Senado avança na regulamentação da inteligência artificial no Brasil com PL 2.338/2023. Debate equilibra liberdade de expressão e impactos sociais da tecnologia
09 de Dezembro de 2024
O Plenário aprovou requerimento para votar em regime de urgência o projeto de lei (PL 2.338/2023) que regulamenta o desenvolvimento e o uso de sistemas de inteligência artificial (IA). A previsão inicial era que o texto fosse analisado pelo Plenário ainda nesta quinta-feira (5), mas como alguns senadores manifestaram dúvidas sobre o texto final, houve acordo para que a votação ficasse para para a próxima terça-feira (10).
A matéria foi aprovada em votação simbólica na comissão temporária criada para analisar a regulamentação da inteligência artificial e foi considerada consensual pelos membros do colegiado. Eles elogiaram o texto final apresentado pelo relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO). O substitutivo tem como base o PL 2.338/2023, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e engloba dispositivos sugeridos em mais sete propostas.
No entanto, a urgência para votação em Plenário não foi consensual. Alguns parlamentares de oposição, como os senadores Eduardo Girão (Novo-CE), Plínio Valério (PSDB-AM) e Jorge Seif (PL-SC), defenderam mais tempo para analisar o texto, diante da importância do tema e do seu impacto econômico e social. A dúvida, conforme os senadores, está concentrada, basicamente, em dispositivos que possam restringir o direito à liberdade de expressão no país.
Girão solicitou que seja respeitado o prazo regimental de duas sessões subsequentes da sessão que aprovou a urgência para que o projeto possa entrar na pauta.
— Se aprovada a urgência, que seja colocado em duas sessões subsequentes da sessão ordinária, após a aprovação, porque é um assunto extremamente polêmico, não é? A sociedade brasileira nos cobra, de forma responsável, que a gente tenha um posicionamento legítimo contra a censura — disse, Girão que votou contra o requerimento de urgência.
Postura que foi criticada por senadores governistas. Randolfe Rodrigues (PT-AP) classificou a manifestação para adiar a votação como “movimento protelatório”.
— Todo o Plenário sabia do projeto. Todo o Plenário tinha a possibilidade e a oportunidade de ir à comissão para debater. Acabou de ser aprovado por unanimidade na comissão, com a recomendação para votarmos agora. Eu entendo alguns que resistem em regular algumas coisas na internet, mas me parece que está em curso um movimento protelatório que esconde o sentimento real, que é não ter regulação nenhuma sobre a inteligência artificial.
Mas Jorge Seif discordou da afirmação de Randolfe.
— Não é movimento protelatório coisa nenhuma, simplesmente para eu votar com consciência, alinhado com o que eu acredito e com o que o Brasil espera, eu preciso ler e me debruçar. O nosso trabalho é este: ler e trabalhar e votar “sim” ou “não”.
O presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), fez questão de tranquilizar os senadores que manifestaram desconfiança no regramento e garantiu que o texto não representa um instrumento para suprimir a liberdade de expressão.
— A todos que colocam suas dúvidas pertinentes, naturalmente democráticas, quero dizer que, como jornalista que sou, como professor universitário, 23 anos de experiência nessa área, que a minha primeira preocupação é com a liberdade de expressão e com o direito à informação, que estão lá constantes no nosso texto. Mas também é preciso colocarmos com muita clareza a responsabilidade daqueles que divulgam informações, principalmente os criadores da inteligência artificial. Que os senadores leiam o texto, que os assessores procurem entender.
Diante das manifestações, Rodrigo Pacheco enfatizou a relevância de se avançar numa legislação que ofereça respaldo jurídico e segurança no que tange ao uso e desenvolvimento da IA no país, e reforçou a construção do acordo para a votação da matéria em Plenário. Ele confirmou o projeto como item da pauta da próxima terça-feira.
— Nós sempre adotamos requerimentos de urgência e, em muitos casos, inclusive, votando o projeto no próprio dia por acordo de Plenário. E em alguns projetos, inclusive, de interesse de Vossa Excelência [Eduardo Girão], em que nós fizemos prevalecer o acordo sobre o comando do Regimento, o que é conhecido pela Presidência das duas sessões. Nesse caso, foi submetido também à apreciação do Plenário o acordo em relação ao procedimento. A minha intenção era votar na data de hoje o projeto, e, atendendo a reclames, nós propusemos o acordo da votação do requerimento de urgência na data de hoje e a inclusão na pauta de terça-feira — respondeu o presidente da Casa.
Avanços
Para grande parte dos senadores que iniciaram o debate sobre o tema no Plenário, o relatório aprovado na comissão pode não ser perfeito, mas atende a uma série de preocupações de diversos segmentos que participaram ativamente da construção do texto e das audiências públicas.
— Mas quero dizer aos nossos pares, em especial àqueles que estavam muito preocupados com esse processo e que nos delegaram a possibilidade de fazer essa negociação, que nós já conseguimos bons termos dentro do projeto. Não estou dizendo que ele está perfeito, não estou dizendo que ele não pode ser melhorado, mas estou dizendo que ele avançou bastante. Dou aqui o meu testemunho de que ele avançou bastante com a ajuda de todos — disse, Rogério Marinho (PL-RN).
De acordo com o relator do projeto, Eduardo Gomes, a pior situação é a falta de regulação, que, segundo ele, permite a interpretação do acaso, fazendo com que crimes cometidos com o uso da ferramenta sejam propagados cada vez mais.
— Mas é importante dizer que este texto, depois de 520 dias, depois de todos esses debates, é o único na América Latina em discussão e com a capacidade de dar resposta àquilo que está por trás disso tudo que está sendo discutido. A pior regulação é a regulação ausente. A interpretação do acaso, venha de qualquer um dos Poderes ou de qualquer setor da sociedade, quando não abriga e não encontra lei nenhuma, encontra o ambiente adequado para que a gente tenha a contradição da vida. O que é a contradição da vida? É chegarmos aqui com o mérito, reclamarmos da utilização equivocada e criminosa de imagens de criança, mas não termos sequer uma legislação para amparar o nosso desejo.
Regulamentação
O projeto divide os sistemas de IA em níveis de risco: risco excessivo e de alto risco para oferecer uma regulamentação diferenciada, dependendo do impacto do sistema na vida humana e nos direitos fundamentais.
Após muitos debates, o relatório aprovado na comissão excluiu da lista de sistemas de IA considerados de alto risco os algoritmos das redes sociais. Um dos temas que levantou mais divergência entre governistas e oposição.
Além disso, o texto estabelece que conteúdos protegidos por direitos autorais poderão ser utilizados em processos de mineração de textos para o desenvolvimento do sistema de IA por instituições de pesquisa, jornalismo, museus, arquivos, bibliotecas e organizações educacionais. No entanto, o material precisa ser obtido de forma legítima e sem fins comerciais.
Fonte: Agência Senado