Posts

Em julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.204), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que as obrigações ambientais têm natureza propter rem, de modo que o credor pode escolher se as exige do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores ou de ambos, “ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente”.

10/10/2023

Segundo a relatora, ministra Assusete Magalhães, esse entendimento já estava consolidado na Súmula 623, que se baseou na jurisprudência do STJ segundo a qual a obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, uma vez que a Lei 8.171/1991 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por desmatamentos anteriores.

Ao citar precedentes do tribunal, a ministra esclareceu que o atual titular que se mantém inerte em relação à degradação ambiental, ainda que preexistente, também comete ato ilícito, pois as áreas de preservação permanente e a reserva legal são “imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei”, e “pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse”. Assim, para a jurisprudência, “quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador”.

Responsabilidade civil por danos ambientais é propter rem, objetiva e solidária

A relatora lembrou que o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 12.651/2012 atribui expressamente caráter ambulatorial à obrigação ambiental, ao dispor que elas têm “natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”.

De acordo com a ministra, tal norma, somada ao artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981 – que estabelece a responsabilidade ambiental objetiva –, ampara o entendimento do STJ de que a obrigação de recomposição ambiental atinge o proprietário do bem, independentemente de ter sido ele o causador do dano.

De outro lado, ressaltou a magistrada, o titular anterior do direito real que tenha causado o dano também se sujeita à obrigação ambiental, porque a responsabilidade civil nesse caso também é solidária (artigos 3º, IV, e 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981), permitindo ao demandante, à sua escolha, dirigir a ação contra o antigo proprietário ou possuidor, contra os atuais ou contra ambos.

Necessário nexo causal para configurar a responsabilidade

Para a ministra, uma situação que merece atenção é a do titular anterior que não deu causa ao dano ambiental: se o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, não há responsabilidade anterior, a não ser que, mesmo já sem a posse ou a propriedade, ele retorne à área para degradá-la. Segundo Assusete Magalhães, embora a responsabilidade civil ambiental seja objetiva, a jurisprudência entende que “há de se constatar o nexo causal entre a ação ou a omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade”.

Nesse sentido, a relatora ponderou que o titular anterior que conviveu com dano ambiental preexistente, ainda que não tenha sido o seu causador, e, posteriormente, alienou a área no estado em que a recebera, tem responsabilidade.

“Nessa hipótese, não há como deixar de reconhecer a prática de omissão ilícita, na linha da jurisprudência do STJ que – por imperativo ético e jurídico – não admite que aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade”, concluiu a ministra.

Leia o acórdão no REsp 1.962.089.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1962089REsp 1953359

Fonte: STJ

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afetar os Recursos Especiais 2.045.491, 2.045.191 e 2.045.193, de relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

09/10/2023

A controvérsia, cadastrada como Tema 1.217 na base de dados do STJ, está em definir a “possibilidade de cancelamento de precatórios ou requisições de pequeno valor (RPVs) federais, no período em que produziu efeitos jurídicos o artigo 2º da Lei 13.463/2017, apenas em razão do decurso do prazo legal de dois anos do depósito dos valores devidos, independentemente de qualquer consideração acerca da existência ou inexistência de verdadeira inércia a cargo do titular do crédito”.

O colegiado determinou a suspensão dos processos sobre a mesma questão em todo o território nacional.

Controvérsia possui notória relevância jurídica, econômica e social

O ministro Paulo Sérgio Domingues ressaltou que a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ (Cogepac) constatou haver mais de 200 processos sobre o tema somente na Vice-Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o que revela o caráter repetitivo da matéria.

O relator também apontou que há notória relevância jurídica, econômica e social na questão em exame, pois o cancelamento imediato de RPVs ou de precatórios que tenha sido requerido ou deferido com base no artigo 2º da Lei 13.463/2017 tem aptidão para retardar consideravelmente a efetiva disponibilização dos créditos em favor de seus titulares.

“É oportuno ao tribunal e conveniente ao sistema de Justiça, então, que se estabeleça em pronunciamento vinculante se a validade desse cancelamento está ou não condicionada à demonstração da inércia do titular do crédito, ainda mais que o dispositivo legal em exame silencia quanto a esse particular aspecto”, afirmou.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil de 2015 regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

REsp 2.045.491.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem em mãos mais um caso que desafia a liberalidade com que a corte tem tratado os casos de pedido de mudança de nome civil. A hipótese é de um filho que gostaria de herdar uma parte do nome composto da mãe.

4 de outubro de 2023,

Ministra Nancy Andrighi recusou inclusão do termo “Ramos” no sobrenome, por se referir a uma linhagem familiar inexistente
Lucas Pricken/S
TJ

O autor da ação gostaria de incluir como sobrenome o termo Ramos, o qual consta no nome de sua mãe porque ela nasceu em um Domingo de Ramos — o domingo anterior à Páscoa, data da entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém, dando início ao período que culminará em sua crucificação.

