais pleiteia-se o pagamento de indenizações securitárias, em se tratando de ação que questiona o cumprimento das obrigações firmadas entre as partes contratantes, merece ser reconhecida a legitimidade ativa da mandatária”, declarou a relatora ao negar provimento ao recurso especial.

REsp 2.004.461.

Fonte: STJ

No julgamento, aplicando o princípio da especialidade, a Terceira Turma afastou a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 402 do Código Civil.

Postado em 15 de Fevereiro de 2023

No sistema de financiamento de imóvel com alienação fiduciária, caso o comprador inadimplente permaneça no local mesmo após a consolidação da propriedade em favor do credor, este tem direito à taxa pela ocupação indevida, a qual é fixada em 1% ao mês ou fração sobre o valor atualizado do bem, nos termos do artigo 37-A da Lei 9.514/1997, e não admite redução pelo Judiciário.

O entendimento foi estabelecido por maioria de votos pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que havia reduzido a taxa de ocupação para 0,5%, por considerar que, no caso dos autos, o percentual de 1% colocaria o consumidor em condição de excessiva onerosidade.

No julgamento, aplicando o princípio da especialidade, a Terceira Turma afastou a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 402 do Código Civil.

De acordo com os autos, após tentativa frustrada de anulação do contrato pelos compradores, a propriedade do bem foi consolidada em nome da construtora. Apesar da decisão judicial desfavorável, os compradores permaneceram na posse do bem durante mais de um ano e meio. Em razão do tempo de permanência no imóvel, o juiz de primeiro grau fixou a taxa de ocupação em 0,5% – sentença mantida pelo TJDFT

Conflito aparente de normas deve ser resolvido com base no critério da especialidade

No voto que prevaleceu na Terceira Turma do STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que, embora o voto condutor tenha analisado a controvérsia a partir do artigo 402 do Código Civil, a questão sobre as consequências da ocupação indevida de imóvel pelo devedor fiduciante está regulada especificamente pelo artigo 37-A da Lei 9.514/1997, com redação dada pela Lei 13.465/2017.

Segundo o ministro, havendo mais de uma norma que, em tese, incida sobre o mesmo fato jurídico, é necessário considerar os critérios de especialidade e de cronologia estabelecidos pelo artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.  

“A partir desses parâmetros, é pacífica na jurisprudência desta corte a compreensão de que, em face de uma (aparente) antinomia normativa, a existência de lei posterior e especial regendo o tema determina a norma aplicável à hipótese concreta”, afirmou.

O ministro também citou jurisprudência do STJ no sentido de que, na hipótese dos autos, também não são aplicáveis as regras do CDC, exatamente em razão do critério da especialidade das normas. Como consequência, ele considerou plenamente aplicável o artigo 37-A da Lei 9.514/1997, de forma a autorizar a incidência da taxa de ocupação no percentual de 1% sobre o valor atualizado do imóvel.

Fonte: STJ

13/02/2023

Disciplinado, em especial, nos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal (CPP), o inquérito policial tem por finalidade subsidiar o oferecimento da denúncia ou da queixa pelo titular da ação penal e tem sido classificado como peça de natureza administrativa.

Em que pese essa classificação, os procedimentos realizados no inquérito costumam receber bastante atenção, visto que o delegado de polícia está mais próximo ao ambiente do delito, o que, consequentemente, facilita a resolução dos crimes.

Criado em 1871, enquanto ainda vigorava o regime imperial, o inquérito policial passou por intensas transformações ao longo do tempo, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual concebeu nova face ao direito penal e processual penal, à luz da dignidade da pessoa humana e do respeito aos direitos e às garantias fundamentais.

Com isso, o controle judicial da etapa investigativa passou a considerar todas essas evoluções históricas, sociais e políticas. Duração do procedimento, relevância desse instrumento para a apresentação da denúncia e validade da pronúncia feita apenas com base no inquérito são alguns dos temas já analisados pelo STJ.

Denúncia anônima exige verificação prévia

Ao julgar o RHC 139.242, a Quinta Turma determinou o trancamento de inquérito policial que apurava suposto esquema de pirâmide financeira, por entender que houve ilegalidade na instauração do procedimento exclusivamente com base em denúncia anônima.

“É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a narrativa fática da delação apócrifa”, afirmou o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

O tribunal tem vários precedentes na mesma linha – que também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). No HC 496.100, julgado pela Sexta Turma, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que “investigações iniciadas por delação anônima são admissíveis, desde que a narrativa apócrifa se revista de credibilidade e, em diligências prévias, sejam coletados elementos de informação que atestem sua verossimilhança”. Segundo o magistrado, ao receber uma denúncia anônima, a polícia não pode instaurar inquérito para averiguar sua veracidade.

“O que a denúncia anônima possibilita é a averiguação prévia e simples do que fora noticiado anonimamente e, havendo elementos informativos idôneos o suficiente, aí, sim, é viável a instauração de inquérito e, conforme o caso, a tomada de medidas extremas, como, por exemplo, a quebra de sigilo telefônico”, disse o magistrado.

Razoável duração do inquérito policial

No HC 653.299, a Sexta Turma do STJ decidiu pelo trancamento de inquérito policial que já perdurava por mais de nove anos. O colegiado entendeu que a situação violava o princípio da razoável duração do processo e impunha constrangimento ilegal ao investigado, que, mesmo não tendo sido submetido à prisão preventiva ou outra medida cautelar, conviveu durante todo esse tempo com o estigma de suspeito da prática de crime.

No voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que, sendo a razoável duração do processo uma cláusula pétrea no ordenamento jurídico brasileiro, torna-se inadmissível que um cidadão seja “indefinidamente investigado, transmutando a investigação do fato para a investigação da pessoa”.

O magistrado destacou ainda que o prazo para a conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto, é impróprio, ou seja, pode ser prorrogado conforme a complexidade das apurações. Entretanto, afirmou, “é possível que se realize, por meio de habeas corpus, o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível, até mesmo, o trancamento do inquérito policial, caso demonstrada a excessiva demora para a sua conclusão”.

“Ano que vem, o inquérito comemorará bodas de estanho – dez anos. Admitir essa demora será passar o pano para um evidente desinteresse do Estado em se estruturar para prestar dignamente suas funções”, declarou.

Leia tambémSexta Turma determina trancamento de inquérito que tramita há mais de nove anos

Peça dispensável para o oferecimento da denúncia

Em 2016, ao julgar processo sob segredo judicial, em que se questionou a nulidade de inquérito policial realizado pela Polícia Federal em crimes de competência estadual, a Quinta Turma reafirmou a jurisprudência do STJ de que eventual vício no inquérito não compromete a ação penal dele decorrente.

Relator do processo, o ministro Ribeiro Dantas disse que o inquérito é dispensável para o oferecimento da denúncia, podendo o titular da ação se valer de elementos informativos de outros instrumentos de investigação preliminar, inclusive da própria comunicação do fato criminoso.

No mesmo sentido entenderam a ministra Laurita Vaz (AgRg no AREsp 1.374.735) e os ministros Antonio Saldanha Palheiro (AgRg no AREsp 455.832) e Joel Ilan Paciornik (AgRg no AREsp 1.392.381).

“Eventual vício na prisão em flagrante ou no inquérito policial não tem o liame de contaminar a ação penal, dada a natureza meramente informativa das peças processuais e sua dispensabilidade na formação da opinio delicti“, afirmou Laurita Vaz ao relatar o AgRg no AREsp 1.374.735.

Falta de confissão do réu na fase inquisitorial

Em agosto deste ano, a Sexta Turma entendeu que a ausência de confissão do autuado durante o inquérito policial não impede que o Ministério Público analise o oferecimento do acordo de não persecução penal (HC 657.165). A relatoria foi do ministro Rogerio Schietti Cruz.

Na ocasião, o colegiado anulou decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o qual manteve sentença que negou pedido de remessa dos autos ao procurador-geral de Justiça – feito pela defesa de um acusado de tráfico de drogas após o membro do Ministério Público ter deixado de oferecer o acordo –, ao argumento de que o acusado não havia confessado o delito na fase do inquérito.

O juiz fundamentou ainda que o acordo de não persecução penal não é um direito subjetivo do acusado, mas uma faculdade do órgão acusador.

No STJ, o relator, ao determinar a remessa dos autos à instância revisora do Ministério Público, destacou que o acordo de não persecução penal é um instituto despenalizador que busca a otimização do sistema de Justiça criminal, por isso não pode deixar de ser aplicado sem justificativa idônea.

Schietti afirmou que a exigência de confissão ainda na fase policial poderia levar a uma autoincriminação antecipada, apenas com base na esperança de oferecimento do acordo, que pode nem ser proposto devido à falta dos requisitos subjetivos ou por algum outro motivo.

Oferecimento de denúncia contra parte dos investigados

Ao julgar a APn 989, a Corte Especial, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, fixou que, pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal, o oferecimento de denúncia em desfavor de alguns investigados no inquérito não gera arquivamento implícito para os não denunciados, em relação aos quais as provas sejam insuficientes no momento.

O caso analisado pelo colegiado teve origem em denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 18 indiciados por crimes diversos, especialmente contra a administração pública, envolvendo, entre outros acusados, o então governador do Rio de Janeiro, desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, juízes do trabalho e advogados.

“O Parquet, como dominus litis, pode aditar a denúncia, até a sentença final, para a inclusão de novos réus, ou, ainda, oferecer nova denúncia a qualquer tempo”, afirmou a relatora.

Ilegalidade da pronúncia baseada apenas no inquérito

Aplicando a orientação firmada pelo STF no HC 180.144, a Sexta Turma, em decisão unânime, mudou seu entendimento e concedeu habeas corpus a um réu que havia sido mandado a júri popular tão somente em razão de provas produzidas durante o inquérito policial. Além de despronunciar o réu, o colegiado revogou sua prisão preventiva (HC 589.270).

Em seu voto, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que o princípio da presunção de inocência, positivado na Constituição Federal, impõe ao Ministério Público, como órgão acusador, a responsabilidade de comprovar suas alegações em todas as fases e todos os procedimentos do processo penal.

Ele salientou que a concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa, também constitucionalmente previstos, impede que a sentença de pronúncia tenha por base exclusiva provas não confirmadas na fase judicial.

“Objetivando reposicionar o entendimento desta Sexta Turma, entendo que é ilegal a sentença de pronúncia com base exclusiva em provas produzidas no inquérito, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal“, concluiu o ministro.

Leia também: Sexta Turma revê entendimento e decide que é ilegal pronúncia baseada apenas no inquérito policial

Dessa mesma forma já havia decidido a Quinta Turma no REsp 1.740.921, ao negar a pronúncia de um acusado de homicídio cuja denúncia se baseou apenas em prova colhida em inquérito – momento em que não há contraditório e ampla defesa. O colegiado ponderou que seriam necessários outros elementos de prova produzidos judicialmente para submeter o réu ao tribunal do júri.

