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Em algumas situações, o ato com potencial de deixar um indivíduo moralmente abalado vai além e atinge a coletividade como um todo. Nesse tipo de violação, pode haver a condenação pelo dano moral coletivo – que é considerado uma categoria autônoma de ressarcimento extrapatrimonial, ou seja, não representa a soma dos danos morais individuais em determinado contexto. O dano coletivo é devido quando há lesão extrapatrimonial à integridade da coletividade, de natureza transindividual.

17/06/2024

 

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o reconhecimento desse tipo de dano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ocorreu no julgamento do REsp 1.057.274, de relatoria da ministra Eliana Calmon (aposentada), em caso de indevida submissão de idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício de passe livre. Nesse recurso especial, o tribunal reconheceu a configuração do dano moral coletivo e considerou desnecessária a comprovação de dor, sofrimento e abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicáveis quando se trata de interesses difusos e coletivos.

Diferentemente do que ocorre no dano individual, os valores das indenizações por dano moral coletivo não vão para pessoas específicas, mas para fundos ou instituições, de maneira que sejam revertidos em prol da sociedade.

Imagem de capa do card
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O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

Crianças e adolescentes humilhados em programa de TV

O ministro Salomão relatou recurso no qual o STJ se pronunciou sobre a responsabilidade pelo conteúdo transmitido pelas emissoras de televisão. No julgamento do REsp 1.517.973, os ministros da Quarta Turma condenaram a TV e Rádio Jornal do Commercio Ltda. a pagar dano moral coletivo por humilhar menores em um quadro sobre investigação de paternidade. Para o relator, o programa contribuía para tornar crianças e adolescentes vulneráveis a discriminações e vítimas potenciais de bullying.

Segundo o processo, em um de seus programas, a emissora exibia um quadro chamado “Investigação de Paternidade”, no qual expunha a vida e a intimidade de crianças e adolescentes cuja origem biológica estava em apuração. O apresentador utilizava expressões humilhantes para se referir aos menores e à situação que vivenciavam.

Salomão explicou que a configuração do dano moral coletivo no caso estava relacionada aos “prejuízos causados a toda a sociedade, em virtude da vulnerabilização de crianças e adolescentes, notadamente aqueles que tiveram sua origem biológica devassada e tratada de forma jocosa”.

O ministro disse que o programa, ao expor imagens e nomes dos pais dos menores, “tornou-os vulneráveis a toda sorte de discriminações, ferindo o comando constitucional que impõe a todos (família, sociedade, Estado) o dever de lhes assegurar, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de colocá-los a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão (artigo 227 da Constituição da República)”.

Filmes exibidos fora do horário recomendado pelo Ministério da Justiça

Já no julgamento do REsp 1.840.463, a Terceira Turma negou pedido de fixação de danos morais coletivos contra a Rádio e Televisão Bandeirantes S/A por causa da exibição de filmes não recomendados para menores de 18 anos em horário diverso do indicado pelo Ministério da Justiça.

Para o colegiado, esse tipo de condenação é possível diante de abusos e violações do direito à programação sadia, desde que a conduta afronte de forma clara valores e interesses coletivos fundamentais.

Entre 2006 e 2007, a emissora exibiu quatro filmes fora do horário indicado. Um deles, não recomendado para menores de 18 anos, passou às 22h15, quando, de acordo com o ministério, programas com essa classificação só deveriam ser exibidos a partir das 23h.

O relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, mencionou que, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), a classificação indicativa não é obrigatória nem caracteriza censura prévia dos conteúdos veiculados em rádio e TV, mas tem a função pedagógica de ajudar os pais na definição do que é adequado para seus filhos.

No caso em julgamento, o relator verificou que a conduta da TV Bandeirantes, apesar de irregular, “não foi capaz de abalar de forma intolerável a tranquilidade social dos telespectadores, bem como seus valores e interesses fundamentais”.

Tratamento inadequado a idosos e gestantes merece punição pedagógica

A falta de tratamento adequado às pessoas que têm direito a atendimento bancário com prioridade pode levar à condenação por dano moral coletivo. Esse foi o entendimento da Terceira Turma ao julgar o REsp 1.221.756. O colegiado confirmou a decisão de segunda instância que impôs a um banco a obrigação de instalar caixa para atendimento de idosos, gestantes e pessoas com deficiência no andar térreo, além de pagar indenização de R$ 50 mil como reparação de danos morais coletivos.

O banco foi alvo de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro porque, em uma agência de Cabo Frio (RJ), as pessoas com prioridade precisavam subir três lances de escada, no total de 23 degraus, para serem atendidas no caixa especial. O MP considerou essa circunstância vexatória e degradante para os cidadãos com necessidades especiais.

Na avaliação do relator do caso no STJ, ministro Massami Uyeda (aposentado), era incontestável a ocorrência de dano moral coletivo, apto a gerar indenização. “Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física ou por causa transitória, como as gestantes, à situação desgastante de subir escadas, exatos 23 degraus, em agência bancária que, diga-se, possui plena capacidade e condições de propiciar melhor forma de atendimento – que, curiosamente, é chamado de prioritário”, disse o relator.

