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A taxa Selic deve ser aplicada para corrigir dívidas civis, inclusive para os processos anteriores à entrada em vigor da Lei 14.905/2024.

 

 

 

 

 

16 de outubro de 2025

A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese vinculante no julgamento do Tema 1.368 dos recursos repetitivos nesta quarta-feira (15/10).

O julgamento resolve de vez a interpretação dada ao artigo 406 do Código Civil, alvo de disputa há pelo menos 20 anos, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

Em sua redação original, a norma dizia que os juros e a correção monetária não convencionados entre as partes seriam definidos pela taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Em março de 2024, a Corte Especial definiu que essa taxa é a Selic. A proposta que ficou vencida era de impor juros de 1% ao mês e correção monetária conforme o índice oficial aplicado por cada tribunal. A posição ainda foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Em junho de 2024, o Congresso Nacional editou a Lei 14.905, que alterou o Código Civil e incluiu o parágrafo 1º no artigo 406 para deixar claro que a taxa legal para correção das dívidas civis é mesmo a Selic.

Ficou uma questão a ser resolvida: o que fazer com os casos anteriores à nova lei? Essa foi a discussão na ação julgada nesta quarta, com voto vencedor do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Selic ontem, hoje e sempre

Em seu voto, o magistrado destacou que permitir o afastamento da Selic para casos civis antigos levaria ao cenário paralelo em que o credor civil faz jus a remuneração superior à de qualquer aplicação financeira bancária, já que os bancos estão vinculados à taxa.

Ele ainda afastou a suposta função punitiva dos juros moratórios nos casos civis. Segundo o ministro, existem previsões contratuais de multa moratória para sanar essa questão. A função dos juros é de compensar o deságio que impacta o credor.

Cueva ainda ofereceu um antídoto para a remota hipótese de juros zero, possível graças à variação da Selic: a possibilidade de o juiz conceder indenização suplementar ao perceber que os juros não cobrem o prejuízo.

Para ele, permitir a correção das dívidas civis em percentuais diferentes do parâmetro nacional não só viola o artigo 406 do Código Civil, como causa potencial impacto macroeconômico.

“A lei prevê que os juros moratórios civis sigam a mesma taxa aplicada à mora dos impostos federais, garantindo harmonia entre as obrigações públicas e privadas”, disse. Segundo o magistrado, “o valor aplicado nas relações privadas não deve superar o nível básico definido para toda a economia”.

Uniformização

A definição para os casos anteriores à Lei 14.905/2024 é importante porque o Brasil vivia um contexto de total falta de uniformidade para correção de dívidas civis, cenário em que a Selic era amplamente preterida.

Uma primeira resposta foi oferecida pela própria Corte Especial, no julgamento dos embargos de declaração. O colegiado rejeitou o pedido de modulação temporal dos efeitos da posição sobre aplicação da Selic, para que a taxa fosse obrigatória apenas para novos processos.

Para cada caso anterior, disse o ministro Raul Araújo, valem as regras pertinentes e o respeito à coisa julgada. Ou seja, para casos não definitivos, valerá a taxa Selic, e, para os já transitados em julgado, não haverá revisão.

Com a tese vinculante, os ministros poderão fazer julgamento liminar de improcedência, dispensar os casos de remessa obrigatória, negar seguimento a recursos excepcionais e permitir julgamento monocrático nos tribunais.

A tese definida pelos ministros foi a seguinte:

O artigo 406 do Código Civil, antes da entrada em vigor da lei 14.905/2024, deve ser interpretado no sentido de que é a Selic a taxa de juros de mora aplicável as dívidas de natureza civil, por ser esta a taxa em vigor para a atualização monetária e a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

 

REsp 2.199.164

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começa a definir, nesta quarta-feira (1º/3), se o índice adequado para corrigir condenações por dívidas civis, previsto no artigo 406 do Código Civil, é a taxa Selic. Se a resposta for negativa, ainda será possível escolher qual encargo deve ser aplicado.

1 de março de 2023

Caso opõe uso da Selic ou da taxa de 1% ao mês para corrigir condenações civis
Freepik

O julgamento é muito esperado devido ao seu astronômico impacto econômico nas relações econômicas brasileiras. A posição a ser adotada tem o potencial de alterar o equilíbrio de setores de muito peso na economia nacional, como o bancário, de seguros e da incorporação imobiliária.

Também tem um componente de política judiciária, já que a escolha do índice de correção pode fazer com que um processo judicial e sua duração sejam mais ou menos vantajosos para o credor ou para o devedor. Isso em um país de hiperjudicialização e com 80 milhões de ações em tramitação.

A discussão não é nova. Ela remete à aprovação do Código Civil, que entrou em vigor em 2002, e tem causado uma disputa jurisprudencial no âmbito do STJ. E assim é graças à redação dada ao artigo 406, que trata dos juros legais aplicáveis nos casos de inadimplemento de obrigações.

A norma diz que, se os juros não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada, serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

A princípio, o STJ entendeu que essa taxa seria de 1% ao mês. É o valor que o Código Tributário Nacional aplica para o crédito não pago no vencimento, desde que a lei não disponha de modo diverso. Essa previsão está no artigo 161, parágrafo 1º.

Ela ainda garantiria respeito ao limite constitucional, então vigente, de juros de 12% ao ano. Em 2003, a Emenda Constitucional 40 revogou o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição e abriu as portas para o aumento dos juros sem o risco de sua cobrança ser conceituada como crime de usura.

Em 2008, a Corte Especial julgou o EREsp 727.842 e mudou a posição, passando a adotar a Selic. Trata-se de taxa básica de juros do país. É definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e, como principal instrumento para controle de inflação, tem impacto sobre investimentos, empréstimos e financiamentos.