Assim, Ramos não é um sobrenome, mas parte do nome composto da mãe. Não é um nome de família, nem foi herdado dos avós do autor da ação. Por isso, o pedido foi negado pelas instâncias ordinárias.

Nesta terça-feira (3/10), a ministra Nancy Andrighi propôs negar provimento ao recurso especial. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Moura Ribeiro.

Segundo a relatora, o pedido é inadmissível porque não existe qualquer elemento de identificação da entidade familiar, nem o propósito de perpetuação da linhagem.

“A adoção do termo Ramos ao nome civil da genitora se deu como forma de vincular ao fato de ter nascido no Domingo de Ramos. Portanto, não se acrescentou na qualidade de sobrenome. Assim, é intransmissível ao herdeiro, sob pena de perpetuação de linhagem familiar inexistente”, analisou ela.

Exercício da cidadania
O tema não é novo no STJ. A postura da corte acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil, guiada por posições do Supremo Tribunal Federal, tem sido de garantir o exercício da cidadania.

Trata-se de assegurar “o papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa”, nas palavras do ministro Paulo de Tarso Sanseverino no julgamento do caso de um filho abandonado pela família.

Assim, há acórdãos em que se permitiu a mudança de nome ou sobrenome dado por pais ausentes e até como “homenagem” ao anticoncepcional que a mãe tomava quando ficou grávida. E também permissão para alteração do registro com base em apelido consolidado socialmente.

Em outros casos, o STJ negou pedido por entender que representaria mudança mais sensível ou menos nobre. Foi assim que recusou a inclusão de uma letra “t” no sobrenome do artista Romero Brito, que assina suas obras como Romero Britto. E também negou a troca completa do nome de uma pessoa que, já adulta, descobriu suas raízes indígenas.

REsp 2.076.693

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2023, 8h23

O Superior Tribunal de Justiça vem mudando sua jurisprudência quanto à fixação de honorários de sucumbência. Duas decisões recentes da corte admitiram tal possibilidade em situações antes negadas, já que não são previstas no Código de Processo Civil. E, de acordo com processualistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, isso deve desestimular a judicialização.

4 de outubro de 2023

Freepik– Risco de pagar honorários em caso de perda pode diminuir ajuizamentos

O parágrafo 1º do artigo 85 do CPC traz uma lista de ocasiões em que são devidos honorários sucumbenciais: reconvenção, cumprimento de sentença, execução e recursos.

Na decisão mais recente, a 3ª Turma do STJ autorizou a fixação de honorários também em caso de indeferimento de pedido de desconsideração da personalidade jurídica — ou seja, quando o juízo nega a responsabilização dos proprietários ou sócios no lugar da própria empresa.

Antes disso, a 1ª Turma havia admitido honorários em liquidação de sentença (procedimento para apurar o valor de uma condenação), se houver litigiosidade.

A possibilidade de pagar os advogados da parte vencedora pode afastar muitas pessoas da via judicial. Carolina Xavier da Silveira Moreira, doutora em Direito Civil , explica que os clientes buscam saber os custos envolvidos antes de acionar a Justiça. Isso inclui o valor dos honorários de sucumbência em caso de derrota.

“Com isso em mãos, ele sopesa se vale a pena brigar mesmo diante do valor que ele pretende receber com um resultado positivo da demanda”, aponta ela.

Rudi Alberto Lehmann Júnior, especialista em Processo Civil, confirma esse cenário. Ele sempre informa seus clientes sobre os riscos de ajuizar um incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), por exemplo. “A depender do valor da causa, o risco pode tornar o credor em devedor.”

Na visão do advogado, o IDPJ, mesmo não listado no parágrafo 1º do artigo 85 do CPC, “em muito se assemelha ao procedimento comum, pois determina a citação do sócio ou da pessoa jurídica para manifestação e requerimento de provas e fixa a possibilidade de instrução processual”.

Segundo Lehmann Júnior, as decisões que permitem o pagamento aos advogados da parte vencedora são exemplos de “harmonização dos princípios da sucumbência e da causalidade em relação aos honorários”. Mesmo assim, ele entende que essa “mitigação” da lista do CPC deve observar “critérios de moderação e equidade no arbitramento dos honorários de sucumbência, até que se legisle a respeito”.

A simples mudança de rumos na jurisprudência não representa, por si só, um desestímulo à judicialização, conforme opina Rodrigo Forlani, especializado em Direito Processual Civil e integrante da área de Contencioso Cível do escritório Machado Associados. Mas, para ele, essa mudança específica no STJ gera expectativa de “redução da inauguração de incidentes que, em muitas vezes, são verdadeiras aventuras jurídicas”.

STJ autorizou honorários sucumbenciais em situações não listadas no CPC – Reprodução

De acordo com Forlani, “a possibilidade de condenação ao pagamento de honorários de sucumbência certamente fará com que a parte repense a situação antes dar início a esses incidentes que já nascem natimortos”.

Desjudicialização não é certeza
Hélio João Pepe de Moraes, mestre em Direito Processual, entende que, apesar da lista do artigo 85, o CPC possui muitas “zonas cinzentas”, que não deixam muito clara a incidência ou não de honorários.