O ministro comentou que, nessas situações, a indenização por dano moral coletivo serve não apenas como reparação, mas também como uma “pedagógica punição”.

Simples exagero em propaganda não ofende valores sociais

No julgamento do REsp 1.370.677, a Quarta Turma afastou uma condenação por dano moral coletivo decorrente de campanha publicitária de ar-condicionado. Para os ministros, ao descrever o aparelho como “silencioso”, a propaganda incorreu no chamado puffing – técnica publicitária que utiliza o exagero para enaltecer certa característica do produto em comparação com outros.

“Dizer ser o aparelho silencioso, nas condições tecnológicas da época, em que os condicionadores de ar de gerações anteriores produziam mais ruído, era mero exagero publicitário comparativo”, observou o relator do caso, ministro Raul Araújo.

O recurso no STJ teve origem em ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) concluíram que a campanha teria iludido os consumidores ao atribuir uma característica inexistente ao aparelho.

No entanto, Raul Araújo afirmou que a propaganda de condicionadores de ar costuma ter razoável conteúdo comparativo e se dirige a um público que é capaz de compreender o exagero na apresentação de alguma característica.

“Em tal contexto, não se pode entrever a ocorrência de danos morais coletivos, que ficam adstritos às hipóteses em que configurada grave ofensa à moralidade pública, sob pena de sua banalização”, concluiu o ministro.

Indenização por desmatamento na região amazônica

A Segunda Turma deu provimento ao REsp 1.989.778, no qual o Ministério Público de Mato Grosso pedia o reconhecimento de dano moral coletivo resultante da derrubada de floresta nativa na região amazônica, que deveria ser preservada. O colegiado aplicou a jurisprudência segundo a qual a lesão ao meio ambiente gera dano moral in re ipsa, ou seja, que dispensa a demonstração de prejuízos.

Imagem de capa do card
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Tem-se entendido no STJ, predominantemente, que, para a verificação do dano moral coletivo ambiental, é desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado, pois o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A Justiça local condenou o responsável a pagar danos materiais, bem como a recompor o meio ambiente e a se abster de desmatar outras áreas. Para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), a condenação por danos morais coletivos não seria possível, pois isso exigiria que o fato transgressor fosse de “razoável significância” e excedesse “os limites da tolerabilidade”.

A relatora do caso no STJ, ministra Assusete Magalhães (aposentada), afirmou que a própria corte estadual reconheceu ter havido “desmatamento e exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente”, conduta que “tem ocasionado danos ambientais no local, comprometendo a qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

A ministra destacou que, uma vez constatado o dano ambiental, incide a Súmula 629 do STJ. “Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal e do artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981, reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos”, declarou a magistrada.

Cabimento do dano moral coletivo no processo penal

A condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos também é cabível em processos de direito penal, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP). Esse entendimento foi estabelecido pela Quinta Turma no julgamento do REsp 2.018.442.

Os ministros acolheram parcialmente um recurso especial do MPF para determinar que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) retomasse o julgamento da apelação em um processo decorrente da Operação Armadeira – que apurou esquema de fraude em fiscalizações da Receita Federal –, para examinar se houve dano moral coletivo.

No processo, um empresário teve contas bancárias bloqueadas para garantir o pagamento de eventuais danos materiais, estimados em R$ 4 milhões, e de danos morais coletivos, no mesmo valor. O TRF2, porém, levantou o bloqueio relativo aos danos morais coletivos, sob o entendimento de que eventual ressarcimento a esse título deveria ser exigido em processo específico para esse fim. 

Relator do recurso especial do MPF, o ministro Ribeiro Dantas lembrou que, no julgamento da AP 1.025, o STF passou a admitir a indenização por dano moral coletivo no processo criminal.

“Restou assentado que a prática de ato ilícito, com grave ofensa à moralidade pública, ou com desrespeito aos princípios de observância obrigatória no âmbito da administração pública, com a intenção de satisfazer interesses pessoais, em flagrante violação às expectativas de toda a sociedade brasileira, enseja a responsabilidade civil dos envolvidos pelo dano moral coletivo”, completou.

Exploração de atividade ilícita também é hipótese de condenação

A exploração comercial de atividade ilícita também configura, em si mesma, dano moral coletivo. Com esse entendimento, a Segunda Turma, no julgamento do REsp 1.567.123, reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) para impor a indenização a um estabelecimento que explorava jogos de bingo.

Os juízos de primeiro e segundo graus haviam julgado o pedido de indenização improcedente, ao entendimento de que seria necessário comprovar que a atividade teria gerado abalo de natureza não patrimonial à coletividade.

Segundo o relator, ministro Herman Benjamin, a ação civil pública do Ministério Público Federal tem a dimensão coletiva de não somente reparar danos já sofridos pelos consumidores (controle repressivo), como também determinar às exploradoras de jogos de bingo e caça-níqueis obrigação de fazer, de não fazer, de informar e de indenizar, para prevenir danos futuros a outros consumidores, como autoriza o artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor (controle preventivo).