“A prova produzida extrajudicialmente é elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal”, afirmou o ministro Ribeiro Dantas, relator

Inquérito arquivado por reconhecimento de legítima defesa

Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas.

Esse foi o entendimento da Sexta Turma ao julgar, em 2014, o REsp 791.471, de relatoria do ministro Nefi Cordeiro. O colegiado destacou que a permissão legal de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas (artigo 18 do CPP e Súmula 524 do STF) somente tem incidência quando o fundamento do arquivamento foi a falta de provas sobre indícios de autoria e de ocorrência do crime.

O caso analisado pelo colegiado tratou da investigação de duas mortes atribuídas a policiais civis que tentaram repelir agressão durante uma tentativa de resgate.

“Pensar o contrário permitiria a reabertura de inquéritos por revaloração jurídica e afastaria a segurança jurídica das soluções judiciais de mérito, como no reconhecimento da extinção da punibilidade (por morte do agente, prescrição…), da atipia ou, como na espécie, de excludentes da ilicitude. A decisão judicial que define o mérito do caso penal, mesmo no arquivamento do inquérito policial, gera efeitos de coisa julgada material”, afirmou o relator.

No RMS 66.734, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha, a Quinta Turma entendeu como válido o desarquivamento de inquérito para desconstituir decisão inadequadamente fundamentada. No julgamento, a turma determinou a revisão de arquivamento de inquéritos sobre fraude de mais de R$ 2,5 milhões.

“A decisão de homologação de arquivamento de inquérito judicial admite controle judicial em casos excepcionais, quando proferida em desconformidade com o ordenamento jurídico vigente”, destacou o relator.

Leia tambémQuinta Turma determina revisão de arquivamento de inquéritos sobre fraude de mais de R$ 2,5 milhões

Morte de civil por militar

Ainda sobre o tema, a Terceira Seção do STJ, em julgamento de 2016, definiu que, em crime doloso praticado por militar contra a vida de civil, a competência para julgamento é da Justiça comum – especificamente, do tribunal do júri, não sendo permitido à autoridade judiciária militar arquivar precocemente o inquérito ao argumento de que houve legítima defesa ou qualquer outra causa excludente de ilicitude (CC 145.660). A relatoria foi do ministro Rogerio Schietti.

Segundo os autos, foram abertos dois inquéritos paralelos, um perante a Justiça criminal comum e outro perante a Justiça Militar, para apurar a conduta de policiais militares acusados de matar dois assaltantes com os quais trocaram tiros.

No inquérito promovido pela Justiça Militar, o Ministério Público reconheceu a competência da Justiça comum e requereu a remessa dos autos. Porém, entendendo que os policiais agiram em legítima defesa, o juiz auditor da Justiça Militar considerou que a competência seria sua, não do tribunal do júri, e arquivou o inquérito.

O relator afirmou que, apesar da existência de precedentes do STJ no sentido de autorizar o juiz militar, quando avalia sua própria competência para o caso, a examinar eventuais fatores que excluam a ilicitude da conduta sob investigação, a Constituição e as leis definem claramente a competência da Justiça comum – especificamente, do tribunal do júri – para os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis.

Arquivamento do inquérito em ação penal pública incondicionada

Ao julgar mandado de segurança que tramitou em segredo de justiça, a Quinta Turma entendeu que a vítima de crime de ação penal pública incondicionada não tem direito líquido e certo de impedir o arquivamento do inquérito ou de peças de informação. A relatoria foi do ministro Raul Araújo.

O processo analisado pelo colegiado se referia a um caso de suposto estupro de vulnerável, que, por não ter sido constatado por laudo do IML nem por avaliação psicológica do menor e da família, teve o inquérito policial arquivado. Os pais da criança questionaram, porém, a decisão foi mantida.

“Uma vez verificada a inexistência de elementos mínimos que corroborem a autoria e a materialidade delitivas, pode o Parquet requerer o arquivamento do inquérito e o juiz, por consequência, avaliar se concorda ou não com a promoção ministerial. Uma vez anuindo, fica afastado o procedimento previsto no artigo 28 do Código de Processo Penal, sem que, com isso, seja violado direito líquido e certo da possível vítima de crime de ver processado seu suposto ofensor”, concluiu o magistrado.

10/02/2023 06:50

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que é ônus da parte devedora a comprovação, para efeitos de impenhorabilidade (artigo 833, inciso VII, do Código de Processo Civil – CPC), de que sua propriedade rural, além de pequena, é trabalhada pela família para a própria subsistência. Com a decisão, fixada por maioria de votos, o colegiado resolveu divergência sobre se caberia ao devedor – como entendia a Terceira Turma – ou ao credor – conforme julgamentos da Quarta Turma – fazer prova da situação do imóvel rural com o objetivo de confirmar ou afastar a impenhorabilidade.

“Sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado, pois ele é o proprietário do imóvel e, então, pode acessá-lo a qualquer tempo. Demais disso, ninguém melhor do que ele para saber quais atividades rurícolas são desenvolvidas no local”, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

No julgamento, o colegiado também ratificou a jurisprudência segundo a qual a impenhorabilidade é mantida mesmo nos casos em que o imóvel foi dado em garantia hipotecária pelo proprietário.

Após a declaração de impenhorabilidade de um imóvel rural em ação de execução, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão por considerar que os devedores não apresentaram documentos capazes de provar que a família produzia no local e dali tirava o seu sustento.

Para devedores, exploração familiar deveria ser presumida

No recurso especial, os devedores alegaram que, em se tratando de uma pequena propriedade rural, seria presumida a sua exploração em caráter familiar e para a própria subsistência. Assim, para os recorrentes, seria ônus do exequente fazer prova de que a propriedade não era trabalhada pela família.

