O registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não é suficiente para afastar a concorrência desleal quando não há dúvidas de que a marca já era utilizada por outra empresa.

13 de fevereiro de 2024

calçados sapatos

A autora da ação e a ré eram sócias em uma empresa de calçados

Com base nesse entendimento, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve a sentença da 3ª Vara Cível de Franca (SP), proferida pela juíza Adriana Gatto Martins Bonemer, que reconheceu a concorrência desleal no uso indevido de marca por uma empresa da ex-sócia da autora da ação. As penalidades incluem abstenção na utilização da marca em meios físicos ou virtuais, restituição de domínio de website e outras plataformas de venda e indenização por lucros cessantes, que será apurada em liquidação de sentença.

De acordo com os autos, a autora e a ré firmaram contrato como sócias em uma empresa de calçados, que iniciou suas atividades em 2018. No entanto, após a retirada da sociedade, a ré passou a utilizar a marca em outro negócio do mesmo setor, interrompendo o acesso da autora ao domínio do site, às mídias sociais e a outras plataformas online de vendas.

Para o relator do recurso, desembargador Azuma Nishi, em que pese o fato de a ré ter registrado a marca no INPI, em 2023, a concorrência desleal não deve ser afastada, uma vez que a marca já estava amplamente relacionada à autora, aplicando-se, no caso, o parâmetro da anterioridade firmado em entendimento do Superior Tribunal de Justiça. “Conquanto a autora não tenha registrado o termo como marca, é fato incontroverso que ela se valia do termo aludido no desenvolvimento de suas atividades comerciais, no ramo de calçados e confecções”, apontou o relator.

“Ante o uso de tal expressão de forma precedente e consolidada, concebe-se que a parte contrária não poderia utilizar da mesma designação no mesmo nicho mercadológico, seja em estabelecimento físico ou virtual por qualquer meio, pois tal conduta encerra abuso de direito e concorrência desleal, visto que enseja associação indevida entre fornecedores e confusão ao público consumidor”, acrescentou o magistrado. Ele também destacou que o fato de o site ter sido registrado pela ex-sócia não afasta o uso indevido, uma vez que ela foi apenas a responsável pelo registro e a página era utilizada para atividades comerciais, não para fins pessoais.

Completaram a turma julgadora, em decisão unânime, os desembargadores Cesar Ciampolini e Fortes Barbosa.

Fonte: TJSP

A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve, por unanimidade, a condenação da União ao pagamento de R$ 650 mil a título de honorários numa ação movida pelo Órgão de Gestão de Mão de Obra (Ogmo) do Trabalho Portuário do Porto Organizado de Santos para anular um auto de infração. A União alegava que o valor era exorbitante e pedia sua redução, mas, segundo o colegiado, o critério de fixação pretendido não é possível quando os valores da condenação ou da causa forem elevados, como no caso.

13 de fevereiro de 2024

TST manteve condenação da União em processo que envolve órgão de gestão do Porto de Santos

O Ogmo havia sido multado em R$ 10,3 milhões pela fiscalização do trabalho em razão de irregularidades na escalação de portuários avulsos e, na ação, pedia a anulação do auto de infração ou a redução do valor da multa.

Os dois pedidos foram julgados improcedentes pelo juízo de primeira instância, que arbitrou os honorários sucumbenciais (devidos pela parte perdedora à parte ganhadora) em favor da União. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) reduziu a multa para R$ 3 milhões.

O debate chegou ao TST e, ao julgar recurso de revista do Ogmo, a 7ª Turma fixou honorários de sucumbência recíproca, considerando que as duas partes seriam sucumbentes, ou seja, não havia apenas uma vencedora na ação: o Ogmo teria obtido a redução da multa e a União, por sua vez, havia mantido o auto de infração.

Com isso, o Ogmo foi condenado a pagar R$ 264 mil à União, e esta deveria pagar R$ 650 mil ao órgão. Para a Turma, não houve condenação, mas apenas proveito econômico das partes em relação a cada pedido em que foram vencedoras.

Por meio de embargos de declaração, a União pediu que fosse aplicado ao caso o artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil, que permite ao juiz fixar o valor dos honorários por apreciação equitativa, sem estar vinculado aos percentuais fixados em lei.

O relator, ministro Evandro Valadão, aplicou ao caso tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1076.