A desconsideração da personalidade jurídica e a liquidação de sentença são exemplos. O STJ autorizou a condenação em sucumbência a partir de uma leitura mais ampla do Código.

Ele acredita que a legislação precisa esclarecer melhor as hipóteses dessa incidência, “para que a regra e os riscos estejam claros para todos já no início”.

Pepe de Moraes concorda que a possibilidade de pagamento de honorários “tende a inibir a apresentação de procedimentos ou defesas protelatórias, ocasionando melhoria de eficiência jurisdicional”, com um “menor prazo para a entrega da tutela”.

Mesmo assim, ele considera que essa medida, na prática, “acaba sendo de baixíssima eficácia”, devido à “leniente permissividade” do Judiciário em conceder assistência judiciária gratuita. Ou seja, para ele, a desjudicialização é inibida pela gratuidade, que tem o efeito de suspender e, na prática, afastar a incidência de honorários.

O advogado José Miguel Garcia Medina, doutor e mestre em Direito Processual Civil, lembra que a nova decisão do STJ quanto a IDPJs rejeitados ainda convive com outra orientação nas turmas de Direito Privado da corte, contrária à incidência de honorários.

Além disso, o STJ não possui entendimento sobre os casos em que o IDPJ é acolhido. “Isso não está claro e deve gerar mais controvérsia na jurisprudência, tendo como consequência mais recursos subindo ao STJ até que o assunto seja pacificado”, assinala Medina, que integrou a comissão de juristas do Senado responsável pela elaboração do anteprojeto do CPC de 2015.

Em outras palavras, a situação atual de jurisprudência dividida pode, na verdade, causar ainda mais judicialização. E há ainda a indefinição quanto à aplicação do novo entendimento da 3ª Turma aos IDPJs já ajuizados. “Isso geraria muita insegurança jurídica, pois quem pedia a desconsideração anteriormente confiava de boa-fé no entendimento antes pacífico no STJ”, ressalta Medina. Ele defende a modulação da decisão para aplicação somente a pedidos novos.

*Por José Higídio – repórter da revista Consultor Jurídico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2023, 8h48

Decisão foi unânime

04 de Outubro de 2023

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o registro extemporâneo da retirada de um sócio não tem efeitos retroativos e, como consequência, pode acarretar a manutenção de sua responsabilidade por dívidas contraídas pela sociedade.

“O registro possui, em regra, natureza declaratória, o que permite a caracterização do empresário individual ou da sociedade empresária e sua submissão ao regime jurídico empresarial em virtude do exercício da atividade econômica. No entanto, os atos de modificação societária exigem publicidade pelo registro para produzirem efeitos contra terceiros”, declarou o relator do recurso, ministro Antônio Carlos Ferreira.

Na origem do caso, uma sociedade limitada registrada na Junta Comercial do Rio de Janeiro (Jucerja) foi transformada em sociedade simples em 2004, o que transferiu o arquivamento das futuras alterações contratuais para o Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro. Em uma dessas alterações, de 2007, a então sócia administradora deixou a sociedade.

Ocorre que a alteração que transformou a pessoa jurídica em sociedade simples só foi arquivada na Jucerja em 2014. Após ser citada em execuções fiscais decorrentes de débitos contraídos pela sociedade depois de sua saída, a empresária ajuizou ação contra a Jucerja para que fosse retificada a data do arquivamento da transformação societária, mas não teve êxito nas instâncias ordinárias.

Alterações valem desde o princípio se o registro é feito em 30 dias

No STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira observou que, a partir da transformação em sociedade simples, os atos societários passam a ser registrados apenas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. No caso em análise, porém, a transformação do tipo de sociedade só foi arquivada na Jucerja dez anos depois, de modo que, nesse período, a autora da ação continuou a figurar como sócia administradora da empresa.

O relator apontou ainda que, nos termos dos artigos 1.150 e 1.151 do Código Civil e do artigo 36 da Lei 8.934/1994, as alterações de contrato social produzem efeitos a partir da data em que foram lavrados, desde que registrados nos 30 dias seguintes; ou a partir da data do registro, se o prazo não for observado.

“A transformação do tipo societário – de limitada para simples – exigia, primeiramente, seu registro na Junta Comercial para, após e em razão de seu novo tipo societário, ser registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro, como determina a legislação. A ausência de continuidade do registro na Junta Comercial possibilitou que as ações fossem direcionadas contra a recorrente exatamente pelo fato de que, formalmente, ela figurava como sócia administradora naquela entidade registral”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso.

Fonte: STJ

02.10.2023

logo-trans.png

Cidadania. Uma palavra tão utilizada, tão comentada e nem sempre compreendida em sua acepção plena. Tomando um conceito mais restrito, ela estaria relacionada especificamente a deveres e direitos políticos, como votar e ser votado. Em seu sentido mais amplo e moderno, contudo, a cidadania passa a representar toda a gama de direitos do indivíduo perante o Estado, e a capacidade de cada pessoa de exercê-los e defendê-los: é, no fundo, o direito a ter direitos.

