21 de março de 2022
As informações prestadas na fase pré-contratual são essenciais para a formação da própria convicção do consumidor, pois somente a partir da plena ciência da quantidade, qualidade e riscos do serviço oferecido é que o consumidor estará apto a decidir se deseja firmar o negócio e, eventualmente, a questionar e negociar preços e outras condições.
Com base nesse entendimento, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo validou uma multa de R$ 9,9 milhões aplicada pelo Procon de São Paulo contra a TV Globo por propaganda enganosa em relação à transmissão de jogos das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2019.
Segundo o Procon, a Globo anunciou a transmissão de todas as partidas do Brasileirão nos canais Premiere e no streaming Premiere Play. Porém, não havia fechado acordo com o Palmeiras e com o Athletico Paranaense. Os jogos do Palmeiras só passaram a ser transmitidos a partir da 6ª rodada. Já com o Athletico, não houve acerto.
Para o Procon, houve descumprimento do dever de informação e transparência em razão de uma oferta que a Globo sabia ser inverídica, já que ainda não detinha os direitos de imagem de todos os clubes. O Procon também apontou a ausência de compensação financeira aos consumidores pela diminuição do serviço contratado, sem qualquer abatimento ou restituição do valor das mensalidades.
A Globo acionou o Judiciário em busca da nulidade da multa. No entanto, os pedidos foram negados em primeiro e segundo graus. Para o relator, desembargador Oswaldo Luiz Palu, a infração descreveu regularmente as condutas atribuídas à emissora e os dispositivos legais correspondentes, permitindo o exercício do contraditório e da ampla defesa na via administrativa.
“Não obstante não se negue o direito de algumas agremiações de não aceitarem os acordos que lhe são oferecidos a título de cessão de seus direitos de imagem, o que resulta impossível às produtoras e distribuidoras disponibilizarem o conteúdo que as envolve, clarividente que a Globo malferiu normas consumeristas no caso em apreço”, afirmou o magistrado.
De acordo com o relator, ficou comprovada a prática abusiva de veiculação de publicidade enganosa, com conteúdo parcialmente falso, capaz de induzir em erro o consumidor sobre as características e dados do serviço ofertado, com base no artigo 37, § 1º , do Código de Defesa do Consumidor.
“O mal agir da apelante culminou, também, na subsunção na segunda prática proibida, a do dever de informação, transparência nas relações de consumo e boa-fé contratual, eis que veiculou oferta incorreta e imprecisa do serviço, na dicção do artigo 31 do CDC”, acrescentou.
Palu ressaltou que os torcedores acreditaram na oferta, possuindo justa expectativa de que, ao assinar o serviço do Premiere, teriam acesso a todos os jogos do Brasileirão, nas palavras veiculadas pela própria Globo, como já havia ocorrido em anos anteriores.
“Em que pese a apelante fosse a detentora, em primeira mão, dos avanços ou retrocessos nas negociações, tendo assumido conscientemente o risco de não ser exitosa nos acordos com os clubes, ainda veiculava a publicidade com a oferta falaciosa meses após o início do campeonato sem a obtenção dos direitos de transmissão de ‘todos’ os jogos”, disse.
Assim, a conclusão do relator foi de que a conduta da emissora violou o direito pertencente ao consumidor de obter informação prévia, clara e adequada sobre o serviço e a alteração que reduziu a quantidade de jogos a serem transmitidos.
“Não ofereceu aos consumidores, contudo, qualquer compensação financeira pela diminuição do serviço ofertado/prestado, abatimento do valor das mensalidades ou restituição de numerário pelo serviço não prestado, dando azo à configuração da terceira prática abusiva que lhe foi atribuída, dessa vez insculpida no artigo 39, caput, do CDC, em interpretação combinada com o artigo 20 do CDC”, frisou Palu.
Valor da multa
O desembargador também não verificou ilegalidades no valor da multa e disse que a “conduta grave” da Globo atingiu um direito difuso de toda a sociedade e gerou potencial dano essencialmente coletivo: “Como negar o dano coletivo quando a publicidade foi veiculada em sites e durante a transmissão televisiva de jogos do campeonato de âmbito nacional?”.
Para Palu, a decisão quanto à fixação do valor da multa não se apresenta vazia, omissa ou genérica, afastando a suposta nulidade por ausência de fundamentação, na forma do artigo 93, IX, Constituição Federal, conforme sustentado pela emissora.
“Ao revés, apresenta-se consonante com o regramento incidente para a hipótese, em observância dos critérios de gradação da pena e incidência de agravantes e atenuantes, acatando a limitação legal do teto pecuniário da multa insculpido em lei”, finalizou. A decisão foi por unanimidade.
1040947-85.2021.8.26.0053
Fonte: TJSP