Posts

02.10.2023

logo-trans.png

Cidadania. Uma palavra tão utilizada, tão comentada e nem sempre compreendida em sua acepção plena. Tomando um conceito mais restrito, ela estaria relacionada especificamente a deveres e direitos políticos, como votar e ser votado. Em seu sentido mais amplo e moderno, contudo, a cidadania passa a representar toda a gama de direitos do indivíduo perante o Estado, e a capacidade de cada pessoa de exercê-los e defendê-los: é, no fundo, o direito a ter direitos.

Uma palavra, vários significados. Compreender a cidadania envolve conhecer não apenas os direitos e o modo de exercitá-los, mas de onde eles surgiram e para onde podem nos levar. Entender a cidadania, assim, é conhecer as suas diferentes expressões, os seus distintos lados, como em um polígono de sentidos: são elas, múltiplas e conectadas, as faces da cidadania.

A história da cidadania no Brasil tem como ponto alto a Constituição de 1988, que a reconheceu como fundamento da República, além de inaugurar e sistematizar um vasto conjunto de direitos – não por outra razão, foi chamada Constituição Cidadã. Entre as suas principais inovações, ela criou um tribunal superior que, por sua origem e suas atribuições, recebeu o apelido de Tribunal da Cidadania: nascia, também em 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que viria a ser instalado em 7 de abril de 1989.

“Nos últimos 35 anos, o STJ, nosso Tribunal da Cidadania, transformou a sua alcunha em verdadeira vocação ao contribuir para dar efetividade aos direitos inaugurados ou ampliados pela Constituição de 1988. Por meio de precedentes históricos, o STJ deu concretude a diferentes direitos em temas como educação, meio ambiente e relações de consumo – todos relacionados à plenitude de existência e à dignidade para cidadãs e cidadãos”, resume a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Ao longo dos próximos meses, a série especial Faces da Cidadania, produzida pela Secretaria de Comunicação Social do STJ, vai mostrar como esses direitos surgiram na Constituição e como têm sido interpretados pelo Tribunal da Cidadania nos últimos 35 anos. Nesta primeira matéria, a cidadania é explicada por quem a estuda e por quem conhece de perto os desafios de seu exercício.

A Constituição dos direitos e o fortalecimento do Poder Judiciário

Segundo o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e especialista em direito constitucional Ingo Sarlet, o reconhecimento de direitos na Constituição de 1988 tem relação não só com o contexto de ruptura com o regime militar, mas igualmente com a ampla participação social no processo de edição da nova Carta Magna. Como exemplo, o jurista cita as 122 emendas populares apresentadas no processo legislativo constitucional, que reuniram mais de 12 milhões de assinaturas.

“A assim chamada Constituição Cidadã consiste em texto constitucional sem precedentes na história do Brasil, seja quanto a sua amplitude, seja no que diz com o seu conteúdo, não sendo desapropriado afirmar que se trata também de um contributo brasileiro para o constitucionalismo mundial”, define.​​​​​​​​​

Plenário da Câmara dos Deputados, 5 de outubro de 1988: constituintes comemoram a promulgação da nova Carta Magna. | Foto: Arquivo Agência Brasil​

Pela primeira vez na história brasileira, aponta Sarlet, a dignidade da pessoa humana é alçada à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que se utiliza, de modo pioneiro entre as constituições nacionais, a terminologia dos direitos fundamentais. Já no seu processo de revisão e atualização (por meio das emendas constitucionais), destaca o jurista, novos direitos passam a ser assegurados, como moradia, alimentação, razoável duração do processo e proteção de dados.

Adicionalmente, a partir do fortalecimento, pela CF/88, do Poder Judiciário e da garantia de amplo acesso à Justiça, o professor comenta que a jurisprudência brasileira foi responsável pela confirmação de vários outros direitos. Com a contribuição do STJ, destaca Sarlet, foram garantidos os sigilos fiscal e bancário e o direito à ressocialização dos presos, à origem de identidade genética, à identidade sexual e ao mínimo existencial.

STJ: interpretação das leis federais para a efetivação de direitos

Para Ingo Sarlet, a cidadania também foi influenciada pela incorporação de tratados internacionais de direitos humanos. Entre eles, o professor destaca a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, Tratado de Marraqueche para o acesso de cegos a obras publicadas e a Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância   os três últimos aprovados pelo Congresso Nacional com status de emenda constitucional.

No campo infraconstitucional, o jurista considera diretamente ligadas ao exercício da cidadania normas como a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, surgidas depois de 1988. No tocante à proteção de minorias e grupos vulneráveis, Sarlet cita, ainda, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Pessoa Idosa, o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

É exatamente na interpretação da lei federal infraconstitucional que o STJ forjou suas principais contribuições para a cidadania, considerada como efetiva fruição dos direitos políticos e civis, sociais, culturais, econômicos e ambientais.

No campo do direito privado, Sarlet cita como exemplos a Súmula 297 do tribunal, segundo a qual o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, e a Súmula 364, que estendeu a impenhorabilidade do bem de família aos imóveis de pessoas solteiras, separadas e viúvas.

