Prazo de adesão vai até 30 de abril no sistema Regularize, da PGFN

10/01/2024

Os contribuintes inscritos na Dívida Ativa da União podem renegociar, até 30 de abril, o débito com até 70% de desconto nas multas e nos juros. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) abriu segunda-feira (8) cinco editais de transação tributária, modalidade de parcelamento criada durante a pandemia de covid-19.

Chamado de Transações por Adesão, o programa permitirá o parcelamento da dívida em até 145 meses. Na transação tributária, o tamanho do desconto é determinado conforme a capacidade de pagamento do devedor. Quem tiver menor capacidade de pagamento terá os maiores descontos.

Os editais estão divididos nas seguintes categorias: dívidas de pequeno valor, débitos de difícil recuperação ou irrecuperáveis, capacidade de pagamento, inscrições garantidas por seguro garantia ou carta fiança e microempreendedores individuais. Segundo a PGFN, o governo espera recuperar cerca de R$ 24 bilhões com as Transações por Adesão.

O devedor pode fazer simulações e pedir a adesão ao programa na página Regularize, portal de serviços eletrônicos oferecido pela PGFN. O próprio sistema avalia a capacidade de pagamento e renegocia o débito, definindo o valor das parcelas e os descontos definitivos.

Limites

Apenas débitos de até R$ 45 milhões poderão ser refinanciados. O valor das prestações previstas não poderá ser inferior a R$ 25 para o microempreendedor individual e R$ 100 para os demais contribuintes.

Os descontos não incidirão sobre o valor principal da dívida, apenas sobre juros, encargos e multas. A exceção será para os microempreendedores individuais, que poderão ter até 50% de desconto sobre a dívida global (valor principal mais juros, multas e encargos).

As negociações abrangem apenas os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, quando a PGFN passa a cobrar a dívida na Justiça. Os débitos com a Receita Federal são objeto de outra renegociação, aberta na última sexta-feira (5). Dívidas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) também estão fora do parcelamento especial.

*Por Wellton Máximo – Repórter da Agência Brasil – Brasília

Fonte: Agência Brasil

Reparação por dano moral fixada em R$ 10 mil

09 de Janeiro de 2024

A 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou companhia aérea a indenizar idosa por atraso de 38 horas em voo internacional. O ressarcimento por danos morais foi majorado para R$ 10 mil. Na sentença, a empresa também foi condenada a indenizar prejuízo de R$ 280 referente ao translado contratado para levar a autora do aeroporto até sua residência.

Consta nos autos que, após três horas de espera para embarcar em voo de Orlando ao Rio de Janeiro, com escala em Campinas, a mulher, de 80 anos, foi informada de que o trecho Orlando – Campinas havia sido cancelado. Após ser realocada para outro voo, partindo 34 horas depois, foi surpreendida por mais um atraso, de 5 horas, que fez com que perdesse a conexão em que foi realocada, resultando em atraso total de mais de 38 horas em relação ao horário originalmente acordado.

Em seu voto, o relator do recurso, Alexandre David Malfatti, destacou que a situação foi agravada pelo fato de a autora ser idosa. Além disso, o magistrado apontou falhas na prestação do serviço e na prestação de informações. “Tanto o trajeto em que constatado o primeiro cancelamento (Orlando – Campinas) como o trajeto total (Orlando – Rio de Janeiro) são usuais, não tendo a ré apresentado justificativa para tamanha delonga na reacomodação da autora que, ademais, chegou em seu destino de madrugada, quando, originalmente, havia contratado voo com chegada no período da manhã”, afirmou. O magistrado também considerou que a quantia fixada “atenderá às funções compensatória (principal) e inibitória, concretizando-se o direito básico do consumidor”.

Os desembargadores Tasso Duarte de Melo e Sandra Galhardo Esteves completaram a turma de julgamento.  A decisão foi unânime.

Apelação nº 1009013- 93.2023.8.26.0068

Fonte: TJSP

A norma regulamenta as apostas de cota fixa, conhecidas como bets, em que o apostador sabe exatamente qual é a taxa de retorno no momento da aposta

09 de Janeiro de 2024

A lei que regulamenta as apostas esportivas on-line foi sancionada, com vetos, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A Lei 14.790/23 tributa empresas e apostadores, define regras para a exploração do serviço e determina a partilha da arrecadação, entre outros pontos.

A norma regulamenta as apostas de cota fixa, conhecidas como bets, em que o apostador sabe exatamente qual é a taxa de retorno no momento da aposta. São apostas geralmente relacionadas aos eventos esportivos. A lei abrange apostas virtuais, apostas físicas, eventos esportivos reais, jogos online e eventos virtuais de jogos on-line.

Pelo texto, as empresas poderão ficar com 88% do faturamento bruto para o custeio da atividade. Sobre o produto da arrecadação, 2% serão destinados à Contribuição para a Seguridade Social. Os 10% restantes serão divididos entre áreas como educação, saúde, turismo, segurança pública e esporte.

A nova lei teve origem no PL 3626/23, do Poder Executivo, aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Ela está entre as medidas do governo para aumentar a arrecadação e contribuir para a meta de déficit zero.

A maior parte das regras já está em vigor, mas a parte relativa à tributação sobre as apostas começa a valer em abril. Outras regras ainda dependem da regulamentação do governo.