Conforme essa jurisprudência, a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. Nesses casos, devem ser observados os percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do CPC. Para o STJ, somente se admite essa forma de arbitramento quando, havendo ou não condenação, o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório ou quando o valor da causa for muito baixo.

Ainda de acordo com o relator, o tema também será discutido pelo Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 1.255). Embora haja a possibilidade de alteração da tese do STJ, o STF não determinou a suspensão dos processos sobre a matéria. Até que o caso seja julgado, para o ministro, deve se aplicar o entendimento do STJ, por se tratar de questão integralmente regida pelo CPC e não derivada da relação de emprego. Com informações da assessoria de comunicação do TST. 

Processo 1000300-33.2016.5.02.0444

Fonte: Revista Consultor Jurídico

O crédito em moeda estrangeira deve ser incluído no quadro geral de credores na própria moeda em que está constituído. Esse entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que autorizou a habilitação de crédito de recuperação judicial em moeda estrangeira.

13 de fevereiro de 2024

STJ manteve decisão que autorizou habilitação de crédito de RJ em moeda estrangeira

Segundo o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, o crédito em moeda estrangeira só se converte para efeito de “cálculo do poder político na hora da assembleia”, mas é mantido em moeda estrangeira.

“O dispositivo em exame (Artigo 50, parágrafo 2, da Lei 11.101/2005) veicula a justificativa da opção legal adotada, sendo possível extrair, de seus termos, a conclusão de que a imediata conversão em moeda nacional, já por ocasião de sua habilitação, promoveria a indesejada disparidade entre o valor do crédito e o da obrigação que o originou”, disse o relator.

O tribunal analisou o recurso de uma metalúrgica contra decisão do TJ-SP que autorizou a habilitação de crédito em moeda estrangeira. No pedido de reconsideração feito ao STJ, a empresa afirmou que a conversão para moeda nacional deveria ter sido feita levando em conta a taxa de câmbio da data do pedido de recuperação.

Segundo Bellizze, no entanto, a Lei 11.101 (que regulamenta as falências e recuperações judiciais) rege integralmente o tema e só admite a conversão para moeda nacional “para fins exclusivos de votação em assembleia-geral”.

“Veja-se que a conversão em moeda nacional pelo câmbio da véspera da AGC destina-se tão somente a viabilizar a votação do credor na classe em que inserido  seu crédito, definindo, assim, o peso, a influência de seu voto nas correlatas deliberações”, disse.

“Inarredável, assim, a conclusão de que o crédito em moeda estrangeira deve ser incluído no Quadro-Geral de Credores na própria moeda em que constituído, atualizado, em conformidade com os termos ajustados, até a data do pedido de recuperação judicial”, concluiu o relator.

Bellizze foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas. O ministro Moura Ribeiro se declarou impedido e não participou do julgamento.

REsp 1.954.441

Fonte: Revista Consultor Jurídico

Criança socorrida pela polícia e conselho tutelar

13/02/2024

A 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 1ª Vara de Penápolis, proferida pelo juiz Vinicius Gonçalves Porto Nascimento, que condenou homem por abandono de incapaz. A pena, fixada em oito meses de detenção em regime aberto, foi substituída pelo pagamento de um salário-mínimo a entidade designada pelo juízo de execução.

Consta nos autos que o réu, que compartilhava a guarda do filho com a ex-esposa, passava o final de semana com a criança e a deixou sozinha em casa, durante a madrugada, para comprar cigarros. No caminho, se envolveu numa briga e foi encaminhado ao pronto socorro. Durante o período, a criança acordou, se assustou ao não encontrar o pai no local e foi até o portão pedir ajuda.

Para o relator do recurso, desembargador Pinheiro Franco, mesmo que seja possível argumentar que uma criança de oito anos não seja absolutamente dependente de cuidados, ela se encontrava com pai em razão da guarda compartilhada. “E a guarda, não há dúvida, envolve deveres de cuidado e vigilância, que o acusado desprezou ao sair de casa durante a madrugada, deixando a criança sozinha e trancada no imóvel, sem motivo”, escreveu.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Geraldo Wohlers e Claudia Fonseca Fanucchi. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1500141-91.2020.8.26.0438 

Fonte: TJSP

Por conta da falta de intimação do devedor para quitação da dívida, o desembargador Lúcio Raimundo da Silveira, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), em liminar, suspendeu leilões extrajudiciais e proibiu um banco de promover qualquer ato para remover um homem de seu imóvel.