A ministra Nancy Andrighi explicou que, apesar de o artigo 833, inciso VII, do CPC garantir a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, a legislação não esclareceu o que seria a pequena propriedade para esse fim. Em razão dessa lacuna, apontou, a jurisprudência tem utilizado o conceito trazido pela Lei 8.629/1993, segundo a qual a pequena propriedade corresponde àquela de até quatro módulos fiscais (o módulo fiscal é definido por município).

Segundo a ministra, é pacífico no STJ o entendimento de que incumbe ao devedor demonstrar que a propriedade penhorada não ultrapassa quatro módulos fiscais.

Já em relação à utilização do bem para a economia familiar, a relatora lembrou que cabe ao autor da ação o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito e, em contraposição, é dever do réu demonstrar o fato extintivo, impeditivo ou modificativo desse direito, nos termos do artigo 373 do CPC. Desse modo – concluiu a magistrada –, é sobre o executado que recai o encargo de comprovar os requisitos para o reconhecimento da impenhorabilidade.

Lei 8.009/1990 não obriga dono a provar que imóvel seja único para moradia

Em seu voto, Nancy Andrighi destacou que a Quarta Turma, ao reconhecer uma presunção relativa de que a pequena propriedade é trabalhada pela família, equiparou a impenhorabilidade do pequeno imóvel rural à impenhorabilidade do bem de família. Entretanto, a ministra lembrou que, apenas no caso do bem de família, não é necessária a demonstração de que o imóvel é único e destinado para moradia familiar, porque esse não é um requisito previsto pela Lei 8.009/1990.

“De forma diversa, o artigo 833, inciso VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual, repise-se, consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família”, concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJSP.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1913234

Fonte: STJ

A quarta-feira (8/2) foi um dia ingrato para o contribuinte brasileiro. Em decisões quase simultâneas, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça admitiram a desconstituição de resultados definitivos em processos tributários, justificada pela mudança posterior de entendimento dessas duas cortes.

10 de fevereiro de 2023,

Coisa julgada tributária só será definitiva quando o STF decidir com eficácia geral

No STF, a quebra da coisa julgada tributária depende de algum pronunciamento da corte que conclua que a cobrança de determinado tributo é constitucional. Nesse caso, qualquer decisão definitiva anterior que tenha afastado essa cobrança deixa de valer automaticamente.

E o STJ, de alguma forma, complementou as pretensões fazendárias. A 1ª Seção da corte admitiu o uso da ação rescisória para desconstituir o acórdão definitivo, quando posteriormente houver mudança da posição. No caso concreto, o colegiado estabeleceu a modulação dos efeitos.

A discussão envolveu a cobrança de IPI sobre a revenda de produtos importados, que era negada pelo STJ em 2014 e passou a ser autorizada em 2015. Em 2020, o Supremo confirmou a constitucionalidade dessa cobrança. Esse foi o marco escolhido pela 1ª Seção para autorizar a desconstituição do acórdão definitivo.

Para tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, esse cenário gera um desequilíbrio na relação entre Fisco e contribuinte. Toda decisão favorável à parte mais vulnerável dessa relação, mesmo definitiva, estará passível de revisão posterior até que o STF dê um pronunciamento com eficácia geral.

Mais grave do que isso, segundo eles, é a justificativa usada no precedente. Há críticas à vulneração da segurança jurídica com base em argumentos consequencialistas, privilegiando o conteúdo econômico da decisão, e na aplicação de princípios da isonomia e em busca de justiça fiscal.

Efeito da coisa julgada
“Até ontem (quarta-feira), o entendimento corrente era de que o efeito da coisa julgada, nas relações de trato sucessivo, só cessaria de forma automática de sobreviesse alteração legislativa que tornasse prejudicado o fundamento jurídico utilizado pela decisão transitada em julgado. Como o Poder Judiciário não pode legislar, entendia-se que suas decisões não mudavam a legislação e, portanto, não podiam interromper os efeitos da coisa julgada”, explica Hugo Funaro, sócio do escritório Dias de Souza Advogados.

“Agora, o STF equiparou a uma lei as suas decisões em controle abstrato de constitucionalidade ou em recurso extraordinário com repercussão geral. E o STJ entendeu que, nesses casos, cabe ação rescisória, pelo menos com relação aos efeitos posteriores ao julgamento da questão pelo STF”, acrescenta ele.

Plenário do Supremo admitiu a quebra automática da coisa julgada tributária
Nelson Jr./SCO/STF

Na opinião de Leonardo Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados, o fato de o STJ autorizar o uso da rescisória na esteira da decisão do STF mostra que a aplicação da tese da quebra da coisa julgada tributária será ampla, o que cria um ambiente de desequilíbrio na relação fiscal.

“Sob o viés do contribuinte, a segurança jurídica só poderá ser considerada como um princípio protegido pela Constituição Federal após um pronunciamento com eficácia geral do STF. Portanto, nenhuma relação jurídica em matéria tributária, mesmo que definitiva, é certa, já que o STF sempre poderá revisar seu entendimento e essa revisão valerá a partir do ano seguinte para todos os contribuintes.”

“Sempre uma decisão tributária em favor do contribuinte será considerada ‘eternamente provisória’, podendo ser a qualquer tempo revisitada em sentido contrário. Isso é a própria negação da segurança jurídica”, continua ele.