Uma palavra, vários significados. Compreender a cidadania envolve conhecer não apenas os direitos e o modo de exercitá-los, mas de onde eles surgiram e para onde podem nos levar. Entender a cidadania, assim, é conhecer as suas diferentes expressões, os seus distintos lados, como em um polígono de sentidos: são elas, múltiplas e conectadas, as faces da cidadania.

A história da cidadania no Brasil tem como ponto alto a Constituição de 1988, que a reconheceu como fundamento da República, além de inaugurar e sistematizar um vasto conjunto de direitos – não por outra razão, foi chamada Constituição Cidadã. Entre as suas principais inovações, ela criou um tribunal superior que, por sua origem e suas atribuições, recebeu o apelido de Tribunal da Cidadania: nascia, também em 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que viria a ser instalado em 7 de abril de 1989.

“Nos últimos 35 anos, o STJ, nosso Tribunal da Cidadania, transformou a sua alcunha em verdadeira vocação ao contribuir para dar efetividade aos direitos inaugurados ou ampliados pela Constituição de 1988. Por meio de precedentes históricos, o STJ deu concretude a diferentes direitos em temas como educação, meio ambiente e relações de consumo – todos relacionados à plenitude de existência e à dignidade para cidadãs e cidadãos”, resume a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Ao longo dos próximos meses, a série especial Faces da Cidadania, produzida pela Secretaria de Comunicação Social do STJ, vai mostrar como esses direitos surgiram na Constituição e como têm sido interpretados pelo Tribunal da Cidadania nos últimos 35 anos. Nesta primeira matéria, a cidadania é explicada por quem a estuda e por quem conhece de perto os desafios de seu exercício.

A Constituição dos direitos e o fortalecimento do Poder Judiciário

Segundo o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e especialista em direito constitucional Ingo Sarlet, o reconhecimento de direitos na Constituição de 1988 tem relação não só com o contexto de ruptura com o regime militar, mas igualmente com a ampla participação social no processo de edição da nova Carta Magna. Como exemplo, o jurista cita as 122 emendas populares apresentadas no processo legislativo constitucional, que reuniram mais de 12 milhões de assinaturas.

“A assim chamada Constituição Cidadã consiste em texto constitucional sem precedentes na história do Brasil, seja quanto a sua amplitude, seja no que diz com o seu conteúdo, não sendo desapropriado afirmar que se trata também de um contributo brasileiro para o constitucionalismo mundial”, define.​​​​​​​​​

Plenário da Câmara dos Deputados, 5 de outubro de 1988: constituintes comemoram a promulgação da nova Carta Magna. | Foto: Arquivo Agência Brasil​

Pela primeira vez na história brasileira, aponta Sarlet, a dignidade da pessoa humana é alçada à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que se utiliza, de modo pioneiro entre as constituições nacionais, a terminologia dos direitos fundamentais. Já no seu processo de revisão e atualização (por meio das emendas constitucionais), destaca o jurista, novos direitos passam a ser assegurados, como moradia, alimentação, razoável duração do processo e proteção de dados.

Adicionalmente, a partir do fortalecimento, pela CF/88, do Poder Judiciário e da garantia de amplo acesso à Justiça, o professor comenta que a jurisprudência brasileira foi responsável pela confirmação de vários outros direitos. Com a contribuição do STJ, destaca Sarlet, foram garantidos os sigilos fiscal e bancário e o direito à ressocialização dos presos, à origem de identidade genética, à identidade sexual e ao mínimo existencial.

STJ: interpretação das leis federais para a efetivação de direitos

Para Ingo Sarlet, a cidadania também foi influenciada pela incorporação de tratados internacionais de direitos humanos. Entre eles, o professor destaca a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, Tratado de Marraqueche para o acesso de cegos a obras publicadas e a Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância   os três últimos aprovados pelo Congresso Nacional com status de emenda constitucional.

No campo infraconstitucional, o jurista considera diretamente ligadas ao exercício da cidadania normas como a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, surgidas depois de 1988. No tocante à proteção de minorias e grupos vulneráveis, Sarlet cita, ainda, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Pessoa Idosa, o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

É exatamente na interpretação da lei federal infraconstitucional que o STJ forjou suas principais contribuições para a cidadania, considerada como efetiva fruição dos direitos políticos e civis, sociais, culturais, econômicos e ambientais.

No campo do direito privado, Sarlet cita como exemplos a Súmula 297 do tribunal, segundo a qual o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, e a Súmula 364, que estendeu a impenhorabilidade do bem de família aos imóveis de pessoas solteiras, separadas e viúvas.

Em relação ao direito ambiental, o jurista lembra o entendimento da corte sobre o poluidor indireto e o ineditismo da definição, pelo STJ, da natureza objetiva da responsabilidade civil ambiental. Sarlet ainda enfatiza precedentes no âmbito do direito penal que estabeleceram proteções à pessoa diante da atuação do sistema de segurança pública, como a garantia à justa persecução penal e a necessidade de prova do consentimento do morador, em algumas situações, para o ingresso policial em domicílio sem mandado judicial.