12 de fevereiro de 2024

Devedor não foi intimado para quitar dívida relativa à alienação fiduciária

Na ação, o devedor disse que não foi intimado para quitar a dívida relativa à alienação fiduciária de um imóvel, nem intimado da ocorrência dos leilões. Ele ainda apontou que depositou os valores atrasados em juízo. O pedido de suspensão da expropriação foi negado pela 1ª Vara de São Gabriel do Oeste (MS).

Já no TJ-MS, Silveira considerou a possibilidade de que o autor de fato não tenha sido intimado para quitar a dívida.

“É prudente a suspensão dos atos expropriatórios na fase em que se encontram, para resguardar o direito à moradia do agravante”, pontuou. Nesta primeira análise, o magistrado identificou os requisitos que permitem a concessão da liminar.

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“A ciência do devedor fiduciante e de todo mutuário à purgação da mora é um direito inerente de cada indivíduo, encontrando-se salvaguardada em nosso ordenamento como direito fundamental que não admite exceção, fator constitucional que contraria as mais diversas tentativas nefastas de credores e instituições que, reiteradamente, visam alterar a respectiva regra básica, através de atos escusos e malsinadas legislações esparsas aos seus interesses vis que jamais serão permitidas pelo nosso ordenamento”, diz o advogado Orlando Anzoategui.

Processo 1401070-23.2024.8.12.0000

Fonte: TJMS

Texto será analisado por três comissões da Câmara dos Deputados

O Projeto de Lei 4719/23 estabelece incentivos fiscais para o desenvolvimento de inteligência artificial. Uma das medidas destina ao setor 0,5% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que atualmente financia projetos em tecnologias e segurança da informação. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

“Os incentivos poderão ser concedidos sob a forma de dedução do Imposto de Renda devido pela pessoa jurídica, crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e redução a zero da alíquota do Imposto de Importação, incidente sobre máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, bem como sobre materiais de consumo destinados à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial”, explicou o autor, deputado Dimas Gadelha (PT-RJ).

O projeto também destina recursos dos fundos setoriais de ciência e tecnologia, com alocação mínima de 10% dos fundos de agronegócio, aeronáutico, biotecnologia, energia, espacial, saúde e do programa Inovar-Auto para projetos desenvolvimento tecnológico em inteligência artificial.

Por fim, a proposta também prevê a inclusão de parte do faturamento de empresas de desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial no orçamento do FNDCT.

Tramitação

A proposta será analisada de forma conclusiva pelas comissões de Ciência, Tecnologia e Inovação; Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

A 3ª Vara da Família e das Sucessões de Santos determinou o divórcio post mortem, com efeitos retroativos à data da propositura da ação, em decorrência do falecimento do cônjuge após a citação no processo. 
Na sentença, a juíza Mariella Amorim Nunes Rivau Alvarez destacou que a jurisprudência vem admitindo a possibilidade do decreto do divórcio pós-morte em hipóteses de falecimento do cônjuge no curso da ação, quando já manifestada a vontade de qualquer uma das partes de se divorciar. Ela salientou que a alteração deve necessariamente ser precedida da regulamentar comunicação à parte contrária, pela citação – como é o caso dos autos. 

12/02/2024

Decisão da 3ª Vara da Família de Santos. 


“A ação contendo a manifestação de vontade inequívoca da autora voltada à decretação do divórcio foi ajuizada antes do óbito do réu, que restou regularmente citado, cumprindo-se a necessária triangulação da lide. Por isso e por se tratar de direito potestativo da parte autora, cuja manifestação de vontade vem bem expressa na petição inicial, o divórcio deve ser decretado, com efeitos retroativos à data da propositura da ação”, escreveu. 


Como o casal não adquiriu bens durante o casamento e a certidão de óbito não indicou a existência de bens deixados, a magistrada afirmou não haver necessidade da sucessão processual, sendo “de rigor a pronta decretação do divórcio post mortem”.

Fonte: Comunicação Social TJSP – imprensatj@tjsp.jus.br 

Por Alberto Murray Neto

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição Federal traz um rol exemplificativo dos tipos de verbas consideradas de natureza alimentar para pagamento preferencial de precatórios. Para o colegiado, a definição da forma de pagamento do precatório – com ou sem preferência – está relacionada à comprovação do vínculo entre a verba e a subsistência do credor e de sua família.