O advogado acrescenta que, se o futuro em matéria tributária é incerto, o passado é mais ainda. “O mais preocupante de tudo isso é identificar em alguns argumentos que a quebra automática da coisa julgada é baseada na aplicação de princípios da isonomia e justiça fiscal, sem contrapor, efetivamente, os atributos da segurança jurídica em si.”

Isonomia entre contribuintes
Tales Rodrigues
, coordenador tributário do Nelson Wilians Advogados, também chamou a atenção para esse aspecto. O STJ autorizou o uso da rescisória considerando o risco de prejuízos aos princípios da livre iniciativa e concorrência, além de ofensa à isonomia em relação aos demais contribuintes. Ou seja, aqueles beneficiados por decisões anteriores estariam em vantagem em relação aos que se submeteram às teses posteriores.

Para Tales, o fato de os tribunais terem sopesado princípios de ordem econômica em desfavor da coisa julgada demonstra o desapego do modelo normativo constitucional, privilegiando o conteúdo econômico da decisão. “Garantia constitucional, tal como a coisa julgada, não pode ser superada com base em argumentos consequencialistas”, critica.

“No Estado democrático de Direito não deveria haver espaço para concessões, ainda que jurisdicionais, com o intuito de excepcionalizar normas jurídicas vigentes e válidas, especialmente a coisa julgada. Permitir a manipulação ou excepcionalização do instituto é reduzir a garantia constitucional a mero adorno normativo, além de evidenciar o déficit democrático nas decisões dos tribunais superiores”, diz ele.

STJ adotou posição inovadora ao admitir rescisória na mudança de jurisprudência
U.Dettmar

Na opinião de Arthur Barreto, sócio da área tributária do DSA Advogados, o baque que as empresas prejudicadas pela desconstituição da coisa julgada sofrerão poderá também gerar um descompasso concorrencial imediato e grave, já que ocorre sob um pretexto de justiça fiscal. Só os juros de valores que poderão ser recolhidos podem superar o montante dos tributos não pagos graças à coisa julgada anterior.

“A legislação pressupõe que as decisões definitivas são, em regra, imutáveis, sob pena de instabilidade e incerteza quanto ao passado já julgado. A proteção da concorrência não deveria ser usada como pretexto para punir contribuintes que acreditaram no Judiciário — era essencial que os efeitos dessas decisões fossem, no mínimo, apenas prospectivos e resguardassem períodos anteriores, mas, infelizmente, o desfecho não foi esse.”

Modulação no STF
A questão da modulação dos efeitos da decisão também foi destacada por Hugo Funaro. Para ele, o prejuízo à segurança jurídica ocorre nem tanto pelos resultados, mas pela rejeição à proposta de modular os efeitos no Supremo Tribunal Federal. Isso porque um dos pilares da segurança jurídica é a previsibilidade, que supõe o conhecimento das regras do jogo de modo prévio e com a devida antecedência.

“No caso, a jurisprudência do STJ garantia a prevalência da coisa julgada sobre decisões posteriores do STF, que também possuía jurisprudência no sentido da intangibilidade da coisa julgada, salvo em ação rescisória ou revisional. Assim, os contribuintes tinham a justa expectativa de que tal orientação fosse confirmada.”

A princípio, as teses de repercussão geral possuíam efeitos restritos ao Poder Judiciário e considerando os processos em curso, salvo se aprovada súmula vinculante por dois terços dos ministros.

“Agora o STF decidiu que as teses de repercussão geral devem ser observadas de imediato e por todos a partir da publicação da ata do respectivo julgamento, inclusive pelos detentores de títulos judiciais definitivos. É uma novidade e, pelo menos aqui, caberia maior ponderação quanto à modulação”, conclui Funaro.

AR 6.015

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro de 2023, 13h53

A regulamentação do critério de relevância da questão jurídica discutida no recurso especial e os seus impactos no sistema de precedentes obrigatórios foram debatidos no seminário Relevância das Questões de Direito Federal Infraconstitucional, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta quinta-feira (9).

10/02/2023

O evento inaugurou o debate mais amplo com a comunidade jurídica sobre a regulamentação da Emenda Constitucional 125, promulgada pelo Congresso Nacional no ano passado. Em dezembro, o STJ enviou ao Senado sugestões para a regulamentação da matéria.​​​​​​

No encontro desta quinta-feira, especialistas de diversos ramos apontaram a necessidade de aproveitar as experiências do Supremo Tribunal Federal (STF) com o sistema da repercussão geral e de se adotar no STJ um procedimento de análise da relevância da questão federal com transparência e suporte da tecnologia.

Na abertura do evento, o vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, lembrou que a regulamentação do filtro da relevância da questão federal não se dará apenas no campo legislativo, já que o Regimento Interno do tribunal também deverá sofrer alterações.

Segundo o ministro, os números alcançados pelo STF demonstram o sucesso da implementação da repercussão geral – modelo proposto pelo STJ para a aplicação do filtro da relevância –, com a diminuição do número de recursos e a concentração do trabalho da corte no julgamento de questões realmente relevantes para todo o país.

Segundo diretor da Anatel, julgamento virtual pode acelerar análise da relevância

O primeiro painel do seminário – “A contribuição da relevância da questão de direito federal infraconstitucional sob o prisma constitucional do Superior Tribunal de Justiça” – foi presidido pelo ministro João Otávio de Noronha e teve a participação do conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Alexandre Freire e da advogada da União Ana Karenina Andrade.

Alexandre Freire citou as experiências e adversidades do STF na implementação da repercussão geral para enfatizar a necessidade de aprimorar a gestão processual no STJ e investir na tecnologia, como forma de garantir a efetividade do novo mecanismo.