Em relação ao direito ambiental, o jurista lembra o entendimento da corte sobre o poluidor indireto e o ineditismo da definição, pelo STJ, da natureza objetiva da responsabilidade civil ambiental. Sarlet ainda enfatiza precedentes no âmbito do direito penal que estabeleceram proteções à pessoa diante da atuação do sistema de segurança pública, como a garantia à justa persecução penal e a necessidade de prova do consentimento do morador, em algumas situações, para o ingresso policial em domicílio sem mandado judicial.

Esses e outros precedentes históricos do STJ serão detalhados ao longo da série Faces da Cidadania.

A cidadania e suas faces humanas

Se a cidadania tem várias faces, várias também são as faces daqueles que a exercem. Para cada rosto, cada história, há um sentimento em relação à cidadania, uma visão diferente e particular sobre os desafios para o seu exercício e sobre o que esperar dela no futuro.

Longe de esgotar essa diversidade, três pessoas conversaram com o STJ a respeito das suas perspectivas em relação à cidadania e, nesses relatos, compartilharam experiências que ajudam a compreender a dimensão da luta pela efetivação de direitos.

No caso da advogada Patrícia Guimarães, o sentimento de cidadania tem relação íntima com sua origem, sua cor e sua luta: mulher negra, Patrícia é descendente de quilombolas – seu pai nasceu e foi criado na comunidade Kalunga, em Monte Alegre (GO), assim como os seus ancestrais – e vê na periferia o principal exemplo dos desafios para que o Brasil seja, de fato, um país com pleno exercício da cidadania.

Vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB do Distrito Federal, a advogada coloca a mulher negra na base da pirâmide social: ela é maioria, afirma, mas também é aquela que sofre a maior gama de preconceitos. Além de não ter acesso digno à educação, à saúde e ao mercado de trabalho, Patrícia lembra que essa mulher – em geral, periférica – ainda é alvo preferencial de discriminação e de violência doméstica.

“Dificilmente você verá uma mulher negra em um cargo de poder. Vemos muitas meninas negras até o ensino fundamental, mas ainda há muitas dificuldades no acesso de mulheres negras, por exemplo, a uma universidade – em especial, às instituições particulares”, ressalta.

Mesmo superando alguns desses desafios e tendo qualificação profissional como advogada, Patrícia Guimarães comenta que é alvo de preconceitos em sua atividade: antes de inaugurar o seu próprio escritório, ela chegou a ser preterida em entrevistas de emprego em razão da cor; nos atendimentos a potenciais clientes, já foi rejeitada pelo simples fato de que as pessoas buscavam uma advogada, mas não uma mulher negra.

“Isso aconteceu diversas vezes. A pessoa conversa comigo por telefone, se interessa pelo meu trabalho e, quando vai ao escritório e conhece uma mulher preta, se decepciona. Hoje, essa situação não assusta, mas é uma coisa que ainda dói”, resume.

Além de sua atuação voltada para a defesa dos direitos das pessoas mais pobres – a cidadania que mora nas periferias –, a advogada deve inaugurar um instituto específico para o apoio à mulher negra periférica, preparando-a, em especial, para o mercado de trabalho. “A intenção é que consigamos alavancar a vida das mulheres negras, porque nós sabemos que ela é a base da pirâmide, mas raramente consegue chegar no topo – muitas vezes, ela não chega nem no meio da pirâmide”, afirma.

A proteção da cidadania para as pessoas com deficiência

Para o bancário Oldemar Barbosa, a luta pelo pleno exercício da cidadania começou aos 11 meses de idade, quando recebeu o diagnóstico de poliomielite. Criado na zona rural de Toledo (PR), ele não recebeu a vacina contra a doença e, em consequência da pólio, ficou paraplégico, necessitando permanentemente de cadeira de rodas.

Apesar das dificuldades para conseguir reabilitação motora e concluir os estudos, Oldemar se formou em ciências econômicas e, após passar em concurso público do Banco do Brasil, mudou-se para Brasília, onde começou a participar da Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade (Apabb). Por meio da Apabb, o bancário e outros voluntários auxiliam as pessoas com deficiência – e suas famílias – para que tenham mais autonomia nas atividades diárias.

Para Oldemar, a cidadania reside no direito ao voto, na fiscalização do governo, mas também na garantia de vagas de estacionamento às pessoas com deficiência, na construção e na preservação de rampas de acesso, na modificação arquitetônica de espaços para que indivíduos com condições especiais possam transitar livremente.

Sobre as dificuldades de garantir a cidadania em todos os níveis, o bancário lembra um episódio: certa vez, alugou apartamento em um prédio que possuía vagas de garagem destinadas a pessoas com deficiência, mas uma delas foi indevidamente vinculada a imóvel cujo comprador não tinha nenhuma necessidade especial. Para resolver a situação, o bancário precisou recorrer ao Procon e à administração regional.   

Na visão de Oldemar Barbosa, a efetivação da cidadania passa pela conscientização da sociedade de que os direitos garantidos às pessoas com deficiência não são benefícios injustificados, mas se destinam a atender de maneira diferente indivíduos com necessidades diferentes – tudo para que, no fim, as pessoas possam ser um pouco mais iguais.

“Se você tem uma vaga especial para a pessoa com deficiência, por exemplo, é porque essa pessoa precisa de um espaço específico para movimentar a sua cadeira de rodas, para abrir a porta do carro de forma mais ampla e conseguir se locomover sem dificuldades. Precisamos de banheiros diferenciados porque é necessário se apoiar nas barras e fazer a movimentação da cadeira naquele espaço”, aponta o bancário.