09/02/2024

​O entendimento foi estabelecido pela turma ao negar provimento ao recurso em mandado de segurança com o qual um servidor buscava garantir prioridade no recebimento do precatório, originado de indenização devida pelo estado da Bahia em razão da demora na concessão de sua aposentadoria.Relator do recurso, o ministro Sérgio Kukina explicou que a ação originária não discutiu eventual direito a valores de aposentadoria atrasados, mas a responsabilidade civil do estado pelo atraso na implementação do benefício.Valores em precatório não envolvem salários, proventos ou benefícios previdenciáriosCitando o precedente fixado pela Corte Especial no REsp 1.815.055, o ministro apontou que o artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição não introduz rol taxativo das verbas consideradas de natureza alimentar, o que leva à conclusão de que “a definição da natureza alimentar de determinada verba encontra-se vinculada à sua destinação precípua para subsistência do credor e de sua família”.Kukina apontou que a verba discutida nos autos não diz respeito a salários, vencimentos, proventos ou benefícios previdenciários, mas, sim, à indenização por responsabilidade civil – crédito para o qual o dispositivo da Constituição não indica a natureza alimentar.Na avaliação do relator, a indenização devida pelo estado da Bahia não tem o objetivo de assegurar a subsistência do recorrente e de sua família – como seria o caso de seus proventos de aposentadoria –, mas única e exclusivamente reparar prejuízos causados pelo ato ilícito da administração pública, “situação que também evidencia a natureza comum do crédito em análise”.Leia o acórdão no RMS 72.481.

Fonte STJ

Os avanços constantes dos sistemas de inteligência artificial (IA) desafiam a Propriedade Intelectual (PI). Não há consenso sobre a possibilidade de proteção de direitos autorais para obras feitas por IA, mas pedidos de patentes para criações dos robôs vêm sendo negados mundo afora. Com isso, surgiu entre os especialistas da área a ideia de uma modalidade específica de proteção voltada apenas à IA.

9 de fevereiro de 2024

Corrente de especialistas defende nova categoria de PI para abranger questões de IA

A chamada proteção sui generis (única em seu gênero) seria uma nova categoria, para além das formas de proteção mais conhecidas (direito autoral, patentes e marcas), com novos critérios e até prazos menores.

Essa modalidade abrangeria todas as questões e polêmicas de IA no campo de PI — ou seja, tudo o que hoje é discutido dentro das categorias atuais.

Por trás dessa iniciativa está a visão de que as formas de proteção hoje existentes podem não ser suficientes para a complexidade das inovações trazidas pela IA. E muitos especialistas reconhecem que as leis de PI precisam de adaptações para acomodar essas novidades.

IAs inventoras
Há, por exemplo, o debate sobre a possibilidade de uma inteligência artificial ser apontada como inventora em um pedido de patente. Essa controvérsia ganhou força em 2019, com o “caso Dabus”, no Reino Unido.

Dabus é o nome de um sistema de IA generativa. Naquele ano, o criador e proprietário do sistema tentou registrar em vários países patentes de duas invenções que, segundo ele, foram geradas de forma autônoma pela IA. O próprio Dabus foi indicado como inventor.

Os pedidos foram negados na esfera administrativa em países da Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Os escritórios de patentes consideraram que não houve nomeação de um inventor qualificado. Por isso, sequer avançaram para a fase de exame.

Nos lugares em que a discussão chegou ao Poder Judiciário, o entendimento foi semelhante. O exemplo mais emblemático ocorreu no próprio Reino Unido, cuja Suprema Corte analisou o caso em dezembro do último ano e negou a concessão das patentes.

Embora nem todas as decisões pelo mundo tenham conclusões e fundamentos idênticos (já que há diferenças entre as legislações dos países), elas estão, em linhas gerais, alinhadas.

O advogado Bruno Lopes Holfinger, sócio do escritório Dannemann Siemsen (especializado em PI) e agente da propriedade industrial, explica a tese central dessas decisões:

“O inventor precisa ser uma pessoa natural, capaz de ser sujeito de direitos, com personalidade jurídica”. Já a invenção “depende do esforço humano”.

Esse entendimento é baseado nas diretrizes atuais de PI. Mas, a partir da percepção de que esses parâmetros podem não ser os mais eficientes para lidar com a IA, uma corrente teórica propõe a criação da proteção sui generis.