Segundo o diretor da Anatel, o STF só conseguiu dar celeridade à análise da repercussão geral a partir de inovações tecnológicas como o Plenário Virtual, que passou a julgar também as questões da repercussão geral – alteração que foi potencializada na pandemia da Covid-19. Freire destacou ganhos importantes com a autorização, no Supremo, das sustentações orais gravadas, da interação virtual dos amici curiae e da manifestação eletrônica sobre questões de fato durante as sessões.

A advogada da União Ana Karenina Andrade ressaltou que, no julgamento pelo sistema da relevância, será possível criar um precedente vinculante sem que seja preciso comprovar a multiplicidade de processos com a mesma controvérsia, a exemplo do que ocorre atualmente com os recursos repetitivos.  

Debatedores citam modelos de arguição da relevância e importância da reclamação

No painel “A relevância da questão de direito federal infraconstitucional e o procedimento de formação concentrada de precedentes qualificados”, presidido pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, o juiz auxiliar do STJ Fernando Gajardoni ressaltou alguns pontos desafiadores na implementação do filtro dos recursos especiais, como a alegação de divergência de intepretação entre tribunais locais.

Nessas situações, apontou, o STJ pode entender que essa divergência não é relevante em termos nacionais – sendo aceitável, portanto, que existam entendimentos distintos na segunda instância – ou, em outras situações, pode considerar que a controvérsia é relevante para todo o país, hipótese em que haverá a fixação de um precedente qualificado.

Essas questões, destacou, podem levar à adoção não propriamente do modelo da repercussão geral do STF ou da transcendência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas de um sistema híbrido, ou até de um novo modelo, o qual seja capaz de considerar as características dos casos julgados pelo STJ.

Na sequência, a conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ana Carolina Caputo Bastos enfatizou, entre outros pontos, a necessidade de que a regulamentação do filtro traga a previsão do cabimento da reclamação para o caso de não observância do precedente. “Não há possibilidade de que o tribunal que julga as questões de direito federal não tenha mecanismos para reconhecer a sua autoridade”, afirmou.

Para a conselheira da OAB, o filtro de relevância também deve garantir a segurança jurídica, a previsibilidade dos pronunciamentos judiciais e a atenção ao princípio da não surpresa. A advogada lembrou que é papel do STJ manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente, motivo pelo qual o tribunal “deve se ater aos seus próprios precedentes”.

Tendência é que arguição de relevância seja competência das seções e da Corte Especial

O painel “Das características da relevância no âmbito do STJ: possíveis fluxos procedimentais internos e processuais” teve a presidência do ministro Sérgio Kukina e contou com a participação do assessor-chefe do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ (Nugepnac), Marcelo Marchiori, e do secretário executivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Fabiano Tesolin.

Para Marchiori, a arguição de relevância não deverá ser apenas um filtro, mas uma técnica de julgamento, com a formação de precedentes vinculantes e a criação de temas jurídicos específicos. Ele destacou que a ideia é criar teses que afirmem a relevância da questão federal, e também uma espécie de “jurisprudência negativa”, nos casos em que o STJ explicitamente não reconhecer a relevância.

De acordo com o assessor-chefe, essa tese de não admissão da relevância da questão federal será importante também para a segunda instância, pois, quando a presidência do tribunal local negar seguimento a recurso em razão do pronunciamento do STJ no regime da relevância (seja positivo ou negativo), não caberia mais agravo em recurso especial, mas apenas o agravo interno à própria corte de segundo grau.

Marchiori ainda ressaltou que há uma grande tendência de que as questões de relevância sejam levadas para as seções especializadas do STJ e para a Corte Especial, o que deve gerar uma reorganização do trabalho dos colegiados, em especial das turmas.

Fabiano Tesolin ressaltou que não é possível negar a importância do sistema da repercussão geral para o STF – que já acumula 15 anos na gestão dessa sistemática –, mas ponderou que o STJ tem especificidades que precisam ser consideradas na regulamentação da relevância.

Segundo Tesolin, do ponto de vista teórico, é possível a aplicação da relevância pelo STJ também na esfera penal, mas apenas em recursos especiais, e não em processos como habeas corpus.

Ministra vê “distribuição desumana de processos” e reforça importância do filtro

O encerramento do seminário ficou a cargo da ministra Assusete Magalhães e do juiz supervisor do Nugepnac Renato Castro, o qual enfatizou a importância de se respeitar o contraditório também na análise da relevância.

A ministra apresentou uma evolução histórica do trabalho do STJ no julgamento de recursos repetitivos, desde a criação desse mecanismo pela Lei 11.672/2008 até os aprimoramentos atuais do tribunal para a gestão desses precedentes. 

Segundo a magistrada, apesar do intenso trabalho da corte na fixação de precedentes qualificados, o STJ ainda se vê diante de uma “distribuição desumana de processos”. Como consequência, apontou, há inevitável redução da qualidade dos julgamentos e a criação da chamada jurisprudência defensiva, voltada para a definição de hipóteses de não conhecimento dos recursos.

É nesse contexto que, para Assusete Magalhães, é indispensável a implementação do filtro de relevância no STJ, como forma de agilizar a prestação jurisdicional, dar atenção à fixação de precedentes qualificados e garantir a segurança jurídica.   

“O que se espera com a implementação dessa ferramenta é o aprimoramento das nossas decisões judiciais. Normalmente, onde há uma crise quantitativa, há também uma crise qualitativa. A adoção da relevância da questão federal permitirá que o STJ realmente cumpra a sua missão constitucional”, enfatizou.