A exclusão social da pessoa idosa como negação da cidadania

A vivência do professor aposentado Vicente Faleiros com o tema cidadania não vem do mero decurso de seus 82 anos, mas das sucessivas experiências com o exercício de direitos – ou com a limitação deles – ao longo da vida. Sob o regime militar, por exemplo, a prisão política e o exílio lhe permitiram compreender que a principal ameaça à cidadania é a violência, em todas as suas formas – seja por intolerância, seja por arbitrariedade do Estado.

Doutor em sociologia e professor universitário, Faleiros se aprimorou em estudos relacionados à pessoa idosa, com pesquisas que evidenciaram a negligência social com esse grupo. Tornou-se pesquisador do tema e fundador do Fórum Distrital dos Direitos da Pessoa Idosa e integrante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, na qual coordena uma comissão para elaboração de políticas públicas.

Na opinião de Vicente Faleiros, cidadania envolve uma rede de proteção para o exercício de direitos e a primazia da inclusão social, mas a situação vivida diariamente pelas pessoas mais velhas é diametralmente oposta: muitas vezes, afirma, elas sofrem do idadismo – o preconceito em relação à idade –, são consideradas “um peso para a sociedade”, recebem discriminação até pelo andar mais lento, além de serem vistas como incapazes, improdutivas, feias. Excluídas do convívio social, diz Faleiros, são excluídas da própria cidadania.

Segundo o professor aposentado, ser uma pessoa idosa cidadã é ter garantidos os direitos humanos fundamentais e, ao mesmo tempo, os direitos específicos desse grupo. É, para ele, a transmutação da ótica da compaixão em ótica da cidadania.

Para ele, a efetivação da cidadania depende da luta contra a desigualdade, a intolerância, a violência e a exclusão social, e, do mesmo modo, do fortalecimento do Estado Democrático de Direito e do pleno exercício da justiça. “Todos que querem viver muito precisam ficar velhos ou velhas. Por isso, é necessário ter uma sociedade inclusiva para crianças, jovens, adultos e pessoas idosas, de diferentes condições”, diz o professor.

A série especial Faces da Cidadania, produzida pela Secretaria de Comunicação Social do STJ, apresenta diferentes direitos relacionados ao pleno exercício da cidadania e a contribuição do tribunal para a sua efetivação nos 35 anos de vigência da Constituição de 1988. As matérias são publicadas aos domingos.

Fonte: STJ

A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, suspendeu a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou o prosseguimento da recuperação judicial da Aelbra, sociedade mantenedora da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), com previsão de alienação de parte rentável do seu patrimônio, sem assegurar a manutenção de bens passíveis de cobrir as dívidas fiscais mediante alienação judicial.

29/09/2023

Na decisão, a ministra considerou, entre outros argumentos, que o prosseguimento da recuperação e a venda dos bens da sociedade poderiam causar lesão grave à economia pública, uma vez que a Aelbra tem um passivo fiscal superior a R$ 6 bilhões.

Aelbra tem dívidas tributárias de mais de R$ 6 bilhões

De acordo com o pedido de suspensão submetido ao STJ pela União, em 2018, quando já acumulava passivo fiscal de quase R$ 6 bilhões e passivo trabalhista superior a R$ 600 milhões, fora dívidas bilionárias com outros credores, a Aelbra teria sido transformada de associação em sociedade anônima, com capital social de apenas R$ 5 mil, tendo em seguida ingressado com o pedido de recuperação judicial. O plano de recuperação aprovado por último, entre outras medidas, previu a alienação de uma unidade produtiva isolada (UPI Umesa), fruto da cisão parcial da recuperanda, que ficaria responsável pelo curso de medicina.

A Fazenda Nacional, então, requereu seu ingresso no processo de recuperação, sustentando que a transformação realizada seria nula e que a devedora, por ser uma associação, não poderia valer-se da recuperação judicial.

Os argumentos da Fazenda Nacional foram acolhidos pelo juízo de primeiro grau, o qual determinou a suspensão do leilão dos bens da Aelbra no curso da recuperação. Contudo, a decisão foi revertida pelo TJRS, que determinou o prosseguimento da recuperação com a execução do plano de recuperação alternativo apresentado.

Ao STJ, a Fazenda Nacional alegou que a decisão questionada violou a ordem pública e trouxe risco de dano irreversível à economia pública, beneficiando única e exclusivamente os supostos fraudadores.

Garantia para a Fazenda é a possibilidade de alienação de bens do devedor

A presidente do STJ observou que os créditos tributários estão fora do concurso de credores ou mesmo da necessidade de habilitação em falência, recuperação judicial, liquidação, inventário ou arrolamento, conforme dispõem o artigo 187 do Código Tributário Nacional (CTN) e o artigo 29 da Lei de Execuções Fiscais (LEF).

Segundo a ministra, essa singularidade assegura à Fazenda o direito de propor ou dar seguimento às execuções já ajuizadas, que deverão ser garantidas por penhora de bens do devedor, observando-se o procedimento da LEF.