Como as criações das IAs têm participação humana mínima, o novo modelo seria algo separado do regime aplicado às invenções do homem. O objetivo é proteger o trabalho dos profissionais que, em conjunto, desenvolvem sistemas de IA.

inteligência artificial computador

Sistemas de IA criados por humanos já são capazes de conceber suas próprias criações

Como funcionaria
De acordo com Caroline Somesom Tauk, juíza federal do Rio de Janeiro que atua em uma vara especializada em PI, existem duas soluções para a questão das criações feitas por IA dentro dos parâmetros atuais.

Uma delas é admitir que uma máquina, como a IA, seja considerada autora dessas criações — tanto para invenções (novas tecnologias e processos) quanto para obras de arte (quadros e peças musicais, por exemplo).

Mas, como já ficou claro, essa tese não vem prevalecendo. A outra solução, hoje consolidada, é aceitar apenas seres humanos e impedir o registro de uma máquina como autora.

Nesse cenário, a proteção sui generis surge como uma terceira via, que envolve uma mudança na lógica atual de PI. Nesse caso, seria estabelecido que tais criações têm, sim, um autor.

A autoria poderia ser da própria IA ou dos programadores, treinadores, cientistas e fornecedores de dados que desenvolveram o sistema (ou seja, as pessoas por trás da máquina).

Essa nova modalidade teria um prazo mais curto de proteção. Hoje, as patentes, por exemplo, são protegidas por 20 anos. Como as IAs evoluem de forma muito rápida, a doutrina da proteção sui generis entende que um prazo tão longo tornaria as criações obsoletas.

Caroline Tauk, porém, ressalta que há um obstáculo para isso: os pactos internacionais de PI, dos quais o Brasil é signatário.

Um deles é o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês), que estabelece o prazo mínimo de 20 anos para as patentes.

Já no caso do direito autoral, a Convenção de Berna estipula uma proteção mínima de 50 anos a partir da morte do autor.

Ou seja, para obter um tempo de proteção menor, seria necessário mudar a redação de acordos internacionais — o que é “mais complicado”, segundo a juíza.

Para acompanhar a dinâmica das IAs, a proteção sui generis também exigiria um exame mais rápido dos pedidos. A expectativa da doutrina é um procedimento com seis meses de duração.

INPI e outros órgãos oficiais de PI pelo mundo têm procedimentos demorados para conceder proteção

E esse é um outro ponto sensível, não só no Brasil. Hoje, os órgãos oficiais de PI pelo mundo costumam demorar muito até concluir as avaliações e conceder as patentes.

Uma proposta para acelerar os processos é incentivar o uso de ferramentas de IA pelos próprios escritórios de PI.

Tarso Machado, sócio da banca Kasznar Leonardos (também especializada em PI), acredita que essa proteção não deveria passar pelo exame de um ser humano, pois “o racional da criação de uma obra por IA é muito diferente do racional do ser humano”. Além disso, a avaliação humana poderia causar lentidão no processo.

Possíveis caminhos
Bruno Holfinger entende que a criação de uma proteção sui generis precisaria passar por um intenso debate entre todos os envolvidos, o que incluiria os especialistas da área, o Legislativo, os desenvolvedores das IAs e a própria sociedade. Como a ideia ainda é muito inicial, ele diz que não há como prever maiores detalhes.

Tarso Machado, por sua vez, é contrário à criação de uma nova modalidade de proteção. Mesmo assim, ele entende que, caso ela venha a ser criada, haveria uma oportunidade para abordar melhor determinadas questões.

Uma delas é a responsabilidade legal. “Em casos de decisões autônomas prejudiciais feitas por IA, a nova modalidade poderia abordar questões de responsabilidade legal e ética, atreladas à titularidade da PI”, exemplifica.

Na visão de Machado, a proteção sui generis também poderia incluir “questões de registrabilidade condicionadas à origem dos dados de treinamento” de IAs generativas.

Por exemplo, quando uma IA usa dados de treinamentos de softwares para criar um novo programa, os detentores dos direitos do material utilizado como fonte poderiam ser considerados cotitulares da invenção (ou seja, dividiriam a titularidade com a IA).

Hoje em dia, criações autorais têm regras rígidas sobre a data de criação e depósito. Atualizações e modificações geralmente precisam ser protegidas por novas patentes. Para Machado, a nova modalidade poderia flexibilizar essa lógica.