Vetos

De acordo com o governo, os vetos foram por inconstitucionalidade e também por contrariedade ao interesse público. A recomendação para que os trechos fossem vetados foi do Ministério da Fazenda.

Um dos pontos vetados isentava os apostadores de Imposto de Renda, caso os ganhos ficassem abaixo da primeira faixa do IR (R$ 2.112). Com o veto, a alíquota de 15% estipulada para os ganhos com apostas esportivas incidirá sobre qualquer valor obtido pelos apostadores. Para o governo, essa isenção resultaria numa tributação diferente da que ocorre em outras modalidades lotéricas, o que contrariaria a isonomia tributária.

O presidente também vetou o artigo que previa a isenção do imposto de renda sobre o valor da primeira faixa de tributação no caso de prêmios obtidos em títulos de capitalização na modalidade filantropia premiável. Com isso, o imposto incidiria apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que excedesse ao valor da primeira faixa da tabela imposto. O governo argumentou que a regra resultaria em renúncia de potencial receita e que a estimativa não estava incluída no texto.

Foi vetada ainda uma parte que estabelecia os valores das taxas de autorização para a distribuição de prêmios, que varia de acordo com o valor pago. Segundo o governo, o veto se deu porque o projeto inicial dispensava a autorização do Ministério da Fazenda para a distribuição de prêmios de até R$ 10 mil relativa a promoções. Esse dispositivo havia sido excluído pelos parlamentares. De acordo com o governo, por esse motivo, a tabela de valores ficaria sem coerência com o texto aprovado, já que só previa os valores da taxa para prêmios a partir de R$ 10 mil.

Os vetos serão analisados posteriormente pelo Congresso Nacional (sessão conjunta de Câmara dos Deputados e Senado Federal) e podem ser mantidos ou derrubados.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Segundo o colegiado, para o exame dessa violação, é necessário analisar se a invenção principal está ou não sendo utilizada na composição do produto apontado como infrator

09 de Janeiro de 2024

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a titularidade de modelo de utilidade concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não afasta, por si só, a possibilidade de violação da patente do objeto principal que compõe a nova criação. Segundo o colegiado, para o exame dessa violação, é necessário analisar se a invenção principal está ou não sendo utilizada na composição do produto apontado como infrator.

No caso em julgamento, um empresário e a sociedade empresária entraram na Justiça contra outra empresa para que esta parasse de comercializar, divulgar e expor – de forma não autorizada – um tipo de bloco modular para floreiras verticais cuja invenção havia sido patenteada pelos autores da ação. O juízo de primeiro grau, com base em laudo pericial, reconheceu a violação do direito de propriedade industrial e determinou que a ré parasse de usar o produto fabricado por ela.

Na petição de embargos de declaração opostos contra a sentença, a ré informou um fato novo: a concessão, em seu favor, da patente do modelo de utilidade implementado no produto apontado como violador do direito de propriedade dos autores.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), analisando o produto patenteado pelos autores (patente de invenção) e as imagens do modelo de utilidade da ré, concluiu que seria o mesmo objeto; e que, portanto, como o INPI concedeu à ré a patente do modelo de utilidade, a utilização do objeto por ela fabricado não implicaria violação do direito dos autores.

Patente de modelo de utilidade não dá o direito de usar invenção sem autorização

A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, observou que o modelo de utilidade se caracteriza pela introdução de uma nova forma ou disposição em objetos já conhecidos, para criar alguma melhoria funcional. Segundo a ministra, é possível que a nova forma conferida pelo modelo de utilidade recaia sobre objeto constituído por algum elemento protegido por patente de invenção de terceiros.

A relatora destacou que o titular da patente de modelo de utilidade tem o direito de explorar sua criação e de impedir que ela seja usada por terceiros, mas não lhe é permitido utilizar, sem autorização, uma invenção patenteada por outro que integre o objeto sobre o qual foi implementada a melhoria.

“Ficará caracterizada infração ao direito do titular da invenção toda vez que, sem autorização deste, uma reivindicação constante da carta patente em vigor estiver presente em produto fabricado ou comercializado por terceiro sem autorização”, declarou.

Características do objeto devem ser cotejadas com reivindicações da carta patente

Nancy Andrighi ressaltou que, para a adequada solução da controvérsia, não têm relevância as características de forma e função que assemelham ou diferem os produtos finais dos litigantes, assim como não importa saber se a empresa ré possui algum direito de propriedade industrial sobre alguma das características técnicas integrantes do objeto que produz.

De acordo com a ministra, o que é imprescindível para o exame da contrafação é analisar se a invenção específica, cujos direitos de propriedade foram concedidos aos autores, está ou não sendo utilizada na composição do produto apontado como infrator. “Faz-se necessário examinar as características técnicas do objeto fabricado pela ré em cotejo com as reivindicações constantes da carta patente expedida em favor do recorrente”, explicou a relatora.

Por considerar que o fundamento do TJSP não sustenta a solução dada ao processo, pois viola o artigo 41 da Lei 9.279/1996, a Terceira Turma decidiu devolver os autos à segunda instância para o prosseguimento do julgamento da apelação. Entre outros motivos, a relatora esclareceu que a devolução do processo se deve à necessidade de análise das características do produto apontado como infrator e de interpretação das reivindicações da carta patente – o que não poderia ser feito pelo STJ, em razão da Súmula 7.