“Se o crédito tributário está fora da recuperação judicial, por óbvio, não será contemplado pelo plano de pagamento dos credores. A garantia de seu pagamento reside na possibilidade de penhora e alienação de bens do devedor. Logo, se a parte boa do ativo é alienada, restará sob a titularidade da recuperanda – não é difícil imaginar – patrimônio de valor duvidoso ou, no mínimo, de alienação pouco ou nada atrativa, permitindo antever o insucesso das tentativas de apurar valores para quitação dos débitos”, declarou.

Transferência da UPI Umesa exige autorização do MEC

Além disso, Maria Thereza de Assis Moura ressaltou que a execução do plano de recuperação, na forma como prevista, com a alienação da UPI Umesa, resulta em afronta à ordem pública, pois pode levar à transferência da titularidade do curso de medicina sem prévia autorização do Ministério da Educação (MEC), requisito indispensável à regular atuação do setor privado no ensino.

A ministra explicou que, à luz do artigo 209 da Constituição Federal, a iniciativa privada precisa de autorização do MEC para atuar em educação. “Sob essa perspectiva, portanto, tem-se configurada, também, a forte probabilidade de lesão à ordem pública, representada na obrigação de o poder público – no caso, a União – zelar para escorreita, legal e regular atuação da iniciativa privada no ensino superior”, concluiu a ministra ao deferir o pedido de suspensão.

Leia a decisão na SLS 3.319.

Segundo o colegiado, para a admissão da penhora em tal situação, não faz diferença que as partes, no passado, tenham formado um casal.

29 de Setembro de 2023

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu, em execução de aluguéis, a penhora e a adjudicação de um imóvel – bem de família legal – que ficou sob uso exclusivo de um dos companheiros após a dissolução da união estável. Segundo o colegiado, para a admissão da penhora em tal situação, não faz diferença que as partes, no passado, tenham formado um casal.

No caso dos autos, uma mulher ajuizou ação de extinção de condomínio contra o ex-companheiro, com o propósito de obter autorização judicial para a venda do imóvel em que eles haviam morado e dividir o dinheiro em partes iguais. O homem propôs reconvenção, pleiteando o ressarcimento de valores que gastou com o imóvel e a condenação da ex-companheira a pagar 50% do valor de mercado do aluguel, uma vez que ela se beneficiou exclusivamente do bem após o rompimento da relação.

A sentença acolheu os pedidos formulados na ação principal e na reconvenção. Concluída a fase de liquidação de sentença, apurou-se que o valor devido pela mulher ao seu ex-companheiro era de cerca de R$ 1 milhão. Ele deu início à fase de cumprimento de sentença, e, como a mulher não pagou a obrigação, sobreveio o pedido do credor para adjudicar o imóvel, o qual foi deferido pelo magistrado, que também determinou a expedição de mandado de imissão na posse.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) negou provimento ao recurso da mulher. Ao STJ, ela alegou que o imóvel era bem de família legal e, como tal, estava protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990, o que incluiria o produto da alienação.

Existência passada de união estável não impede aplicação de precedente

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que, conforme precedente do STJ no REsp 1.888.863, é admissível a penhora de imóvel em regime de copropriedade quando é utilizado com exclusividade para moradia da família de um dos coproprietários e este foi condenado a pagar aluguéis ao coproprietário que não usufrui do bem. De acordo com a ministra, o aluguel por uso exclusivo do imóvel constitui obrigação propter rem e, assim, enquadra-se na exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.009/1990.

Para a ministra, embora existam diferenças entre a situação fática daquele precedente e o caso em julgamento, há similitude suficiente para impor idêntica solução jurídica, aplicando-se o princípio segundo o qual, onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir.

“Significa dizer, pois, que não é suficientemente relevante o fato de ter havido pretérita relação convivencial entre as partes para o fim de definir se são admissíveis, ou não, a penhora e a adjudicação do imóvel em que residiam em favor de um dos ex-conviventes”, declarou.

Adjudicação não deve ser condicionada à prévia indenização da recorrente

Nancy Andrighi apontou que não seria razoável determinar a venda de um patrimônio que até então era protegido como bem de família e, em seguida, estender ao dinheiro arrecadado a proteção da impenhorabilidade que recaía especificamente sobre o imóvel, pois essa hipótese não está contemplada na Lei 8.009/1990.

 “Também não é adequado condicionar a adjudicação do imóvel pelo recorrido ao prévio pagamento de indenização à recorrente, nos moldes do artigo 1.322 do Código Civil, quando aquele possui crédito, oriundo da fruição exclusiva do mesmo imóvel, que pode ser satisfeito, total ou parcialmente, com a adjudicação, pois isso equivaleria a onerar excessivamente o credor, subvertendo integralmente a lógica do processo executivo”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra um banco por diversas irregularidades nas contratações de financiamento e de empréstimo consignado.

27 de Setembro de 202

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a ausência da publicação do edital previsto no artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não torna o processo nulo se a sentença for, ao menos em parte, favorável aos consumidores; caso contrário, deverá ser declarada nulidade processual absoluta.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra um banco por diversas irregularidades nas contratações de financiamento e de empréstimo consignado. O juízo considerou a ação improcedente, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou a sentença e declarou a nulidade de todos os atos processuais desde a citação, sob o fundamento de que a falta de publicação do edital, conforme o disposto no artigo 94 do CDC, gera nulidade absoluta, pois se trata de matéria de ordem pública.

