Postado em 21 de Março de 2022
Em memória à tragédia conhecida como “massacre de Shaperville”, a Organização das Nações Unidas instituiu o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.
No dia 21 de março de 1960, na África do Sul, 20 mil negros protestavam contra uma lei que limitava os lugares por onde eles podiam circular. A manifestação era pacífica, mas tropas do Exército atiraram contra a multidão. 69 pessoas morreram e outras 186 ficaram feridas, no episódio que ficou conhecido como massacre de Shaperville.
Em memória à tragédia, a Organização das Nações Unidas instituiu o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.
O genocídio da população negra tem sido a pauta mais discutida nos movimentos negros do brasil nas últimas duas décadas, com certeza a pauta mais cara para a população negra mundial e também a mais complexa em se debater quando pensamos que o racismo estrutural está para além das violências objetivas. Bem pontuado pelo cientista político Jorge da Silva no livro violência e racismo que afirma: o racismo tem forte presença tanto na violência causada para toda a sociedade como nas formas em que o Estado as enfrenta.
No Brasil, os negros sofrem não só a discriminação racial devida ao preconceito racial e operada no plano privado, mas também e sobretudo o racismo institucional, que inspira as políticas estatais que lhes são dirigidas e se materializa nelas. Podemos destacar aqui o fato de que na aplicação de políticas contra a violência criminal o próprio Estado tem um viés fortemente racista, o que é facilmente observável. Até pouco tempo atrás, muitos teóricos explicavam a criminalidade, mas era como se, para esses estudiosos, não houvesse uma questão racial no país, porque sequer tocavam no assunto. A relação entre racismo e violência é marcador social pouco discutido ainda, mas fundamental para se explicar o porquê a população negra é maioria esmagadora no país, mas ainda assim não tem acesso aos mesmos espaços que a população não negra. Esse fato social importante se solidificou ao longo dos anos principalmente porque as elites intelectuais brasileiras no final século XIX e início do século XX produziram algumas explicações que deixavam de fora a questão racial. O país, segundo esses olhares, tinha conseguido se tornar uma sociedade racialmente democrática. O mito da nossa democracia racial despertou na Unesco a ideia de patrocinar pesquisas nesse sentido para demonstrar para o mundo que era possível haver democracia racial entre negros e brancos no brasil. Após algumas pesquisas, descobriram exatamente o contrário: o Brasil talvez tivesse problemas até mais graves do que os de outras sociedades nas quais se reconhecia o racismo. Hoje esse mito se perdeu, foi derrubado, mas o assunto, hoje melhor discutido precisa transpor muitas barreiras ainda, debates qualificados e amplos com toda a sociedade e suas estruturas, sobretudo no que tange a segurança pública.
O historiador Joel Rufino dos Santos (1945 – 2015) falou sobre isso no livro: “O que podem os intelectuais fazer pelos pobres?”. Ele dizia que os intelectuais tinham pena de pobre. Quando começam a ocorrer as políticas de ação afirmativa, muitos intelectuais passam a ter raiva de pobre. Passa-se da pena à raiva. É a grande diferença de lá pra cá.
Afinal de contas, qual é o lugar das pessoas negras na sociedade Brasileira?
Em pleno 2022 a lei de cotas Nº 12.711/2012 importante instrumento jurídico que resulta de lutas históricas dos movimentos negros e indígenas e sociais, tem enfrentado fortes ameaças, como o PL do Deputado Federal Kim Kataguiri – MBL, que entre tantos parlamentares e representantes direita e extrema direita brasileira, pedem a revogação da ação afirmativa. Vale lembrar que o principal papel das cotas é de reparação histórica e conseguir a paridade entre negros e brancos no acesso a vagas nas universidades. A permanência dessa politica publica é de fundamental importância para reduzir a desigualdade histórica que existe em relação as oportunidades e classes distintas de estudantes negros e brancos.
E impossível negar as diferenças dos lugares sociais reservados para as pessoas de identidade negra no brasil e ainda prevalece – em muitas cabeças a ideia de que o mérito é igual para todo mundo. Quer dizer, são pessoas que não compreendem que ao final da abolição da escravatura havia um contingente imenso de ex-escravos e seus descendentes, que não tinham os mesmos direitos que os descendentes dos ex-senhores de escravos. Ainda hoje, temos pessoas no Brasil dizendo que o importante é o mérito, não interessa se o garoto nasceu em berço de ouro, foi fazer curso de inglês no exterior porque os pais bancaram, estuda em um colégio de alto nível e depois vai concorrer à universidade com um garoto de uma favela. Quer dizer, segundo essa ideia, os dois teriam o mesmo mérito.
No início desse texto, mencionei que o Genocídio da população negra se fortalece principalmente nas subjetividades já que o racismo é estrutural e estruturante.
No Brasil temos a cor da pele alvo para a violência policial, por exemplo; Mas muitas mortes para a população negra começa desde o seu nascimento, lentamente ao tentar atravessar portas que nunca se abrem e acessar espações que historicamente estão reservados para pessoas brancas.
*Neudes Carvalho, Pesquisadora Futuro do Trabalho Liderança Movimento Negro Organizado. Vice Presidenta do PDT/SP.
Fonte: Jornal Jurid