Fonte: STJ

Comunicado Conjunto nº 951/23

09/01/2024

Recursos utilizados para aprimoramento dos serviços da Justiça.

Na quarta-feira (3) entraram em vigor os novos valores das custas judiciárias em todo o Estado de São Paulo. O Comunicado Conjunto nº 951/23, publicado no Diário de Justiça Eletrônico (DJE), disponibilizou tabelas para fins de verificação e apuração da taxa judiciária, de acordo com cada fato gerador. Por exemplo: distribuição da petição inicial, interposição de apelação e recurso adesivo, distribuição do cumprimento de sentença, execução fiscal etc. 

Sancionada em outubro, a Lei nº 17.785/23 modificou a Lei nº 11.608/03 após envio do Projeto de Lei nº 752/21 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo à Assembleia Legislativa. Mesmo com a majoração trazida pela modificação legislativa, as custas cobradas no Estado continuarão abaixo da média nacional. Os recursos arrecadados com as taxas são fundamentais para o contínuo aprimoramento das atividades da Justiça paulista e em prol da população, como a estrutura de prédios dos fóruns; contratação de estagiários; instalação de varas; melhores sistemas e equipamentos de informática. 

Fonte: Comunicação Social TJSP – imprensatj@tjsp.jus.br 

No começo de dezembro, após exaustiva discussão, o Conselho da União Europeia aprovou acordo com os Estados-membros que estabelece diretrizes para o uso de inteligência artificial em determinados setores econômicos e também pelos poderes públicos. O acordo foi o primeiro do tipo e deve tensionar a discussão de legislações sobre o tema em grandes mercados digitais, como os Estados Unidos e o Brasil.

8 de janeiro de 2024

Regulação de inteligência artificial é desafio internacional

A norma vem na esteira de outra, a dos sites de busca, também regulados pela UE. Assim como no caso das inteligências artificiais, a legislação é mais restritiva em relação à que tramita no Brasil (PL 2630/2020). Entre outros pontos, a Europa já delineou as responsabilidades das empresas de tecnologia pelos conteúdos publicados, além de reconhecer o direito ao esquecimento (tratado como inconstitucional no Brasil).

Em relação à IA na Europa, o texto começou a ser discutido em 1º de outubro de 2020. Descrito como Ato da Inteligência Artificial, o documento aprovado pelos países classifica os usos da IA com padrões de risco. Jogos eletrônicos, por exemplo, são classificados como de “risco mínimo”, enquanto casos de uso no transporte (veículo autônomo) e no recrutamento de trabalhadores são classificados como “alto risco”.

Nível de riscoAtividadeSituação
MínimoVideo games, filtros de spamNão serão regulados
LimitadoChatbotsAutorizados, mas devem obedecer a critérios mínimos de transparência
AltoUso em transporte, exames médicos, recrutamento, concessão de empréstimosDevem se adequar a critérios rígidos para que possam ser oferecidos nos países da União Europeia
InaceitávelReconhecimento facial, manipulação comportamental, monitoramento de emoções no trabalho e nas escolasProibido

A normativa aprovada pela UE tem pontos semelhantes ao projeto mais avançado sobre o tema que tramita no Legislativo brasileiro, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Há, no entanto, divergências, como em pontos relacionados à segurança pública.

O acordo assinado pelos países-membros da UE considera “inaceitável” o uso de reconhecimento facial e emocional, com exceções (uso pelas autoridades policiais, por exemplo). A “manipulação cognitivo-comportamental, o policiamento preventivo, o reconhecimento de emoções no local de trabalho e instituições educacionais e a pontuação social” estão proibidos nos países signatários.

No Brasil, já há algum tempo há adoção do reconhecimento facial nas esfera pública e privada. O mecanismo é usado como credencial de entrada em condomínios e estádios de futebol, por exemplo, além de ser utilizado por algumas polícias estaduais para fins de persecução criminal.

Na cidade de São Paulo, em meio a um imbróglio jurídico, a prefeitura firmou acordo milionário para instalação de 20 mil câmeras com reconhecimento, mesmo sem regulamentação sobre o tema.

Também baseada em sistema de classificação de risco, a proposta que tramita no Congresso não dá diretrizes específicas sobre o uso desse tipo de tecnologia no âmbito da segurança pública. O texto classifica esse uso como de “risco excessivo”.

No artigo 15, o texto estabelece que é “permitido o uso de sistemas de identificação biométrica à distância, de forma contínua em espaços acessíveis ao público, quando houver previsão em lei federal específica e autorização judicial em conexão com a atividade de persecução penal individualizada”, nos casos de crime em flagrante, busca de desaparecidos e persecução de crimes cuja pena máxima seja superior a dois anos.

No §2º do artigo 7, faz menção genérica ao reconhecimento facial: “Pessoas expostas a sistemas de reconhecimento de emoções ou a sistemas de categorização biométrica serão informadas sobre a utilização e o funcionamento do sistema no ambiente em que ocorrer a exposição”.

Autoridade competente
Para especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, dois pontos atravancam a legislação que tramita no Congresso: a necessidade de criação de um órgão controlador para gerir  e fiscalizar  as regras de IA e o complexo emaranhado de atores que estão interessados, ou não, na discussão sobre o tema.