Para o ministro, no caso dos autos, era patente a necessidade de corrigir uma “lesão supraindividual às relações de consumo”, pois o dano em questão transcendia os interesses individuais dos frequentadores de bingo ilegal.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1057274REsp 1517973REsp 184063REsp 1221756REsp 1370677REsp 1989778REsp 2018442REsp 1567123

Fonte: STJ

Provas demonstraram descumprimento sistemático de normas de saúde e segurança do trabalho.

Postado em 10 de Janeiro de 2023

Uma empresa de serviços de telecomunicações foi condenada a pagar R$ 500 mil em indenização por danos morais coletivos por colocar em situação de risco a saúde e a vida de uma coletividade de trabalhadores, ocasionando diversos acidentes de trabalho, inclusive com registro de morte. O recurso ordinário foi julgado pelo Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (13ª Região) nesta quinta-feira (17) e teve como relator o desembargador Leonardo Trajano.

De acordo com os autos, o juízo de origem, após análise das provas documentais, condenou a empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, além de obrigar o estabelecimento a realizar diversas ações no sentido de garantir a saúde e preservação da vida dos seus trabalhadores, a exemplo da entrega dos apropriados Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e da promoção de capacitações relacionadas à segurança do trabalho.

Porém, no recurso, a empresa argumentou que efetua a correta entrega de EPIs, bem como realiza a fiscalização de seu uso cotidianamente, de modo a garantir que os funcionários exerçam suas atividades com segurança. Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho, que ingressou com a Ação Civil Pública, apresentou elementos que demonstram que a empresa descumpre, de maneira sistemática, normas de saúde e segurança do trabalho e, em razão disso, trabalhadores teriam se acidentado, inclusive fatalmente.

Ao analisar o caso, o relator entendeu pela manutenção da indenização, além de conceder a tutela inibitória, que tem por objetivo prevenir uma possível violação de direitos, impedindo a prática de atos futuros reiteradamente ilícitos. “Com efeito, demonstrada a ocorrência de ilícito e/ou ameaça de violação da norma jurídica, é devida a aplicação da tutela inibitória, visando evitar riscos e danos futuros, razão pela qual deve ser mantida a sentença”, explicou.

Para o desembargador Leonardo Trajano, ficou evidente que a empresa, de fato, não cumpre as normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. “Na hipótese dos autos, verifica-se que o descumprimento reiterado de normas de saúde e segurança do trabalho, pela ré, colocou em situação de risco a saúde e vida de uma coletividade de trabalhadores, ocasionando diversos acidentes de trabalho, com registro inclusive de morte, pelo que se tem, por óbvio, que tal conduta ilícita detém lesividade coletiva significativa, de modo que possui o condão de gerar o direito à indenização pretendida”, destacou.

Processo nº 0000365-22.2022.5.13.0026

Fonte: TRT13

22 de fevereiro de 2022

A Justiça do Trabalho do Ceará condenou uma empresa de cerâmica a pagar indenização de R$ 50 mil, a titulo de dano moral coletivo, devido a duas mortes decorrentes de acidentes de trabalho e por descumprimento de normas de segurança.

Segundo a perícia, empresa não ofereceu equipamentos de proteção adequados

A decisão foi proferida pelo juiz Jaime Bezerra Araújo, da Vara do Trabalho de Iguatu, em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho. O valor será revertido para o Hospital e Maternidade Dr. Agenor Araújo, localizado naquele município.

Segundo o relatório elaborado pela Superintendência Regional do Trabalho, o primeiro acidente ocorreu em setembro de 2019. Na ocasião, um operário fazia a limpeza de um máquina quando se desequilibrou e acabou prensado por dois rolos giratórios, morrendo no local. Já a outra morte aconteceu no ano seguinte.

Para a perícia, os casos estão diretamente relacionados a negligências com a saúde e a segurança dos trabalhadores, uma vez que a empresa deixou de implementar o programa de prevenção de riscos ambientais e não disponibilizou equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados, além de não ter não apresentado laudos de insalubridade e periculosidade.

Diante disso, o Ministério Público do Trabalho ingressou com a ação pedindo que a V. B. Cavalcante Cerâmica fosse condenada a reparar os danos causados aos direitos coletivos dos trabalhadores.

“Diante do evidente negligenciamento das obrigações firmadas junto ao Ministério Público do Trabalho, (…) de se impor à executada multa por descumprimento, ora fixada em R$ 50 mil, a ser revertida à entidade pública ou privada, sem fins lucrativos, que operam na rede de saúde, para ações de enfrentamento à pandemia”, sentenciou o magistrado.

Ainda de acordo com o juiz, a condenação da empresa tem caráter pedagógico e reparador ao mesmo tempo.

“Sempre que possível, tem-se buscado a reversão de valores decorrentes de danos morais coletivos à própria comunidade lesada. No caso, priorizou-se aquisição de EPIs a trabalhadores da área de saúde, além de outros insumos no combate à Covid, após escolha de entidade sem fins lucrativos que atendeu a diversos critérios técnicos”, explicou. 

0000115-25.2020.5.07.0026

Com informações da assessoria do TRT-7.