Fonte: STJ

Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado deu provimento a recurso especial da Fundação dos Economiários Federais (Funcef) e definiu que eventuais oscilações de valor das cotas de fundo de investimento pertencentes ao executado não podem prejudicar nem beneficiar a parte exequente, à qual não é possível repassar valor superior ao do título em execução.

Postado em 09 de Fevereiro de 2023

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a penhora de cotas de fundo de investimento não confere automaticamente ao credor exequente a condição de cotista, não o sujeitando aos riscos provenientes dessa espécie de aplicação.

Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado deu provimento a recurso especial da Fundação dos Economiários Federais (Funcef) e definiu que eventuais oscilações de valor das cotas de fundo de investimento pertencentes ao executado não podem prejudicar nem beneficiar a parte exequente, à qual não é possível repassar valor superior ao do título em execução.

O caso analisado tratou de execução que envolveu cotas de um fundo de investimento. Houve valorização das cotas antes do resgate, e a Funcef questionou a decisão que, em cumprimento de sentença, determinou a expedição de mandados de pagamento em favor das partes quanto ao montante reservado na conta judicial.

A Funcef sustentou não ser direito da exequente receber a mais por conta de valorização das cotas, alegando excesso indevido, além da necessidade de se observar o princípio da fidelidade ao título.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que, por aceitar a penhora sobre cotas de fundo de investimento, a exequente passou a integrar aquele negócio jurídico, assumindo a condição de investidora do fundo e se sujeitando aos riscos inerentes, ao menos em relação às cotas representativas do seu verdadeiro crédito.

Penhora não afeta direito de propriedade antes da expropriação final

Segundo o relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, o objetivo da penhora é preservar os bens para o efetivo e oportuno cumprimento da obrigação – tornando ineficaz, em relação ao exequente, qualquer ato de disposição praticado pelo executado –, mas ela não interfere no direito de propriedade do devedor enquanto não operada a expropriação final.

Para o ministro, quando a constrição incide sobre cotas de fundo de investimento – espécie de valores mobiliários, incluídos no rol legal de preferência de penhora, conforme indicam o artigo 835, III, do Código de Processo Civil (CPC) e o artigo 2º, V, da Lei 6.385/1976 –, a propriedade desses bens se mantém com o devedor investidor, até o resgate ou a expropriação final.

Oscilação de valor pode exigir complementação ou exclusão de excesso

Bellizze considerou indevida a transferência ao exequente da circunstância inerente a esse tipo de negócio jurídico (que vincula apenas os cotistas contratantes), pois não seria possível lhe impor os ônus nem atribuir os bônus respectivos, ainda mais diante do princípio da relatividade dos efeitos do contrato.

“Enquanto não operado o resgate ou a expropriação final das cotas de fundo de investimento penhoradas, a superveniente desvalorização desses bens faz surgir para o exequente o direito de requerer a complementação da penhora, na linha do que prevê o artigo 850 do CPC/2015”, afirmou.

Por outro lado, acrescentou o ministro, a superveniente valorização das cotas exige que seja excluída, no momento do efetivo pagamento, a importância que superar o crédito exequendo devidamente atualizado e acrescido dos encargos legais – sob pena de se incorrer em indevido excesso de execução, atingindo valor superior àquele constante do título executivo, nos termos do artigo 917, parágrafo 2º, I e II, do CPC.

No caso analisado, ao decidir pela reforma do acórdão do TJRJ, Marco Aurélio Bellizze limitou o valor a ser levantado pela parte exequente àquele efetivamente constante do título executivo judicial, devidamente atualizado e acrescido de juros de mora e honorários de advogado.

Fonte: STJ

“O juiz que reconheceu sua suspeição com fundamento em inimizade com a parte ou com o advogado tem sua neutralidade e sua imparcialidade comprometidas em relação a quaisquer processos que os envolvam, ainda que a suspeição apenas tenha sido reconhecida em um desses processos.”

08/02/2023

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para revogar decisão de primeiro grau que decretou a prisão civil de um advogado por falta de pagamento de pensão alimentícia. O colegiado considerou que a inimizade entre o magistrado e o alimentante, reconhecida em processo diverso, tornou inválida a ordem de prisão, ainda que estivessem presentes os requisitos para a medida, pois a quebra de neutralidade e de imparcialidade foi antecedente ao exame de mérito da questão.

Magistrado se declarou impedido para presidir a execução de alimentos

No caso dos autos, o juiz se declarou suspeito para julgar pedido de alvará judicial que tinha como advogado, atuando em causa própria, um desafeto seu – contra o qual já havia litigado em outros processos. Cerca de 30 dias após a declaração de suspeição, o mesmo juiz proferiu decisão que, em execução de alimentos, decretou a prisão civil do advogado, ao fundamento de que ele estaria inadimplente.

Quase dois meses depois dessa decisão, o juiz se declarou impedido para atuar em inventário no qual o advogado figurava como procurador. Finalmente, o magistrado afirmou seu impedimento para presidir a execução de alimentos na qual fora decretada a prisão do advogado.

Ao julgar habeas corpus contra a prisão civil, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) indeferiu o pedido de liminar, por considerar que o impedimento do juiz seria posterior àquela decisão judicial.

Em outro habeas corpus, dirigido dessa vez ao STJ, o advogado alegou que o decreto de prisão seria nulo, pois já existiria em outro processo, em momento anterior, o reconhecimento de suspeição do juiz que conduzia a execução de alimentos.