“Historicamente, o Brasil tem desempenhado um papel relevante nas discussões sobre a regulamentação de tecnologias emergentes, no entanto, a aprovação efetiva do PL depende de vários fatores, incluindo a dinâmica política e o interesse governamental, além da complexidade inerente ao próprio processo legislativo”, diz Ana Beatriz Couto, CEO do hub jurídico Sem Processo.

Em relação à autoridade que será desginada, a situação é turva. “Aqui ainda não está bem definido quem será a autoridade. Alguns defendem que a ANPD tenha esse papel, outros entendem que uma abordagem mais setorizada seria mais interessante”, diz Adriana Rollo, sócia de proteção de dados do escritório BZCP Advogados.

A legislação europeia, diz Adriana, foi também mais eficiente para designar detalhes do que seria o sandbox regulatório  espécie de espaço seguro para testes de tecnologias que envolvem IA. “A legislação europeia também prevê um ambiente de teste, mas traz mais especificidades para o desenvolvimento do sandbox, com previsões de obrigações específicas para as autoridades, por exemplo. Aqui no Brasil não foi desenvolvido ainda como funcionará esse sandbox“, diz a advogada.

Para ela, a classificação por risco é importante, mas é necessário detalhá-la para que o desenvolvimento de novas tecnologias no país não seja prejudicado.

“Há uma dificuldade do legislador brasileiro, e no mundo inteiro, de antecipar quais serão os grandes riscos e quais usos que trarão prejuízos. Então, as leis acabam sendo mais genéricas, na medida do que é possível deixar claro em relação aos principais fundamentos, diretrizes e direitos das pessoas envolvidas, mas sem entrar no detalhe de como será feito o uso e desenvolvimento de sistema de IA.”

Fonte: Revista Consultor Jurídico

A necessidade de autorização do Congresso para a venda de terras a estrangeiros protege soberania nacional e evita o canibalismo do território — uma preocupação mundial, em tempos de hipervalorização da produção de alimentos, exploração de minérios e até turismo.

8 de janeiro de 2024

A proteção do mercado e a imposição de restrições a empresas de outros países virou pauta obrigatória num movimento em que a globalização cede espaço à proteção da segurança nacional. É o que afirmam especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Reprodução

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) enviou ofícios em 29 de dezembro à Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para evitar a concretização da venda da Eldorado Brasil Celulose para a Paper Excellence.

A medida decorre de um procedimento administrativo que determinou que a Paper Excellence deveria ter obtido autorização prévia do Congresso Nacional, por meio do Incra, para formalizar o contrato de aquisição da Eldorado em 2017. A conclusão é baseada na análise das leis brasileiras sobre compra e arrendamento de terras por estrangeiros.

O negócio, segundo o Incra, representa a aquisição da Eldorado, empresa nacional com propriedade e arrendamento de imóveis rurais, pela CA Investment Brasil, uma companhia brasileira equiparada a estrangeira, uma vez que tem como acionistas a holandesa Paper Excellence e a malaia Fortune Everrich. Por isso, a transação exige aval parlamentar, avaliou o instituto.

A aquisição de terras por estrangeiros no Brasil é regulada pela Lei 5.709/1971, que impede a compra ou o arrendamento de áreas com mais que 50 módulos fiscais por não brasileiros. Um município não pode ter mais do que 25% de seu território sob controle de pessoas físicas ou jurídicas de outros países. Cidadãos e empresas de uma determinada nação não podem ser proprietários de mais do que 10% da área de uma cidade.

O artigo 23, parágrafo 2º, da Lei 8.629/1993, estabelece que compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei 5.709/1971, por pessoa jurídica estrangeira ou equiparada, de área superior a 100 módulos de exploração indefinida (MEI). Em relação ao caso concreto, o Incra afirma que os imóveis localizados em Mato Grosso do Sul equivalem a 995,503 MEI, acrescentando que “o números [sic] de MEI será maior caso seja computado a área da matricula n 27043 do SRI da Comarca de Andradina – SP e os imóveis arrendados pela empresa Eldorado Brasil Celulose S.A”.

A exigência de aval do parlamento também consta de normas do Incra, como o Manual de Orientação para Aquisição e Arrendamento de Imóvel Rural por Estrangeiro e a Instrução Normativa 88/2017. Por sua vez, o artigo 15 da Lei 5.709/1971 prevê expressamente que a aquisição ou arrendamento “que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito”.

O parecer da Advocacia-Geral da União lançado no mesmo processo administrativo e aprovado pela Subprocuradora-Chefe da Procuradoria Federal Especializada reforça que, uma vez verificado que o negócio foi realizado em desacordo com a legislação vigente, a consequência é a nulidade prevista em lei.
Apesar dessa determinação expressa, o Incra abriu a possibilidade de uma solução negociada entre J&F — controladora da Eldorado — e Paper Excellence, orientando sobre a possibilidade de as empresas desfazerem o negócio voluntariamente.

Defesa da soberania
Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a limitação da compra de terras por estrangeiros é uma medida importante para manter a soberania do território nacional. Especialmente porque, com o real desvalorizado perante o dólar, o euro e outras moedas, brasileiros ficariam em desvantagem perante a estrangeiros no mercado nacional, especialmente na agropecuária.