E em 2011, definiu sob o rito dos repetitivos que, na execução de títulos judiciais prolatados sob a vigência do Código Civil de 1916, seria possível alterar a taxa de juros para refletir as regras do Código Civil de 2002. Esse julgamento teve menções expressas ao fato de essa taxa ser a Selic.

Ministro Luis Felipe Salomão propôs uma nova abordagem sobre o tema quando caso começou a ser julgado na 4ª Turma do STJ
CNJ

Distinguishing
Relator do recurso que será apreciado na Corte Especial, o ministro Luis Felipe Salomão já manifestou nesse mesmo processo a necessidade de alterar novamente a interpretação. Quando o caso começou a ser julgado pela 4ª Turma do STJ, propôs uma distinção, a ser aplicada nos casos de danos contratuais e extracontratuais.

O problema está no fato de a Selic incorporar juros moratórios e correção monetária. No campo do Direito Privado, nem sempre esses encargos correm a partir do mesmo marco temporal.

Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

A ideia seria, em casos de dívida civil, aplicar o artigo 161, parágrafo 1º do CTN para fixar juros moratórios de 1% ao mês. Assim, a correção monetária seria independente, de acordo com índices oficiais cabíveis em cada caso. Na 4ª Turma, o julgamento foi interrompido quando o placar estava em 2 a 2. Já a 3ª Turma rejeitou o distinguishing quando julgou o tema recentemente, em 2020.

Taxa variável e imprevisível
A própria natureza da Selic tem sido alvo de disputa teórica. Em 2003, a I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 20 indicando que a taxa referida no artigo 406 do Código Civil não pode ser a Selic porque não é juridicamente segura, já que impede o prévio conhecimento dos juros.

A princípio, o ministro Salomão destacou que a Selic tem o objetivo de interferir na inflação para o futuro, não de refletir a inflação do passado. Disse que gera uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora, com grandes distorções em relação ao mercado e injustiça gritante.

Em memoriais e petições enviadas ao STJ, entidades que pediram para participar do julgamento como amici curiae (amigas da corte — nem todas foram autorizadas) disputaram essa afirmação ferrenhamente.

Contrário ao uso da Selic, o Conselho Federal da OAB aponta que sua lógica é oposta ao das obrigações civis, em especial as contratuais, que servem para proporcionar segurança e previsibilidade à relação jurídica. Como submeter os juros de mora baseados em critérios externos e imprevisíveis a um instrumento usado para proporcionar segurança e previsibilidade a relação jurídica?

Julgamento está marcado para começar na Corte Especial nesta quarta-feira (1/3)
Lucas Pricken/STJ

O memorial indica que a longa tramitação do Código Civil aprovado em 2002 permitiu anacronismos. Um deles é submeter a taxa de juros a um índice variável que faria sentido em um momento de ampla instabilidade econômica. “Em uma economia estável, a previsão de uma taxa fixa é a que melhor atende às necessidades de segurança e previsibilidade das relações civis.”

Favorável à Selic, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) incluiu parecer do economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, que traz um contraponto: o estabelecimento de uma taxa variável é o que justamente permite que os juros se ajustem à realidade econômica do país. Ele defende que o conceito correto para o juro moratório é o do custo de oportunidade do dinheiro, medido através de uma taxa nominal, como a Selic.

Acrescenta, ainda, que a definição da Selic é fruto de uma política monetária — do inglês monetary policy — e não de politicagem monetária — monetary politics. A Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, por sua vez, apontou em petição que a variação da Selic concretiza — e não contraria — a justa indenização e a reparação integral, em observância aos princípios da segurança jurídica, da economicidade e eficiência.

Impacto
O tema ganha contornos apocalípticos quando trata do impacto que a definição pela Corte Especial vai gerar. A petição da CNSeg, preparada pelo escritório Bichara Advogados, traz um exemplo: uma dívida de R$ 10 mil corrigida a partir de 1º de janeiro de 2010 chegaria, em 30 de novembro de 2022, a R$30,1 mil pela Selic e R$ 53,9 mil se aplicado 1% ao mês.

Dados de 2020 mostram que as seguradoras tinham R$ 7 bilhões de provisão de sinistros judiciais a liquidar, sendo que 22% (R$ 1,57 bilhão) refereriam-se a juros remuneratórios. Trocar a Selic por 1% significaria aumentar essa conta em R$ 97,5 milhões ao mês.

O pagamento das obrigações aos clientes é garantido por essas empresas por meio aplicações financeiras. Segundo a CNSeg, não há instrumentos disponíveis no mercado financeiro permitidos pelas regras do Conselho Monetário Nacional que garantam a remuneração de 1% ao mês e atendam concomitantemente os critérios de liquidez e segurança exigidos.

Essa sinuca de bico tende a se replicar em mercados de vultosa movimentação financeira, muito sujeitos a estar na condição de credor ou devedor de condenações civis. E, segundo a Abrainc, a adoção dos juros de 1% ao mês vai “transformar o Poder Judiciário no “investimento mais rentável do mercado”.

Esse ponto é muito explorado pela OAB. A entidade aponta que, para um devedor, vai ser muito mais atrativo descumprir um contrato e fazer uso do dinheiro com que pagaria a dívida do que, em vez disso, buscar dinheiro no mercado por meio de empréstimos, nos quais as taxas de juro serão consideravelmente maiores do que a Selic.

Segundo a advocacia, não haverá estímulo à rápida solução do litígio se os juros sobre crédito objeto da ação forem regulados pela Selic. “Não é possível que a jurisprudência do STJ tolere — ou mesmo estimule — o inadimplemento de obrigações ao torná-lo economicamente atrativo”, afirmou, na manifestação enviada ao STJ.

REsp 1.795.982

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023, 8h19