No recurso ao STJ, o banco sustentou que a ausência do edital configura irregularidade sanável, além do que não teria havido prejuízo aos consumidores.

Ação civil pública evita insegurança jurídica e excesso de processos

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que “o MP detém legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública que vise assegurar adequada tutela coletiva de direitos dos consumidores”, de acordo com o disposto no artigo 82 do CDC.

A ministra ressaltou que esse tipo de ação civil é o meio mais adequado para tutelar direitos e interesses indisponíveis ou de repercussão social, nos casos de conflito de massa.

“No processo coletivo, evita-se a prolação de múltiplas decisões judiciais sobre o mesmo tema, fato que contribui para a geração de uma possível insegurança jurídica e para o aumento da sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário”, completou.

Nulidade depende do impacto da decisão para o consumidor

De acordo com a relatora, o objetivo do artigo 94 do CDC é beneficiar o consumidor. “Sendo norma favorável ao consumidor, como tal deve ser interpretada (interpretação teleológica), a fim de que o dispositivo possa, efetivamente, atingir a finalidade almejada pelo legislador”, disse.

Desse modo – acrescentou Nancy Andrighi –, se a sentença for, ao menos em parte, favorável aos consumidores, o processo não poderá ser anulado com base na falta de publicação do edital, pois não terá havido prejuízo. A ministra lembrou que o juiz não deve anular o ato quando puder decidir a favor da parte à qual seria útil a decretação do vício, segundo o artigo 282, parágrafo 2º, do CPC.

Por outro lado, ela ressaltou que a ausência do edital constituirá nulidade absoluta quando a demanda coletiva for extinta sem resolução do mérito ou julgada improcedente. “Evidente o dano causado aos consumidores, que não tiveram ciência oficial do trâmite do processo e não puderam habilitar-se nos autos como litisconsortes, agregando eventuais dados que pudessem alterar o resultado final da demanda”, enfatizou.

Fonte: STJ

Em seu voto, o ministro Francisco Falcão esclareceu que o texto do artigo 1.025 do CPC/2015 não invalidou a Súmula 211 do STJ, segundo a qual é inadmissível recurso especial quanto à questão que, embora tenha sido apontada nos embargos de declaração em segundo grau, não foi efetivamente apreciada pelo tribunal de origem.

22 de Setembro de 2023

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que, para aplicação do artigo 1.025 do Código de Processo Civil (CPC) – que trata da oposição de embargos de declaração em segunda instância com a finalidade de prequestiornar a matéria que será levada ao tribunal superior – e conhecimento das alegações da parte em recurso especial, é necessário o cumprimento cumulativo de alguns critérios:

1) Ter havido a oposição dos embargos de declaração no tribunal de origem;

2) Ser indicada, no recurso especial, violação do artigo 1.022 do CPC/2015;

3) A questão discutida no recurso especial deve ter sido previamente alegada nos embargos de declaração em segundo grau e devolvida para julgamento ao tribunal de origem, além de ser relevante e pertinente com a matéria debatida.

O prequestionamento é um dos requisitos exigidos pelo texto constitucional para admissão do recurso especial submetido ao STJ.  Nos termos do artigo 1.025 do CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a parte embargante suscitou em segunda instância, para fins de prequestionamento, mesmo que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, nas hipóteses em que o tribunal superior considere a existência de erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Artigo 1.025 do CPC/2015 não invalidou Súmula 211 do STJ

Em seu voto, o ministro Francisco Falcão esclareceu que o texto do artigo 1.025 do CPC/2015 não invalidou a Súmula 211 do STJ, segundo a qual é inadmissível recurso especial quanto à questão que, embora tenha sido apontada nos embargos de declaração em segundo grau, não foi efetivamente apreciada pelo tribunal de origem.

No tocante aos requisitos cumulativos para apreciação, em recurso especial, dos temas trazidos nos embargos declaratórios opostos em segunda instância, o relator citou uma série de precedentes do STJ que enfrentaram o assunto, a exemplo do REsp 1.459.940, no qual a Segunda Turma entendeu necessário que os embargos sejam julgados pelo tribunal local ou regional, e do AREsp 1.433.961, do mesmo colegiado, o qual tratou da necessidade de pertinência dos embargos com a matéria controvertida.

Fonte: STJ

O entendimento é da Terceira Turma.

22 de Setembro de 2023

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a notificação prévia à inscrição em cadastro de inadimplentes, prevista no artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), exige o envio de correspondência ao endereço da pessoa que terá o nome negativado, sendo vedada a comunicação exclusiva por e-mail.

Na origem do caso julgado, foi ajuizada ação de cancelamento de registro com pedido de indenização contra uma entidade responsável pela inscrição em cadastro de inadimplentes, sob o argumento de que não houve prévia notificação, conforme dispõe o CDC.

Tanto o juízo de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) consideraram os pedidos improcedentes, tendo em vista que a notificação da inscrição no cadastro negativo foi previamente comunicada pelo e-mail fornecido pelo autor da ação em sua petição inicial.

No recurso ao STJ, o consumidor alegou ofensa ao CDC, ao argumento de que a notificação prévia do devedor não pode ser feita por meio eletrônico.