O jurista Lenio Streck avalia que a decisão do Incra está correta. Ele diz que as ações em tramitação no Supremo Tribunal Federal que visam à declaração de inconstitucionalidade da Lei 5.709/1971 partem de uma premissa equivocada, pois a Constituição de 1988 não apenas recepciona a norma como reforça sua constitucionalidade.

“Explico: uma vez que a soberania é condição de existência do próprio Estado, da dignidade humana e de diversos direitos sociais, também deve ser resguardada da falta de proteção estatal. A soberania deve ser protegida. E, ao mesmo tempo, protege. Se o artigo 190 determina que a lei limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por estrangeiro, a norma restaria carente da regulamentação constitucionalmente exigida se uma empresa estrangeira pudesse simplesmente evitar as exigências legais”, explica o professor.

A proteção estatal não pode ser exagerada, aponta Lenio. Por exemplo, o poder público não poderia vedar a compra de terras por estrangeiros em qualquer circunstância. No entanto, ressalta, o Estado jamais poderia proteger de forma deficiente as áreas nacionais, permitindo que pessoas e empresas de outros países as comprassem irrestritamente. Caso isso ocorresse, “o Estado brasileiro estaria protegendo insuficientemente a soberania, incidindo, portanto, em uma inconstitucionalidade”, diz o colunista da ConJur.

Porém, declara, esse exame de proporcionalidade nem é necessário nas ações que correm no STF. “Isso porque a Constituição já estabelece que a soberania tem precedência em face dos demais direitos fundamentais colidentes quando se tratar de aquisição de propriedades rurais por estrangeiros. É uma exigência constitucional: o Estado jamais poderia deixar de proteger a soberania nacional. Soberania quer dizer: aqui tem lei que protege as terras brasileiras. Simples assim.”

O STF julga ações (ADPF 342 e ACO 2.463) que visam derrubar a limitação à compra de terras por estrangeiros. Os autores argumentam que a restrição viola os preceitos fundamentais da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação. Sustentam que, ao limitar as aquisições de terras por empresas nacionais com capital estrangeiro, a lei dificulta o financiamento da atividade agropecuária e diminui a liquidez dos ativos imobiliários, com perda para as empresas agrárias.

As limitações legais à aquisição de terras por estrangeiros são uma escolha legítima dos representantes do povo — que é soberano na democracia — para a proteção do território brasileiro, destaca o advogado Walfrido Warde.

“É uma forma de evitar o direito de propriedade seja distorcido e usado para permitir a ocupação estrangeira do país, ou seja, a compra de grandes extensões de terra por estrangeiros. Todos os países que compreendem que a defesa da soberania é indispensável para a competitividade perante outras nações têm medidas protetivas de seus interesses”, afirma.

Warde aponta que o sistema de Justiça desses países — que engloba não só o Judiciário, mas também o exercício do poder sancionatório e regulador de órgãos da administração pública — atua deliberadamente para proteger os interesses nacionais aos estrangeiros.

No Brasil, isso não significa uma afronta aos direitos dos estrangeiros, regulamentados pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017), e sim que eles devem se submeter aos interesses nacionais, aos objetivos da nação, analisa o advogado.

Projeto de lei
O Senado aprovou, em dezembro de 2020, o Projeto de Lei 2.963/2019, que facilita a aquisição de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. A proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados.

O PL revoga a 5.709/1971 e dispensa a necessidade de autorização ou licença para compra e posse por estrangeiros quando se tratar de imóveis rurais com áreas não superiores a 15 módulos fiscais (no Brasil, o valor do módulo fiscal é fixado pelo Incra e varia de 5 a 110 hectares, dependendo do município).

O Ministério Público Federal emitiu nota técnica contra o projeto. O órgão destaca que a proposta contraria o parecer da Advocacia-Geral da União, de 2010, que concluiu que a Lei 5.709/1971 havia sido recepcionada pela Constituição de 1988, “especialmente pela sua compatibilidade com a garantia constitucional do desenvolvimento nacional e com os princípios da soberania, da independência nacional e da isonomia entre brasileiros e estrangeiros”.

No entendimento do MPF, o PL retira as restrições que recaem sobre as aquisições dos imóveis rurais por empresas brasileiras, ainda que sejam controladas por estrangeiros, flexibilizando exageradamente as regras atuais. “A prevalecer o projeto, bastaria a criação formal de pessoa jurídica brasileira por estrangeiro em território nacional para possibilitar a aquisição de terras por estrangeiros”, afirma o órgão.

A procuradoria destaca ainda que a medida vai na contramão da tendência internacional. Como exemplo, cita que, em países com grandes dimensões de terras, como Estados Unidos e Canadá, é possível que os entes públicos imponham suas próprias restrições sobre o domínio de áreas por estrangeiros.

Para o MPF, a soberania deve ser compreendida não só quanto às fronteiras, mas também nos campos alimentar e econômico, fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

“A flexibilização exagerada das regras para aquisição por pessoas jurídicas estrangeiras não se coaduna com os ditames constitucionais da dignidade da pessoa humana, da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, isonomia, função social da propriedade, justiça social, desenvolvimento sustentável, segurança jurídica e reforma agrária”, opina o MPF.

