O patrimônio da sociedade limitada unipessoal não se confunde com o patrimônio de seu sócio. Esse entendimento vem sendo adotado pelas Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo em casos de execução de dívidas de sociedades limitadas unipessoais.
26 de maio de 2023
Com a edição da Lei da Melhoria do Ambiente de Negócios (Lei 14.195/2021), as empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli) foram convertidas em sociedades limitadas unipessoais (SLU), conforme o artigo 41 da norma, o que é diferente de um empresário individual.
Dessa forma, o TJ-SP tem negado pedidos de credores para incluir o sócio de sociedades limitadas unipessoais devedoras no polo passivo das execuções, com o argumento de que é necessária a instauração de incidente de desconsideração de personalidade jurídica para apurar eventuais fraudes capazes de atrair a responsabilidade dos empresários.
O desembargador Rogério Murillo Pereira Cimino, relator de um processo na 27ª Câmara de Direito Privado, afirmou que a empresa possui patrimônio próprio, distinto daquele de propriedade do sócio. “Esse é o propósito de uma sociedade limitada, que a distingue, fundamentalmente, de um empresário individual (responsabilidade ilimitada)”, explicou.
Segundo ele, o artigo 41 da Lei 14.195/2021 não alterou a essência de uma Eireli, apenas a nomenclatura e seu modo de transformação em sociedade limitada unipessoal: “Carece de total respaldo normativo a pretensão da agravante de inclusão de sócio de sociedade limitada no polo passivo de uma execução, sem antes distribuir o incidente de desconsideração de personalidade jurídica, palco para que se discuta eventual abuso da empresa para fins de fraude contra o credor.”
Na mesma linha, o desembargador Israel Góes dos Anjos, da 18ª Câmara de Direito Privado, considerou “descabido” o redirecionamento da execução contra o sócio sem a observância do disposto no artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil, diante da distinção entre os patrimônios da empresa devedora e de seu titular.
“Após a entrada em vigor do CPC/2015, tornou-se obrigatória a instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137, conforme determina o artigo 795, § 4º, antes de se deferir a medida: ‘Artigo 795 – Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei. § 4º – Para a desconsideração de personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código’.”
De acordo com o desembargador Tavares de Almeida, relator de uma ação na 23ª Câmara de Direito Privado, embora a Lei 14.195/2021 tenha transformado automaticamente a empresa individual de responsabilidade em uma sociedade limitada unipessoal, o patrimônio da devedora não pode se confundir com o da sócia.
“Trata-se de sociedade autônoma, cuja inclusão do sócia no polo passivo resultaria em invasão de ativo distinto, passível apenas se desconsiderada a personalidade jurídica ou se advier a extinção voluntária da sociedade”, disse Almeida.
Desconsideração de personalidade jurídica
O desembargador Jovino de Sylos, da 16ª Câmara de Direito Privado, ressaltou a impossibilidade de incluir a sócia da devedora no polo passivo da execução sem o incidente de desconsideração de personalidade jurídica.
“A simples circunstância de ter havido alteração de empresa por força do artigo 41 da Lei 14.195/2021, transformando as empresas individuais de responsabilidade limitada em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo, não significa que a alteração gere, de forma automática, a fusão dos patrimônios do sócio e da pessoa jurídica, transmudando a responsabilidade para ilimitada nos termos do artigo 1.052, § 1º, do CC/02 após redação da Lei 13.874/2019.”
A 28ª Câmara de Direito Privado, sob relatoria do desembargador Dimas Rubens Fonseca, também reforçou a necessidade de instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica. Segundo Fonseca, a sociedade limitada unipessoal tem personalidade jurídica autônoma, de modo que, para eventual constrição de seus bens, é preciso instaurar o incidente.
“Neste contexto, o pedido de penhora, por ora, deve ser indeferido, uma vez que atinge patrimônio de pessoa jurídica cujo patrimônio não se confunde, a princípio, com o do executado”, afirmou o magistrado.
Processo 2284683-83.2022.8.26.0000
Processo 2289476-65.2022.8.26.0000
Processo 2055768-71.2023.8.26.0000
Processo 2042521-23.2023.8.26.0000
Processo 2019984-33.2023.8.26.0000
*Por Tábata Viapiana – repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de maio de 2023, 8h52