O consumidor é parte vulnerável na relação de consumo

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a legislação busca reequilibrar a relação desigual entre consumidores e fornecedores. Ela destacou o princípio da vulnerabilidade, que “reconhece o consumidor como sujeito em posição de fragilidade”.

A ministra salientou que “a regra é que os consumidores possam atuar no mercado de consumo sem qualquer mácula em seu nome; a exceção é a inscrição do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes, desde que autorizada pela lei”. Nesse contexto, ela assinalou que as regras jurídicas que limitam direitos devem ser interpretadas restritivamente, motivo pelo qual “não há como se admitir que a notificação do consumidor seja realizada tão somente por simples e-mail”.

“Admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail representaria diminuição da proteção do consumidor – conferida pela lei e pela jurisprudência desta corte –, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma, causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido”, esclareceu Nancy Andrighi.

Segundo a relatora, antes da inscrição do inadimplente no cadastro, é necessário dar a ele a oportunidade de pagar a dívida ou adotar medidas judiciais ou extrajudiciais para se opor à negativação, quando ilegal. “A Súmula 359 do STJ dispõe que cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”, apontou.

A ministra ressaltou que a Súmula 404 do STJ, “ao dispensar o aviso de recebimento (AR), já operou relevante flexibilização nas formalidades da notificação ora examinada, não se revelando razoável nova flexibilização em prejuízo da parte vulnerável da relação de consumo sem que exista qualquer justificativa para tal medida”.

Legislação exige envio de correspondência ao inadimplente

Nancy Andrighi destacou que, apesar de os recursos como e-mail e mensagens de texto via celular representarem um importante avanço tecnológico, o entendimento doutrinário e a Súmula 404 do STJ exigem que a notificação seja realizada mediante envio de correspondência ao endereço do devedor.

A vedação à notificação feita exclusivamente por correio eletrônico, de acordo com a ministra, resulta da interpretação das normas do CDC à luz da vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica do consumidor.

Em relação à eventual compensação por danos morais, ela entendeu que não seria possível arbitrá-la, “pois não se extrai dos fatos delineados pelo acórdão recorrido a existência ou não, em nome da parte autora, de inscrições preexistentes e válidas além daquela que compõe o objeto da presente demanda, o que afastaria a caracterização do dano extrapatrimonial alegado”.

Fonte: STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a condenação ao pagamento do consumo mínimo pactuado na cláusula take or pay não dá ao comprador o direito de receber o produto correspondente após o período contratual para utilização. Para o colegiado, o pagamento do consumo mínimo não confere ao comprador o direito de, no mês seguinte, obter o volume de gás que deixou de consumir no período anterior, e pelo qual teve de pagar.

21/09/2023

Na origem do recurso analisado pela turma, foi ajuizada ação de cobrança por uma empresa fornecedora de gás natural comprimido, em razão do descumprimento da obrigação de pagar convencionada em contrato de compra e venda do tipo take or pay.

Conforme o processo, a empresa consumidora do produto havia assumido a obrigação de pagar um valor mínimo relativo a certa quantidade de gás. Entretanto, ela deixou de consumir o produto e de pagar o montante devido, mesmo após tratativas para a quitação da dívida.

O juízo condenou a ré a pagar o valor devido, mais juros de mora e correção monetária, podendo compensar os valores já pagos. Além disso, o magistrado assegurou à ré o recebimento do produto correspondente ao valor pago, mesmo após o período em que ele deveria ter sido utilizado, sob pena de enriquecimento sem causa da autora da ação. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a sentença.

Cláusula apresenta vantagens para todas as partes

Relatora do caso no STJ, a ministra Nancy Andrighi explicou que a cláusula take or pay obriga o comprador a pagar por uma quantidade mínima especificada no contrato, ainda que o insumo não seja utilizado. Segundo apontou, “uma das partes assume a obrigação de pagar pela quantidade mínima de bens ou serviços disponibilizados, independentemente da flutuação da sua demanda”.

A relatora destacou que, apesar de não inserida no ordenamento jurídico brasileiro, essa prática está comumente presente em contratos de prestação continuada de fornecimento de produtos. De acordo com a ministra, a inserção dessa cláusula no contrato proporciona ao fornecedor segurança para investir e atender à demanda do adquirente, enquanto este se beneficia ao pagar um preço menor pelo produto.

“Se houver aquisição da quantidade mínima estipulada ou de quantidade superior a ela, o preço a ser pago corresponderá à demanda efetivamente consumida, não se aplicando a cláusula take or pay“, completou.

Fornecimento do que não foi consumido inutilizaria a cláusula

Nancy Andrighi afirmou que, mesmo não consumindo a quantidade mínima de produto disponibilizada pelo vendedor no período ajustado, o comprador terá de pagar o valor estipulado na cláusula. Ela ressaltou que, nesse modelo contratual, o comprador assume o risco da oscilação da demanda e, em contrapartida, será beneficiado com um preço menor.

“Por se tratar de um contrato de trato sucessivo, no período subsequente, ela não terá direito ao recebimento da diferença entre o volume mínimo, pela qual pagou, e a quantia efetivamente consumida”, completou a ministra ao apontar que a desconsideração do risco assumido pela adquirente acarretaria a ineficácia da cláusula take or pay.

Com esse entendimento, foi dado provimento parcial ao recurso para afastar a obrigação imposta à fornecedora de entregar o volume de gás correspondente ao valor mínimo efetivamente pago.