  • Por Sérgio Rodas – correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
  • Fonte: Revista Consultor Jurídico

De acordo com o colegiado, é preciso flexibilidade para conciliar o cumprimento das formalidades legais com o respeito à última vontade do testador

08 de Janeiro de 2024

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, validou um testamento particular em que as testemunhas não foram capazes de confirmar em juízo a manifestação de vontade da testadora, a data em que o testamento foi elaborado, o modo como foi assinado e outros elementos relacionados ao ato.

De acordo com o colegiado, é preciso flexibilidade para conciliar o cumprimento das formalidades legais com o respeito à última vontade do testador.

No caso dos autos, duas pessoas interpuseram recurso especial no STJ depois que as instâncias ordinárias negaram seus pedidos de abertura, registro e cumprimento de um testamento particular, pois as testemunhas ouvidas em juízo não esclareceram as circunstâncias em que o documento foi lavrado nem qual era a manifestação de vontade da testadora.

Apuração das instâncias ordinárias se distanciou dos requisitos legais

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a confirmação do testamento particular está condicionada à presença de requisitos alternativos: ou as testemunhas confirmam o fato da disposição ou confirmam que o testamento foi lido perante elas e que as assinaturas no documento são delas e do testador.

Contudo, a ministra apontou que, na hipótese dos autos, as testemunhas foram questionadas especificamente sobre a vontade da testadora, as circunstâncias em que foi lavrado o testamento, a data ou o ano de sua assinatura, se foi assinado física ou eletronicamente e se a assinatura se deu em cartório ou na casa da testadora.

Segundo a relatora, a apuração fática das instâncias ordinárias se distanciou dos requisitos previstos no artigo 1.878, caput, do Código Civil (CC), uma vez que as testemunhas foram questionadas sobre detalhes distintos daqueles previstos em lei.

“O legislador não elencou uma parte significativa dos elementos fáticos que foram apurados nas instâncias ordinárias porque o distanciamento temporal entre a lavratura do testamento e a sua confirmação pode ser demasiadamente longo, inviabilizando que as testemunhas confirmassem, anos ou décadas depois, elementos internos ou inerentes ao testamento”, declarou.

Para o STJ, é possível flexibilizar as formalidades exigidas para a validade do testamento

A relatora também ressaltou que, tendo como base a preservação da vontade do testador, o STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que é admissível alguma espécie de flexibilização nas formalidades exigidas para a validade de um testamento.

A título de exemplo, a ministra citou a decisão proferida no REsp 828.616, em que se reconheceu que o descumprimento de determinada formalidade – no caso, a falta de leitura do testamento perante três testemunhas reunidas concomitantemente – não era suficiente para invalidar o documento, pois as testemunhas confirmaram que o próprio testador foi quem leu o conteúdo para elas e, ainda, confirmaram as assinaturas presentes no testamento.

“O exame da jurisprudência revela que esta corte tem sido ciosa na indispensável busca pelo equilíbrio entre a necessidade de cumprimento de formalidades essenciais nos testamentos particulares (respeitando-se, pois, a solenidade e a ritualística própria, em homenagem à segurança jurídica) e a necessidade, também premente, de abrandamento de determinadas formalidades para que sejam adequadamente respeitadas as manifestações de última vontade do testador”, concluiu Nancy Andrighi ao dar provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ

A Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, inscreveu a defesa do consumidor entre os direitos fundamentais

08 de Janeiro de 2024

Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, inscreveu a defesa do consumidor entre os direitos fundamentais. Até então, o Brasil não contava com uma proteção jurídica sistematizada para o consumidor em razão de sua condição de sujeito vulnerável do mercado.

Ao colocar “a defesa do consumidor” como obrigação do Estado, prevista no rol de direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, XXXII), o texto constitucional a tornou cláusula pétrea, ou seja, não pode ser eliminada nem alterada por emenda. Mais adiante, o texto afirma que a ordem econômica, entre outros princípios, deve observar a defesa do consumidor. Por fim, nas Disposições Constitucionais Transitórias, ficou estabelecido que o Congresso Nacional, dentro de 120 dias da promulgação da Constituição, teria de elaborar o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Embora fora do prazo, a Lei 8.078 foi promulgada em 11 de setembro de 1990, entrando em vigor seis meses depois. O CDC colocou o Brasil numa posição de vanguarda na defesa dos direitos do consumidor e se tornou um importante marco do fortalecimento da cidadania.

Em seu artigo 6°, o código passou a assegurar a proteção da vida e da segurança contra os riscos de produtos e serviços, com efetiva prevenção e reparação, inclusive invertendo-se o ônus da prova pelo juiz; a informação adequada; a proibição da publicidade enganosa e abusiva; a modificação das cláusulas contratuais abusivas, ou sua revisão quando fatos supervenientes as tornarem excessivamente onerosas; o acesso à Justiça; a participação na formulação de políticas de consumo e a educação para o consumo, além da exigência de adequação e eficiência nos serviços públicos.

A proteção do consumidor é uma das múltiplas faces do exercício da cidadania

Esta quarta matéria da série especial Faces da Cidadania mostra como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao interpretar e aplicar as normas consumeristas, vem atuando para garantir o pleno exercício dos direitos do cidadão também nesse campo. Mostra ainda, pelo exemplo de uma iniciativa do Procon do Distrito Federal, como é possível empoderar o consumidor por meio da informação sobre tais direitos.

