26 de outubro de 2022
No último dia 11, a Comissão de Valores Mobiliários publicou o Parecer de Orientação 40, que trata das normas aplicáveis aos criptoativos que forem considerados valores mobiliários.
O documento explica que nem todo criptoativo será considerado valor mobiliário nos termos da Lei 6.385/1976, que dispõe sobre esse mercado e criou a CVM.
Em dois artigos publicados recentemente na revista eletrônica Consultor Jurídico, o procurador da República Vladimir Aras abordou os principais pontos do parecer da CVM e defendeu que a orientação é um passo na direção da definição de limites legais e de persecução penal para a criptoeconomia.
Especialistas no assunto consultados pela ConJur concordam com Aras, mas fazem uma crítica: o Parecer de Orientação 40, apesar de realmente representar um avanço, é tímido, o que significa que a regulação do mercado de criptomoedas no Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer.
O advogado Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados, tem críticas à nova noma. “Apesar de tratar de importantes pontos, tais como a definição de criptoativos e o posicionamento de que a atividade de tokenizacao em si não está sujeita à aprovação ou registro prévio da CVM, por outro lado deixou em aberto temas importantes como, por exemplo, a impossibilidade de aplicação direta de fundos de investimento em criptoativos, apenas sendo possível o investimento indireto no exterior como já era, inclusive, esperado”, sustenta.
(In)segurança Jurídica
Apesar disso, ele acredita que o parecer dá mais segurança jurídica ao mercado. “Esclarece certas dúvidas e confirma entendimentos já praticados no mercado, enquanto não há lei específica sobre o tema (o PL nº 4.401/22 ainda não foi aprovado) e já é um importante passo para a regulamentação do tema”, defende.
Já Thiago Nicolai, criminalista especializado em Direito Penal Empresarial do DSA Advogados, aponta que o próprio parecer deixa claro que existem criptoativos que podem ter natureza híbrida e que sua classificação dependerá da essência econômica dos direitos conferidos a seus titulares.
“O grande problema desse limbo regulatório é a insegurança jurídica para o desenvolvimento de novos tokens. Afinal, se a CVM classificar posteriormente um criptoativo como valor mobiliário, os responsáveis terão que se defender em processos administrativos sancionadores e inquéritos policiais ou ações penais pelo crime de exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função (art. 27-E da Lei 6.385/76)”, argumenta.
Desafio global
Nicole Katarivas, da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, explica que a regulação de criptoativos é discutida mundialmente. “Ao tratar do tema, a CVM se mostra receptiva às novas tecnologias, sendo certo que referido parecer, assim como os comunicados emitidos pelo BACEN ou a própria instrução normativa da receita federal 1888, são atos ainda não consolidados mas que representam primeiros passos para a regulação desse mercado”.
A especialista explica que a regulação desse mercado é de extrema importância para garantir a transparência das transações, informação aos titulares e combate a crimes como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Caio Azuirson, membro do Serur Advogados, por sua vez, enxerga que a orientação demonstra uma demanda regulatória e serve para cumprir uma função apenas consultiva para os agentes que atuam no mercado de valores mobiliários.
“Antes dele eram poucas as discussões sobre o tema. No âmbito da CVM, os Ofícios Circulares nº 1/2018 e nº 11/2018, da Superintendência de Relação com Investidores Institucionais, por exemplo, se limitaram a tratar da impossibilidade de fundos de investimento aplicarem diretamente em criptoativos e não se ativeram em prescrever orientações para outros assuntos sensíveis”, argumenta.
Já Julia Franco e Frederico Calmon, do Cescon Barrieu na área de Regulatório, CVM e mercado de capitais, sustentam que a maioria das questões colocadas no documento apenas consolida, em um único documento, diferentes interpretações e orientações que a CVM já havia dado ao mercado de forma esparsa, por meio de precedentes e ofícios circulares anteriores.
Por fim, Christiany Pegorari Conte, advogada e professora de Direito Penal e Processual Penal da PUC Campinas, acredita que o parecer da CVM serve como uma diretriz interessante.
“O impacto de considerar os criptoativos, a depender da situação, como um valor mobiliário torna possível o enquadramento em crimes tipificados na Lei 7492/86 ou não, repercute na competência para processo e julgamento pela justiça comum estadual ou federal etc”, afirma.
Ela lembra que o Superior Tribunal de Justiça, em 2020, tratou da questão referente à captação de recursos atrelados à especulação no mercado de criptoativos, por intermédio de oferta pública de contrato coletivo de investimento em bitcoin, sem prévio registro de emissão na CVM e já considerou a situação como valor mobiliário da lei 6385/76. Considerar criptoativos em algumas situações como valor mobiliário permite o enquadramento e desloca a competência para a justiça federal.
O Brasil é atualmente o sétimo maior mercado de criptoativos do mundo, conforme estudo da Chainalysis, consultoria especializada em blockchain. O volume de negociações de criptomoedas no país já equivale a 50% do total das operações da bolsa de valores B3.
*Por Rafa Santos – repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de outubro de 2022, 9h27