REsp 2.048.957.

Fonte: STJ

Não cabe ao Fisco impedir a dedutibilidade do ágio da base de cálculo de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IPRJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) quando o mesmo é decorrente da relação entre partes dependentes (ágio interno) ou materializado via empresa-veículo.

21 de setembro de 2023

Para ministro Gurgel de Faria, não cabe ao Fisco presumir que tais reorganizações societárias são fruto de operações artificiais
Rafael Luz/STJ

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela Fazenda, que tinha como objetivo tributar a operação de aquisição da Cremer pelo grupo internacional Merril Lynch. O acórdão foi publicado nesta terça-feira (19/9).

Os controladores da Cremer criaram uma empresa-veículo chamada Cremerpar, para viabilizar a reorganização societária. A Merril Lynch aportou recursos nessa nova pessoa jurídica, que realizou Oferta Pública de Ações (OPA). Posteriormente, a Cremerpar foi incorporada pela Cremer.

O ágio surgiu a partir da diferença entre o valor de avaliação do patrimônio líquido da Cremer, que era negativo, e os valores despedidos pela adquirente. Ou seja, o valor da aquisição foi superior ao valor patrimonial contábil do investimento.

Ao avaliar o caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região validou a reorganização e permitiu que o ágio amortizado fosse deduzido da base de cálculo de IRPJ e CSLL. A Fazenda recorreu ao defender que houve a criação de despesas com o objetivo de afastar indevidamente a tributação.

É a primeira vez que o colegiado se debruça sobre o tema. Relator, o ministro Gurgel de Faria apontou que o caso se resolve pela interpretação dos artigos 7º e 8º da Lei 9.532/1997, que preveem exceção à regra da indedutibilidade do ágio para fins de apuração de ganho ou perda de capital.

Em sua análise, a lei admitiu a dedução fiscal do ágio na hipótese de absorção patrimonial de pessoa jurídica da qual se detenha participação societária. Basta que o ágio seja justificado pela rentabilidade futura do investimento; que, após a aquisição, haja incorporação da controlada pela controladora, ou vice-versa; e que seja respeitado o limite de amortização de 1/60 por mês.

Para a Fazenda, a norma gerou a possibilidade de blindagem ao aproveitamento do ágio fictício e defendeu que a fruição do ganho tributário dependeria da demonstração da existência de propósito negocial no caso concreto.

Segundo o ministro Gurgel, a interpretação da Fazenda é legítima, mas não basta para impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre partes dependentes (ágio interno) ou quando o negócio é praticado por meio de empresa-veículo.

“Ou seja, não é dado presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações societárias são desprovidos de fundamento material/econômico”, afirmou.

Primeiro porque a lei nunca vedou o uso de sociedade-veículo. Segundo porque caberia ao Fisco demonstrar, caso a caso, a artificialidade das operações, como as absolutamente simuladas.

“Não há proibição legal para que uma sociedade empresária seja criada como “veículo” para facilitar a realização de um negócio jurídico; inclusive há razões reais (“propósito negocial”) para tanto, pois é possível que as pessoas jurídicas originais queiram manter sua segregação por diversas razões (estratégicas, econômicas, operacionais…)”, explicou o relator.

No caso concreto, a conclusão é de que a Fazenda não demonstrou que as operações entabuladas pela Cremer foram atípicas, artificiais ou desprovidas de função social.

Em vez disso, o acórdão do TRF-4 aponta que a criação da Cremerpar teve propósito negocial, necessário para a reorganização societária da Cremer, e não exclusivamente a geração de ágio, como decidido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).


REsp 2.026.473
Leia mais

*Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2023, 7h32

Na execução de cotas de condomínio de um prédio de apartamentos (ou de qualquer outro condomínio edilício), é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, mesmo que ele esteja financiado com alienação fiduciária, em razão da natureza propter rem do débito condominial, prevista no artigo 1.345 do Código Civil.

14 de setembro de 2023
Para Raul Araújo, as normas que regulam a alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento – Lucas Pricken/Stf

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, deu provimento a um recurso especial para permitir a penhora, mas considerou necessário que o condomínio exequente promova a citação do banco (credor fiduciário), além do devedor fiduciante.

Se quiser pagar a dívida para evitar o leilão, já que é a proprietária do imóvel, a instituição financeira poderá depois ajuizar ação de regresso contra o condômino executado. A decisão da 4ª Turma representa uma mudança em relação à jurisprudência adotada até aqui pelo STJ.

De acordo com o ministro Raul Araújo, cujo voto prevaleceu no julgamento, o entendimento de que a penhora só poderia atingir os direitos relativos à posição do devedor fiduciante no contrato de alienação fiduciária, sem alcançar o próprio imóvel, é válido para qualquer outro credor do condômino, mas não para o condomínio na execução de cotas condominiais. Neste caso, em razão da natureza propter rem da dívida, é necessária a citação do banco.

Para o ministro, as normas que regulam a alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento — como, no caso, o condomínio credor da dívida condominial, a qual conserva sua natureza jurídica propter rem.

“A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno”, afirmou o ministro.