Nas mais de três décadas que se seguiram à promulgação da Constituição e do CDC, o STJ produziu ampla jurisprudência sobre a matéria, com mais de 20 súmulas relacionadas ao direito do consumidor, dentre as quais se destacam:

Para a ministra Nancy Andrighi, o consumo cada vez maior de bens, serviços e informações passou a ser um critério de aferição da cidadania. A condição de consumidor, disse, é um importante papel que assumem os cidadãos na sociedade contemporânea, “sendo fácil perceber que o direito do consumidor está intimamente relacionado à tutela da cidadania”.

Complemento ao microssistema de processos coletivos

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e membro da comissão que elaborou o anteprojeto do CDC, o professor e advogado Kazuo Watanabe destacou que o código é reconhecido por seu conteúdo principiológico, isto é, “como estatuto que contém princípios tutelares abrangentes, e não normas específicas voltadas a fatos típicos”.

Na sua avaliação, a lei vem cumprindo adequadamente a função de proteger os consumidores, ainda que, em razão do tempo decorrido, tenha precisado de atualizações – como as que disciplinaram o comércio eletrônico e trataram do superendividamento (Lei 14.181/2021).

O professor também ressaltou que o CDC complementou o sistema brasileiro de processos coletivos – o qual, até então, contava apenas com a ação popular e a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), que tutela interesses difusos. “O Código de Defesa do Consumidor, além de dispor sobre os aspectos faltantes na lei de 1985, como a disciplina da competência, da coisa julgada, das espécies de provimentos, criou e disciplinou mais duas espécies de ação coletiva: a que tutela os interesses coletivos stricto sensu e a que tutela os interesses individuais homogêneos”, explicou.

Cidadania instrumental do consumidor

Para Dennis Verbicaro, procurador do Estado do Pará, doutor e professor de direito do consumidor, a identidade coletiva como consumidor permite a ocupação de mais espaços políticos de deliberação, o que influi diretamente no aprimoramento dos deveres éticos do fornecedor. “É o que chamo de cidadania instrumental do consumidor, ou seja, a cidadania emerge da identidade política comum de todos nós, que nos impõe o dever de participar desse diálogo com os agentes econômicos do mercado, sob a mediação do Estado e em prol da harmonia das relações de consumo”, declarou. 

Segundo o procurador, essa nova perspectiva de grupo ou de coletividade de consumidores tem uma capacidade muito maior de transformar a realidade: “Essa rede solidária de influência e articulação política impõe aos empresários a mudança de comportamento, seja voluntariamente – sob a forma de marketing de aproximação –, seja coercitivamente – pela sujeição jurídica às normas administrativas, civis e penais de proteção ao consumidor, cuja exigibilidade é garantida pela atenta e oportuna atuação cívica da sociedade e pela fiscalização diligente do Estado”.

Quem pode ser considerado consumidor

Estendendo a ideia de consumidor para muito além do adquirente de bens ou serviços, o artigo 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander): também goza da proteção da lei aquele que, mesmo sem participar diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do acidente de consumo, decorrente de defeito exterior que ultrapassa o objeto do produto ou do serviço e põe em risco sua segurança física ou psíquica.

“Na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial destinada à fabricação de produtos ou à prestação de serviços, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do CDC”, disse a ministra Nancy Andrighi.

A ministra relatou o REsp 2.018.386, no qual a Segunda Seção estabeleceu que as vítimas de supostos danos decorrentes da exploração de uma usina hidrelétrica podem ser consideradas consumidoras por equiparação. Elas alegaram que a produção de energia elétrica no complexo de Pedra do Cavalo (BA) causou danos materiais e morais em razão do impacto na sua atividade pesqueira e de mariscagem.

O colegiado, no julgamento do CC 143.204, em hipótese envolvendo derramamento de óleo, também considerou que os pescadores artesanais prejudicados eram vítimas de acidente de consumo, motivo pelo qual estaria caracterizada a figura do consumidor por equiparação e justificada a incidência do CDC.

Limites da publicidade no CDC

Uma das decisões mais impactantes do STJ na interpretação do CDC foi o primeiro precedente em que se considerou abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. O julgamento ocorreu em 2016 na Segunda Turma (REsp 1.558.086).

Para o relator do recurso, ministro Humberto Martins, a decisão sobre compra e consumo de gêneros alimentícios, sobretudo em época de crise de obesidade, deve caber aos pais, não às crianças. “Daí a ilegalidade, por abusivas, de campanhas publicitárias de fundo comercial que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil (artigo 37, parágrafo 2º, do CDC)”, afirmou à época.

Da mesma forma, o tribunal tem vários outros entendimentos sobre os limites da publicidade diante dos direitos do consumidor – entre eles, o que considerou enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor, a mensagem que consta em letras minúsculas nas informações contratuais (REsp 1.599.423).

Responsabilidade solidária da cadeia de produção

O CDC também ampliou o campo de incidência da responsabilidade, que passou a alcançar não apenas o fornecedor diretamente ligado ao evento danoso, mas toda a cadeia produtiva envolvida na atividade de risco.