Esses e outros precedentes históricos do STJ serão detalhados ao longo da série Faces da Cidadania.

A cidadania e suas faces humanas

Se a cidadania tem várias faces, várias também são as faces daqueles que a exercem. Para cada rosto, cada história, há um sentimento em relação à cidadania, uma visão diferente e particular sobre os desafios para o seu exercício e sobre o que esperar dela no futuro.

Longe de esgotar essa diversidade, três pessoas conversaram com o STJ a respeito das suas perspectivas em relação à cidadania e, nesses relatos, compartilharam experiências que ajudam a compreender a dimensão da luta pela efetivação de direitos.

No caso da advogada Patrícia Guimarães, o sentimento de cidadania tem relação íntima com sua origem, sua cor e sua luta: mulher negra, Patrícia é descendente de quilombolas – seu pai nasceu e foi criado na comunidade Kalunga, em Monte Alegre (GO), assim como os seus ancestrais – e vê na periferia o principal exemplo dos desafios para que o Brasil seja, de fato, um país com pleno exercício da cidadania.

Vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB do Distrito Federal, a advogada coloca a mulher negra na base da pirâmide social: ela é maioria, afirma, mas também é aquela que sofre a maior gama de preconceitos. Além de não ter acesso digno à educação, à saúde e ao mercado de trabalho, Patrícia lembra que essa mulher – em geral, periférica – ainda é alvo preferencial de discriminação e de violência doméstica.

“Dificilmente você verá uma mulher negra em um cargo de poder. Vemos muitas meninas negras até o ensino fundamental, mas ainda há muitas dificuldades no acesso de mulheres negras, por exemplo, a uma universidade – em especial, às instituições particulares”, ressalta.

Mesmo superando alguns desses desafios e tendo qualificação profissional como advogada, Patrícia Guimarães comenta que é alvo de preconceitos em sua atividade: antes de inaugurar o seu próprio escritório, ela chegou a ser preterida em entrevistas de emprego em razão da cor; nos atendimentos a potenciais clientes, já foi rejeitada pelo simples fato de que as pessoas buscavam uma advogada, mas não uma mulher negra.

“Isso aconteceu diversas vezes. A pessoa conversa comigo por telefone, se interessa pelo meu trabalho e, quando vai ao escritório e conhece uma mulher preta, se decepciona. Hoje, essa situação não assusta, mas é uma coisa que ainda dói”, resume.

Além de sua atuação voltada para a defesa dos direitos das pessoas mais pobres – a cidadania que mora nas periferias –, a advogada deve inaugurar um instituto específico para o apoio à mulher negra periférica, preparando-a, em especial, para o mercado de trabalho. “A intenção é que consigamos alavancar a vida das mulheres negras, porque nós sabemos que ela é a base da pirâmide, mas raramente consegue chegar no topo – muitas vezes, ela não chega nem no meio da pirâmide”, afirma.

A proteção da cidadania para as pessoas com deficiência

Para o bancário Oldemar Barbosa, a luta pelo pleno exercício da cidadania começou aos 11 meses de idade, quando recebeu o diagnóstico de poliomielite. Criado na zona rural de Toledo (PR), ele não recebeu a vacina contra a doença e, em consequência da pólio, ficou paraplégico, necessitando permanentemente de cadeira de rodas.

Apesar das dificuldades para conseguir reabilitação motora e concluir os estudos, Oldemar se formou em ciências econômicas e, após passar em concurso público do Banco do Brasil, mudou-se para Brasília, onde começou a participar da Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade (Apabb). Por meio da Apabb, o bancário e outros voluntários auxiliam as pessoas com deficiência – e suas famílias – para que tenham mais autonomia nas atividades diárias.

Para Oldemar, a cidadania reside no direito ao voto, na fiscalização do governo, mas também na garantia de vagas de estacionamento às pessoas com deficiência, na construção e na preservação de rampas de acesso, na modificação arquitetônica de espaços para que indivíduos com condições especiais possam transitar livremente.

Sobre as dificuldades de garantir a cidadania em todos os níveis, o bancário lembra um episódio: certa vez, alugou apartamento em um prédio que possuía vagas de garagem destinadas a pessoas com deficiência, mas uma delas foi indevidamente vinculada a imóvel cujo comprador não tinha nenhuma necessidade especial. Para resolver a situação, o bancário precisou recorrer ao Procon e à administração regional.   

Na visão de Oldemar Barbosa, a efetivação da cidadania passa pela conscientização da sociedade de que os direitos garantidos às pessoas com deficiência não são benefícios injustificados, mas se destinam a atender de maneira diferente indivíduos com necessidades diferentes – tudo para que, no fim, as pessoas possam ser um pouco mais iguais.