Juiz não pode presidir processo que envolva parte ou advogado com quem litiga

A relatora do pedido, ministra Nancy Andrighi, observou que não é lícito ao juiz presidir nenhum processo que envolva parte ou advogado com quem litiga, pois se trata de impedimento absoluto, conforme o artigo 144, inciso IX, do Código de Processo Civil (CPC).

De acordo com a magistrada, “o reconhecimento do impedimento com base no artigo 144, inciso IX, e também da suspeição com base no artigo 145, inciso I, do CPC, uma vez lançado em algum dos processos que envolvem partes ou advogados em conflito com o julgador, produzem efeitos expansivos em relação aos demais processos, inviabilizando a atuação do magistrado em quaisquer deles, independentemente de expressa manifestação em cada um dos processos individualmente”, concluiu Nancy Andrighi ao conceder a ordem de habeas corpus.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a competência para processar e julgar ação de indenização por danos materiais decorrentes de acidente de trânsito é do foro do local onde o fato ocorreu, quando a demanda for promovida por locadora de veículo.

08/02/2023

A locadora que recorreu ao STJ havia ajuizado em seu domicílio, Mogi das Cruzes (SP), uma ação de indenização por danos materiais resultantes de acidente de trânsito. O juízo de primeiro grau acolheu preliminar de incompetência e determinou a remessa dos autos a uma das varas cíveis de Divinópolis (MG), domicílio dos réus e local do acidente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento ao recurso da locadora.

Ao STJ, a empresa sustentou que teria o direito de escolher o foro para ajuizar a demanda, podendo fazê-lo em seu domicílio ou no local do acidente.

Situação das locadoras tem particularidades

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, segundo o artigo 53, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC), a competência para julgar reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos é do foro de domicílio do autor da ação ou do local do fato.

O magistrado acrescentou que tal norma deve ser conjugada com o artigo 46 do mesmo código, de modo que essa espécie de ação poderá ser promovida no domicílio do autor, no local do fato ou no domicílio do réu.

Contudo, para o relator, essa norma não se aplica às locadoras de veículos devido às particularidades que envolvem suas relações jurídicas – principalmente porque seus carros circulam por todo o território nacional.

“Não se mostra razoável aplicar a mesma regra da pessoa natural, que indiscutivelmente enfrenta adversidades para promover ação em locais distantes de sua residência, às sociedades empresárias especializadas e estruturadas para prestação de serviço de locação de veículos, em que um dos riscos é exatamente a potencial ocorrência de acidentes automobilísticos, nas mais diversas localidades, já que, via de regra, a circulação de seus bens não está limitada a determinado espaço geográfico”, declarou.

Locadora poderia ser indevidamente privilegiada

O ministro destacou que dilatar demasiadamente a interpretação da exceção em detrimento da regra poderia, ao invés de favorecer o acesso à Justiça para o elo mais fraco da relação jurídica, privilegiar indevidamente a parte que tem mais condições jurídicas e econômicas de exercer seu direito de ação.

De acordo com Bellizze, entender de maneira diversa seria contrariar o escopo da norma, que é beneficiar a vítima com a redução das despesas e dos incômodos relacionados ao acidente automobilístico. Por isso, segundo ele, não é possível estender a prerrogativa processual do foro excepcional para as locadoras.

“O fato de o local do acidente ser, também, uma comarca na qual a locatária do veículo realiza suas operações vem confirmar a ausência de elementos capazes de justificar a incidência da exceção do artigo 53, inciso V, do CPC em detrimento da regra geral do artigo 46 do mesmo diploma processual”, concluiu o magistrado.

REsp 1.869.053.

Fonte: STJ

Segundo os ministros, se essa taxa estiver prevista para a correção das parcelas, nada impede que seja convencionada a incidência de juros de mora.

Postado em 07 de Fevereiro de 2023

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que considerou abusiva a previsão de correção pela taxa Selic em contrato de compra e venda de imóvel. Segundo os ministros, se essa taxa estiver prevista para a correção das parcelas, nada impede que seja convencionada a incidência de juros de mora.

De acordo com os autos, foi ajuizada ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel com pedido de indenização, sob o argumento de que algumas cláusulas contratuais seriam abusivas – entre elas, a que previa a Selic como índice de correção.

A sentença julgou abusiva a aplicação da taxa e determinou a sua substituição pelo IGP-M, além da restituição dos valores. Também foram reduzidos os juros de mora e a cláusula penal. O TJMS manteve a decisão.

No recurso especial, a empresa vendedora sustentou que não há ilegalidade na correção pela Selic, a qual visa recompor o valor da moeda e remunerar a concessão do parcelamento.

Juros remuneratórios e moratórios podem incidir em um mesmo contrato

A relatora, ministra Nancy Andrighi explicou que, enquanto a correção monetária serve para recompor o poder da moeda diante da inflação, os juros podem ter tanto a finalidade de recompensar o credor (remuneratórios ou compensatórios) quanto a de indenizar pelo atraso no pagamento da dívida (moratórios).

A ministra observou que, por terem finalidades distintas, os juros remuneratórios e os moratórios podem incidir em um mesmo contrato. Ela também destacou o entendimento da Segunda Seção do STJ no EREsp 670.117, de que é legal, na venda de imóvel na planta, a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves.

De acordo com Nancy Andrighi, a taxa Selic, por abranger juros e correção monetária, não pode ser cumulada com juros remuneratórios, mas isso não impede a cobrança de juros de mora, no caso de atraso no pagamento.

Para a magistrada, só se poderia falar de cláusula abusiva se houvesse incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa Selic e de juros remuneratórios, “pois se estaria diante de verdadeiro bis in idem”.

Fonte: STJ