Preparar a sociedade
“Se uma patente não puder proteger invenções de IA, invenções geradas autonomamente ou não por IA ou invenções assistidas por IA, essa ausência de proteção não poderia representar uma desmotivação a inovar? Ou a consequente redução da utilização da IA na indústria?”, questiona Holfinger.

A proteção sui generis, segundo ele, surge como uma tentativa de evitar essa situação e disponibilizar à sociedade as soluções desenvolvidas pela IA. “É de suma importância regular e legislar sobre IA, dada a sua velocidade evolutiva e as consequências (benéficas ou não) que ela pode trazer.”

No entendimento do advogado, o objetivo de criar essa nova modalidade de proteção é justamente preparar a sociedade para contemplar as mudanças rápidas e constantes das IAs. Há a preocupação de que seja perdida a proteção sobre muitos avanços porque o sistema de patentes não permite isso.

Ideia da proteção sui generis surge em meio a avanços constantes dos sistemas de IA

Essa nova modalidade não seria totalmente disruptiva, pois já existem outras formas de proteção, para além das mais conhecidas.

Um exemplo é a indicação geográfica, concedida para identificar a origem de um produto ou serviço que tenha certas qualidades graças à sua origem geográfica, ou que tenha nascido em um local conhecido por aquele produto ou serviço.

Da mesma forma, existe a opção pelo segredo de negócio: as fórmulas, os processos e os padrões são apenas mantidos em sigilo pelo proprietário.

Para Holfinger, “a ausência de formas de proteção para invenções provenientes de uma IA pode levar os desenvolvedores a procurar amparo no segredo de negócio”. Ele destaca que isso “é diametralmente oposto ao que se busca ao se proteger a propriedade industrial, que é o progresso da ciência e o desenvolvimento da sociedade”.

Caroline Tauk indica que as soluções para questões de IA dentro do sistema atual “acabam não satisfazendo todos os interesses”.

Ela lembra que as leis de PI foram concebidas nos anos 1990, quando máquinas ainda não eram capazes de criar. Por isso, considera que “essas leis precisam ser atualizadas”.

Mas a juíza ressalta que alterações legislativas envolvem processos políticos nos quais são feitas concessões para se obter aprovação. Assim, nem sempre resultam na melhor solução.

Além disso, mesmo novas mudanças poderiam ficar desatualizadas em pouco tempo, devido ao ritmo de evolução da tecnologia.

Sem unanimidade
Machado concorda que as leis de PI têm dificuldade para acompanhar a dinâmica da IA, mas não vê a proteção sui generis como o melhor caminho para essas criações.

Segundo o advogado, a sociedade precisa decidir se realmente deseja que exista uma proteção para as criações das IAs generativas.

Lógica atual da PI foi criada quando máquinas ainda não eram capazes de criar

Em caso positivo, ele entende que “não seria necessária a criação de outras formas de proteção”. Em vez disso, “as leis dos países poderiam ser alteradas para permitir que uma IA generativa seja considerada inventora de uma patente ou autora de uma criação autoral”.

Caso a sociedade entenda que as criações de uma IA não devem ser propriedades de um indivíduo ou de um grupo, também não haveria necessidade de uma nova forma de proteção, “visto que os principais sistemas legais já proíbem que as criações de IA generativa possuam direitos autorais ou que seja concedida uma patente para algo inventado unicamente por uma IA”.

Machado compreende que a ideia de uma proteção sui generis teria a vantagem de “proporcionar uma abordagem mais específica e adaptada aos desafios únicos apresentados pela IA, o que pode incentivar a inovação ao garantir uma proteção adequada para os criadores de IA”.

Por outro lado, ele considera que “a criação de uma nova forma de proteção pode complicar ainda mais o sistema legal, tornando-o mais complexo e difícil de administrar”.

Dentro do sistema atual, Machado ressalta a importância de medidas para garantir que a IA não viole direitos de terceiros, como supervisionar o processo de treinamento da máquina e filtrar informações protegidas por direitos autorais.

“Para esses assuntos de infração de PI, a criação de uma proteção sui generis, por si só, não seria capaz de endereçar tais questões.”

Apesar da opinião desfavorável, o advogado não enxerga antagonismo entre IA e PI. Ele lembra que as IAs são utilizadas por empresas inovadoras em suas cadeias de produção e pelo próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) nos seus processos internos (para buscar e classificar patentes, por exemplo).

  • Por José Higídio – repórter da revista Consultor Jurídico.
  • Fonte: Agência Brasil