A Quarta Turma, no REsp 1.358.513, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, decidiu que uma empresa engarrafadora de gás de cozinha e uma distribuidora – revendedora exclusiva da primeira – eram responsáveis solidárias por atropelamento ocorrido durante a entrega do produto, que culminou na morte de um menino de quatro anos, em 2008. A criança andava de bicicleta quando foi atingida pelo caminhão de entrega, no momento em que o motorista realizava manobra em marcha à ré.

Conforme o relator, o CDC estabelece expressamente, no artigo 34, que o fornecedor de produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. “Ou seja, estabelece a existência de responsabilidade solidária de quaisquer dos integrantes da cadeia de fornecimento, que venham a dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança, independentemente, inclusive, de vínculo trabalhista ou de subordinação”, afirmou Salomão.

O superendividamento na mira das instituições

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido em abril de 2023), o superendividamento se tornou uma grande preocupação do direito do consumidor em todo o mundo, devido às facilidades de acesso ao crédito.

Ele foi o relator do REsp 1.584.501, no qual a Terceira Turma analisou se o desconto de empréstimo consignado poderia alcançar quase o valor total do salário do devedor. Por reconhecer que tal situação trazia risco à subsistência do consumidor, o colegiado limitou a 30% os descontos na conta em que ele recebia seus rendimentos.

A decisão da Terceira Turma foi tomada quando ainda tramitava no Congresso o projeto que viria a se transformar na Lei 14.181/2021, a chamada Lei do Superendividamento, que disciplina o crédito ao consumidor. Mesmo reconhecendo que as relações contratuais são regidas pelo princípio da autonomia privada, Sanseverino ponderou que esse princípio se submete a outros, como o da dignidade da pessoa humana.

O problema do superendividamento do consumidor tem recebido atenção especial do Poder Judiciário. Em agosto de 2022, foi lançada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a Cartilha sobre o Tratamento do Superendividamento do Consumidor, elaborada por um grupo de especialistas que teve o ministro do STJ Marco Buzzi como coordenador.

Em novembro do mesmo ano, o STJ promoveu o seminário O Tratamento do Consumidor Superendividado à Luz da Lei 14.181/2021: da trajetória legislativa à sua efetivação. Na opinião do ministro Buzzi, coordenador-geral do evento, o controle do superendividamento exige não apenas a atuação do Judiciário, mas um conjunto de ações a serem desempenhadas por vários segmentos sociais e instituições em favor de uma necessária mudança de mentalidade.

Relação entre o direito do consumidor e a proteção de crédito

A relação entre direito do consumidor e proteção de crédito é uma questão frequente nos processos que chegam ao STJ. Em 2009, ao julgar os Temas 40 e 41 dos recursos repetitivos (REsp 1.062.336), a Segunda Seção discutiu a possibilidade de indenização por danos morais diante da falta da comunicação prévia ao consumidor sobre a inscrição de seu nome em cadastros restritivos de crédito – exigência do parágrafo 2º do artigo 43 do CDC –, nos casos em que exista inscrição anterior feita regularmente. O julgamento levou à edição da Súmula 385.

A corte entendeu que o dano moral é configurado quando a entidade de proteção ao crédito aponta como inadimplente alguém que efetivamente não o é. Quando a anotação é irregular, mas o consumidor tem contra si alguma inscrição legítima, não se verifica o direito à indenização, mas apenas ao cancelamento.

Recentemente, no julgamento do REsp 2.056.285, a Terceira Turma estabeleceu que a notificação do consumidor sobre a inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva por e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS).

Escola do consumidor fornece cursos para a população e para fornecedores

Em funcionamento desde 2019, a Escola do Consumidor integra o Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF) e ministra, gratuitamente, cursos a respeito dos direitos dos consumidores – voltados tanto para a população em geral quanto para os fornecedores.

Inicialmente, as aulas eram ofertadas apenas de maneira presencial, mas desde 2020, na pandemia da Covid-19, a instituição passou a publicar vídeos de orientação em seu canal no YouTube, bem como a oferecer cursos on-line. Os temas variam de acordo com as demandas que chegam à instituição e abordam questões como “Educação financeira”, “Formação prática ao micro e pequeno empresário” e “Introdução ao direito do consumidor”. No YouTube, o vídeo mais visualizado fala de “Parcelamento automático da fatura do cartão de crédito”.

O objetivo da escola, segundo o diretor do Procon-DF, Marcelo de Souza do Nascimento, é utilizar uma linguagem clara, de fácil acesso, para empoderar o consumidor por meio da informação. “O consumidor bem informado poderá exercer o seu direito diretamente com o fornecedor”, afirmou. 

Nascimento comentou que a questão do consumidor é transversal a diversas outras, de modo que os direitos e deveres relacionados diretamente ao consumo, muitas vezes, precisam ser abordados em conjunto com discussões mais amplas sobre cidadania, que envolvem, por exemplo, a importância do saneamento básico, os direitos das pessoas com deficiência e até mesmo a discriminação racial.

Ao todo, 2.100 alunos já participaram de alguma formação oferecida pelo Procon-DF. Atualmente, a escola também organiza cursos voltados a segmentos específicos, como o setor varejista, e possui um acordo de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para auxiliar os consumidores superendividados.

Fonte: STJ