“Se você tem uma vaga especial para a pessoa com deficiência, por exemplo, é porque essa pessoa precisa de um espaço específico para movimentar a sua cadeira de rodas, para abrir a porta do carro de forma mais ampla e conseguir se locomover sem dificuldades. Precisamos de banheiros diferenciados porque é necessário se apoiar nas barras e fazer a movimentação da cadeira naquele espaço”, aponta o bancário.

A exclusão social da pessoa idosa como negação da cidadania

A vivência do professor aposentado Vicente Faleiros com o tema cidadania não vem do mero decurso de seus 82 anos, mas das sucessivas experiências com o exercício de direitos – ou com a limitação deles – ao longo da vida. Sob o regime militar, por exemplo, a prisão política e o exílio lhe permitiram compreender que a principal ameaça à cidadania é a violência, em todas as suas formas – seja por intolerância, seja por arbitrariedade do Estado.

Doutor em sociologia e professor universitário, Faleiros se aprimorou em estudos relacionados à pessoa idosa, com pesquisas que evidenciaram a negligência social com esse grupo. Tornou-se pesquisador do tema e fundador do Fórum Distrital dos Direitos da Pessoa Idosa e integrante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, na qual coordena uma comissão para elaboração de políticas públicas.

Na opinião de Vicente Faleiros, cidadania envolve uma rede de proteção para o exercício de direitos e a primazia da inclusão social, mas a situação vivida diariamente pelas pessoas mais velhas é diametralmente oposta: muitas vezes, afirma, elas sofrem do idadismo – o preconceito em relação à idade –, são consideradas “um peso para a sociedade”, recebem discriminação até pelo andar mais lento, além de serem vistas como incapazes, improdutivas, feias. Excluídas do convívio social, diz Faleiros, são excluídas da própria cidadania.

Segundo o professor aposentado, ser uma pessoa idosa cidadã é ter garantidos os direitos humanos fundamentais e, ao mesmo tempo, os direitos específicos desse grupo. É, para ele, a transmutação da ótica da compaixão em ótica da cidadania.

Para ele, a efetivação da cidadania depende da luta contra a desigualdade, a intolerância, a violência e a exclusão social, e, do mesmo modo, do fortalecimento do Estado Democrático de Direito e do pleno exercício da justiça. “Todos que querem viver muito precisam ficar velhos ou velhas. Por isso, é necessário ter uma sociedade inclusiva para crianças, jovens, adultos e pessoas idosas, de diferentes condições”, diz o professor.

A série especial Faces da Cidadania, produzida pela Secretaria de Comunicação Social do STJ, apresenta diferentes direitos relacionados ao pleno exercício da cidadania e a contribuição do tribunal para a sua efetivação nos 35 anos de vigência da Constituição de 1988. As matérias são publicadas aos domingos.

Fonte: STJ

A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, suspendeu a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou o prosseguimento da recuperação judicial da Aelbra, sociedade mantenedora da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), com previsão de alienação de parte rentável do seu patrimônio, sem assegurar a manutenção de bens passíveis de cobrir as dívidas fiscais mediante alienação judicial.

29/09/2023

Na decisão, a ministra considerou, entre outros argumentos, que o prosseguimento da recuperação e a venda dos bens da sociedade poderiam causar lesão grave à economia pública, uma vez que a Aelbra tem um passivo fiscal superior a R$ 6 bilhões.

Aelbra tem dívidas tributárias de mais de R$ 6 bilhões

De acordo com o pedido de suspensão submetido ao STJ pela União, em 2018, quando já acumulava passivo fiscal de quase R$ 6 bilhões e passivo trabalhista superior a R$ 600 milhões, fora dívidas bilionárias com outros credores, a Aelbra teria sido transformada de associação em sociedade anônima, com capital social de apenas R$ 5 mil, tendo em seguida ingressado com o pedido de recuperação judicial. O plano de recuperação aprovado por último, entre outras medidas, previu a alienação de uma unidade produtiva isolada (UPI Umesa), fruto da cisão parcial da recuperanda, que ficaria responsável pelo curso de medicina.

A Fazenda Nacional, então, requereu seu ingresso no processo de recuperação, sustentando que a transformação realizada seria nula e que a devedora, por ser uma associação, não poderia valer-se da recuperação judicial.

Os argumentos da Fazenda Nacional foram acolhidos pelo juízo de primeiro grau, o qual determinou a suspensão do leilão dos bens da Aelbra no curso da recuperação. Contudo, a decisão foi revertida pelo TJRS, que determinou o prosseguimento da recuperação com a execução do plano de recuperação alternativo apresentado.

Ao STJ, a Fazenda Nacional alegou que a decisão questionada violou a ordem pública e trouxe risco de dano irreversível à economia pública, beneficiando única e exclusivamente os supostos fraudadores.

Garantia para a Fazenda é a possibilidade de alienação de bens do devedor

A presidente do STJ observou que os créditos tributários estão fora do concurso de credores ou mesmo da necessidade de habilitação em falência, recuperação judicial, liquidação, inventário ou arrolamento, conforme dispõem o artigo 187 do Código Tributário Nacional (CTN) e o artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais (LEF).