Segundo ele, seria uma situação confortável para o devedor das cotas condominiais se o imóvel não pudesse ser penhorado devido à alienação fiduciária, e também para a instituição financeira, caso o devedor fiduciante estivesse em dia com a quitação do financiamento mesmo devendo as taxas do condomínio.

“Cabe a todo credor fiduciário, para seu melhor resguardo, estabelecer, no respectivo contrato, não só a obrigação de o devedor fiduciante pagar a própria prestação inerente ao financiamento, como também de apresentar mensalmente a comprovação da quitação da dívida relativa ao condomínio”, destacou.

O caso analisado pelos ministros é de um condomínio edilício: um prédio de apartamentos com unidades privativas e áreas comuns. O condomínio ajuizou a cobrança das cotas em atraso de uma das unidades, mas não teve sucesso em primeira e segunda instâncias.

Ao negar o pedido de penhora do apartamento, a Justiça estadual citou decisões do STJ no sentido de que, como o bem em questão não integra o patrimônio do devedor fiduciante, que apenas detém a sua posse direta, não pode ser objeto de constrição em execuções movidas por terceiros contra ele, ainda que a dívida tenha natureza propter rem.

“Não faz sentido esse absurdo. Qualquer proprietário comum de um imóvel existente num condomínio edilício se submete à obrigação de pagar as despesas. Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros condôminos, o que, sabemos, não é justo, não é correto”, declarou o ministro Raul Araújo ao votar pela possibilidade da penhora.

Ele disse que a interpretação que vem sendo dada a situações semelhantes é “equivocada e sem apoio em boa lógica jurídica”, pois estende proteções de legislação especial a terceiros não contratantes, além de conferir ao banco uma condição mais privilegiada que o direito de propriedade pleno de qualquer condômino sujeito a penhora por falta de pagamento das cotas do condomínio.

Raul Araújo concluiu que a melhor solução é integrar todas as partes na execução, para que se possa encontrar uma solução adequada. “Não se pode simplesmente colocar sobre os ombros dos demais condôminos — que é o que irá acontecer — o dever de arcarem com a dívida que é, afinal de contas, obrigação tocante ao imediato interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio vertical”, afirmou. 

Com informações da assessoria de imprensa do STJ.


REsp 2.059.278

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2023, 14h47

O colegiado ainda concluiu que não é necessário desmembrar o processo e que a competência para processar ambas as execuções é do juízo que decidiu a causa em primeiro grau.

14 de Setembro de 2023

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que é possível a propositura concomitante de cumprimento provisório e cumprimento definitivo de capítulos diversos do mesmo pronunciamento judicial. O colegiado ainda concluiu que não é necessário desmembrar o processo e que a competência para processar ambas as execuções é do juízo que decidiu a causa em primeiro grau.

De acordo com os autos, após vencer uma demanda contra três empresas, a parte requereu o cumprimento definitivo da parcela incontroversa, contra a qual não houve recurso, e o cumprimento provisório da parcela controversa da sentença.

O pedido de cumprimento provisório foi recebido, mas as instâncias ordinárias negaram a possibilidade de execução simultânea da parcela incontroversa, sob o fundamento de que a coisa julgada é total, e não parcial.

Mérito da causa pode ser cindido e examinado em duas ou mais decisões

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que o CPC de 2015 passou a admitir a formação da coisa julgada em capítulos, conforme se depreende dos dispositivos que tratam desse instituto (artigos 502 e 523), da possibilidade de decisão parcial de mérito (artigo 356), da execução definitiva da parcela incontroversa (artigo 523), da rescisão de capítulo da decisão (artigo 966,  parágrafo 3º) e da devolutividade do capítulo impugnado na apelação (artigo 1.013, parágrafo 1º).

De acordo com a ministra, isso significa que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões no curso do processo. “Na vigência do CPC/2015, parece não mais subsistir a vedação ao trânsito em julgado parcial ou progressivo das decisões. Assim, quando não impugnados capítulos da sentença autônomos e independentes, estes transitarão em julgado e sobre eles incidirá a proteção assegurada à coisa julgada”, declarou.

Sem impugnação, parcela transita em julgado e pode ser executada definitivamente

Nancy Andrighi também ressaltou que, subsistindo parcela controversa, sobre a qual pende recurso sem efeito suspensivo, é viável o cumprimento provisório da sentença, nos termos do artigo 520, com a garantia de caução prevista no inciso IV, do CPC.

Segundo a relatora, nada impede que, no mesmo pronunciamento judicial, exista parcela incontroversa, em relação à qual não tenha havido nenhum recurso. “Ante a ausência de impugnação, e consideradas as especificidades da situação em concreto, a referida parcela transitará em julgado e poderá ser executada de maneira definitiva, concomitantemente e sob mesmo procedimento”, afirmou.

A ministra ainda apontou que não há a necessidade de se realizar o desmembramento do processo, sendo competente para processar ambos os cumprimentos de sentença o órgão judicial que julgou a demanda em primeiro grau de jurisdição, nos termos do artigo 516, inciso II, do CPC – ainda que, por conveniência da organização judiciária local, tenham sido criados juízos especializados.

“Dessa maneira, é de ser determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para que aprecie a existência de parcelas incontroversas, reconhecida a possibilidade de tramitação concomitante de cumprimentos provisório e definitivo de capítulos diversos da mesma sentença”, concluiu ao dar provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