Segundo a ministra, essa singularidade assegura à Fazenda o direito de propor ou dar seguimento às execuções já ajuizadas, que deverão ser garantidas por penhora de bens do devedor, observando-se o procedimento da LEF.

“Se o crédito tributário está fora da recuperação judicial, por óbvio, não será contemplado pelo plano de pagamento dos credores. A garantia de seu pagamento reside na possibilidade de penhora e alienação de bens do devedor. Logo, se a parte boa do ativo é alienada, restará sob a titularidade da recuperanda – não é difícil imaginar – patrimônio de valor duvidoso ou, no mínimo, de alienação pouco ou nada atrativa, permitindo antever o insucesso das tentativas de apurar valores para quitação dos débitos”, declarou.

Transferência da UPI Umesa exige autorização do MEC

Além disso, Maria Thereza de Assis Moura ressaltou que a execução do plano de recuperação, na forma como prevista, com a alienação da UPI Umesa, resulta em afronta à ordem pública, pois pode levar à transferência da titularidade do curso de medicina sem prévia autorização do Ministério da Educação (MEC), requisito indispensável à regular atuação do setor privado no ensino.

A ministra explicou que, à luz do artigo 209 da Constituição Federal, a iniciativa privada precisa de autorização do MEC para atuar em educação. “Sob essa perspectiva, portanto, tem-se configurada, também, a forte probabilidade de lesão à ordem pública, representada na obrigação de o poder público – no caso, a União – zelar para escorreita, legal e regular atuação da iniciativa privada no ensino superior”, concluiu a ministra ao deferir o pedido de suspensão.

Leia a decisão na SLS 3.319.

Segundo o colegiado, para a admissão da penhora em tal situação, não faz diferença que as partes, no passado, tenham formado um casal.

29 de Setembro de 2023

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu, em execução de aluguéis, a penhora e a adjudicação de um imóvel – bem de família legal – que ficou sob uso exclusivo de um dos companheiros após a dissolução da união estável. Segundo o colegiado, para a admissão da penhora em tal situação, não faz diferença que as partes, no passado, tenham formado um casal.

No caso dos autos, uma mulher ajuizou ação de extinção de condomínio contra o ex-companheiro, com o propósito de obter autorização judicial para a venda do imóvel em que eles haviam morado e dividir o dinheiro em partes iguais. O homem propôs reconvenção, pleiteando o ressarcimento de valores que gastou com o imóvel e a condenação da ex-companheira a pagar 50% do valor de mercado do aluguel, uma vez que ela se beneficiou exclusivamente do bem após o rompimento da relação.

A sentença acolheu os pedidos formulados na ação principal e na reconvenção. Concluída a fase de liquidação de sentença, apurou-se que o valor devido pela mulher ao seu ex-companheiro era de cerca de R$ 1 milhão. Ele deu início à fase de cumprimento de sentença, e, como a mulher não pagou a obrigação, sobreveio o pedido do credor para adjudicar o imóvel, o qual foi deferido pelo magistrado, que também determinou a expedição de mandado de imissão na posse.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) negou provimento ao recurso da mulher. Ao STJ, ela alegou que o imóvel era bem de família legal e, como tal, estava protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990, o que incluiria o produto da alienação.

Existência passada de união estável não impede aplicação de precedente

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que, conforme precedente do STJ no REsp 1.888.863, é admissível a penhora de imóvel em regime de copropriedade quando é utilizado com exclusividade para moradia da família de um dos coproprietários e este foi condenado a pagar aluguéis ao coproprietário que não usufrui do bem. De acordo com a ministra, o aluguel por uso exclusivo do imóvel constitui obrigação propter rem e, assim, enquadra-se na exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.009/1990.

Para a ministra, embora existam diferenças entre a situação fática daquele precedente e o caso em julgamento, há similitude suficiente para impor idêntica solução jurídica, aplicando-se o princípio segundo o qual, onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir.

“Significa dizer, pois, que não é suficientemente relevante o fato de ter havido pretérita relação convivencial entre as partes para o fim de definir se são admissíveis, ou não, a penhora e a adjudicação do imóvel em que residiam em favor de um dos ex-conviventes”, declarou.

Adjudicação não deve ser condicionada à prévia indenização da recorrente

Nancy Andrighi apontou que não seria razoável determinar a venda de um patrimônio que até então era protegido como bem de família e, em seguida, estender ao dinheiro arrecadado a proteção da impenhorabilidade que recaía especificamente sobre o imóvel, pois essa hipótese não está contemplada na Lei 8.009/1990.

 “Também não é adequado condicionar a adjudicação do imóvel pelo recorrido ao prévio pagamento de indenização à recorrente, nos moldes do artigo 1.322 do Código Civil, quando aquele possui crédito, oriundo da fruição exclusiva do mesmo imóvel, que pode ser satisfeito, total ou parcialmente, com a adjudicação, pois isso equivaleria a onerar excessivamente o credor, subvertendo integralmente a lógica do processo executivo”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra um banco por diversas irregularidades nas contratações de financiamento e de empréstimo consignado.

27 de Setembro de 202

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a ausência da publicação do edital previsto no artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não torna o processo nulo se a sentença for, ao menos em parte, favorável aos consumidores; caso contrário, deverá ser declarada nulidade processual absoluta.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra um banco por diversas irregularidades nas contratações de financiamento e de empréstimo consignado. O juízo considerou a ação improcedente, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou a sentença e declarou a nulidade de todos os atos processuais desde a citação, sob o fundamento de que a falta de publicação do edital, conforme o disposto no artigo 94 do CDC, gera nulidade absoluta, pois se trata de matéria de ordem pública.

No recurso ao STJ, o banco sustentou que a ausência do edital configura irregularidade sanável, além do que não teria havido prejuízo aos consumidores.

Ação civil pública evita insegurança jurídica e excesso de processos

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que “o MP detém legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública que vise assegurar adequada tutela coletiva de direitos dos consumidores”, de acordo com o disposto no artigo 82 do CDC.

A ministra ressaltou que esse tipo de ação civil é o meio mais adequado para tutelar direitos e interesses indisponíveis ou de repercussão social, nos casos de conflito de massa.

“No processo coletivo, evita-se a prolação de múltiplas decisões judiciais sobre o mesmo tema, fato que contribui para a geração de uma possível insegurança jurídica e para o aumento da sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário”, completou.

Nulidade depende do impacto da decisão para o consumidor

De acordo com a relatora, o objetivo do artigo 94 do CDC é beneficiar o consumidor. “Sendo norma favorável ao consumidor, como tal deve ser interpretada (interpretação teleológica), a fim de que o dispositivo possa, efetivamente, atingir a finalidade almejada pelo legislador”, disse.

Desse modo – acrescentou Nancy Andrighi –, se a sentença for, ao menos em parte, favorável aos consumidores, o processo não poderá ser anulado com base na falta de publicação do edital, pois não terá havido prejuízo. A ministra lembrou que o juiz não deve anular o ato quando puder decidir a favor da parte à qual seria útil a decretação do vício, segundo o artigo 282, parágrafo 2º, do CPC.

Por outro lado, ela ressaltou que a ausência do edital constituirá nulidade absoluta quando a demanda coletiva for extinta sem resolução do mérito ou julgada improcedente. “Evidente o dano causado aos consumidores, que não tiveram ciência oficial do trâmite do processo e não puderam habilitar-se nos autos como litisconsortes, agregando eventuais dados que pudessem alterar o resultado final da demanda”, enfatizou.

Fonte: STJ

Em seu voto, o ministro Francisco Falcão esclareceu que o texto do artigo 1.025 do CPC/2015 não invalidou a Súmula 211 do STJ, segundo a qual é inadmissível recurso especial quanto à questão que, embora tenha sido apontada nos embargos de declaração em segundo grau, não foi efetivamente apreciada pelo tribunal de origem.

22 de Setembro de 2023

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que, para aplicação do artigo 1.025 do Código de Processo Civil (CPC) – que trata da oposição de embargos de declaração em segunda instância com a finalidade de prequestiornar a matéria que será levada ao tribunal superior – e conhecimento das alegações da parte em recurso especial, é necessário o cumprimento cumulativo de alguns critérios:

1) Ter havido a oposição dos embargos de declaração no tribunal de origem;

2) Ser indicada, no recurso especial, violação do artigo 1.022 do CPC/2015;

3) A questão discutida no recurso especial deve ter sido previamente alegada nos embargos de declaração em segundo grau e devolvida para julgamento ao tribunal de origem, além de ser relevante e pertinente com a matéria debatida.

O prequestionamento é um dos requisitos exigidos pelo texto constitucional para admissão do recurso especial submetido ao STJ.  Nos termos do artigo 1.025 do CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a parte embargante suscitou em segunda instância, para fins de prequestionamento, mesmo que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, nas hipóteses em que o tribunal superior considere a existência de erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Artigo 1.025 do CPC/2015 não invalidou Súmula 211 do STJ

Em seu voto, o ministro Francisco Falcão esclareceu que o texto do artigo 1.025 do CPC/2015 não invalidou a Súmula 211 do STJ, segundo a qual é inadmissível recurso especial quanto à questão que, embora tenha sido apontada nos embargos de declaração em segundo grau, não foi efetivamente apreciada pelo tribunal de origem.

No tocante aos requisitos cumulativos para apreciação, em recurso especial, dos temas trazidos nos embargos declaratórios opostos em segunda instância, o relator citou uma série de precedentes do STJ que enfrentaram o assunto, a exemplo do REsp 1.459.940, no qual a Segunda Turma entendeu necessário que os embargos sejam julgados pelo tribunal local ou regional, e do AREsp 1.433.961, do mesmo colegiado, o qual tratou da necessidade de pertinência dos embargos com a matéria controvertida.

Fonte: STJ