Posts

O juízo da 21ª Vara Cível de Brasília condenou uma pastora e um canal de televisão por fala ofensiva à população LGBTQIA+. O julgador destacou na decisão que atrelar a causa de uma doença à orientação sexual ultrapassa a liberdade de expressão ou religiosa e configura conduta discriminatória.

3 de maio de 2024

Pastora e canal de TV foram condenados por declarações homofóbicas

Autora da ação civil pública, a Aliança Nacional LGBTI relatou que a pastora proferiu discurso discriminatório em desfavor da população LGBTQIA+ durante um evento transmitido pelo canal de TV. Em um dos trechos, ela afirmou que a “união sexual entre dois homens causa uma enfermidade que leva à morte”, ao se referir à Aids.

Na ação, a autora pediu que a pastora e o canal fossem condenados a cessar a divulgação da gravação e a pagar indenização por danos morais.

Em sua defesa, os réus sustentaram que houve o exercício legítimo da liberdade de expressão e religiosa, e disseram ainda que não houve discurso de ódio ou atitude discriminatória. Ao julgar, porém, o juiz explicou que a liberdade de expressão e a liberdade religiosa possuem limite sistêmico no ordenamento jurídico brasileiro, e devem estar em harmonia com princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e a vedação à conduta discriminatória. No caso, segundo o julgador, a ré “externou opinião danosa, ultrapassado os limites da liberdade de expressão e religiosa, exatamente no trecho em que apontou a opção afetivo-sexual como origem da Aids”.

“A ilação não encontra respaldo em texto bíblico ou na ciência. É uma conclusão errada que apenas repete a ultrapassada impressão popular da década de 1980, época da descoberta da doença (…). O que favorece a Aids não é a orientação do doente, mas a desinformação, a falta de autocuidado e, em suma, a carência social, que impede as pessoas de se precaver, razão pela qual atrelar a causa da doença à orientação afetivo-sexual diversa da heterossexualidade ultrapassa a simples liberdade de expressão ou religiosa para configurar conduta discriminatória vedada pelo texto constitucional”, escreveu o juiz.

Dano moral coletivo

O julgador pontuou ainda que “a injusta e superada pecha da culpa pelo surgimento e propagação” foi revivida pela população LGBTQIA+. Para ele, houve dano moral coletivo. “A manifestação e divulgação da opinião errada atribui à população LGBTI+ uma responsabilidade inexistente, atingindo a dignidade destas pessoas de modo transindividual (…). Ocupar o lugar de culpada pela existência da Aids é situação que reduz sensivelmente todas as conquistas desta coletividade, constatação que evidencia a lesão extrapatrimonial.”

Dessa forma, os réus foram condenados a pagar R$ 25 mil a título de dano moral coletivo. O valor deve ser depositado em um fundo apontado pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), com atuação voltada à defesa dos interesses da população LGBTQIA+. Os réus terão também de cessar a disponibilização e reprodução da fala ofensiva. 

Processo 0709624-28.2021.8.07.0001

Com informações da assessoria de imprensa do TJ-DF.

18 de maio de 2022

Com o objetivo de preservar a dignidade da pessoa humana, o Código Civil só permite a penhora de salário para pagamento de pensão alimentícia, ou se os ganhos do devedor superarem o valor de 50 salários mínimos mensais. Mas existe outra situação em que também é possível quebrar a proteção das verbas salariais: quando há prejuízo resultante de ilícito contratual causado pelo devedor.

Magistrada autoriza penhora no salário de servidora que recebe R$ 40 mil por mês

O entendimento é da desembargadora Diva Lucy de Faria Pereira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), que determinou a penhora mensal de 10% dos rendimentos líquidos de uma funcionária pública inadimplente até o pagamento integral de sua dívida. Ainda cabe recurso da decisão.

A sentença, assinada no último dia 10, mudou decisão da 5ª Vara Cível de Brasília que havia impedido o confisco salarial da devedora.

Entenda o caso
A funcionária pública é cobrada por uma dívida decorrente de locação no valor de R$ 4.674, valor que chegou a R$ 9.520,09 após correção devido ao inadimplemento. Embora ela não possuísse nenhum bem em seu nome, dados obtidos por meio do Portal da Transparência revelaram que a mulher recebe mensalmente R$ 39.293,32.

O dinheiro recebido por um devedor a título de salário ou remuneração não pode ser confiscado para pagamento de sua dívida, conforme prevê o artigo 833, inciso IV, do CPC, já que essa verba é destinada à sua subsistência e à de sua família. 

Segundo a relatora do caso, no entanto, a proteção da impenhorabilidade da natureza salarial não é absoluta. Ela lembrou que a própria legislação (artigo 1º, III, da CF/88) abre duas exceções nesses casos — quando o devedor precisa pagar pensão alimentícia ou ganha mais de 50 salários mínimos por mês.

“Penso ser possível também relativizar a proteção da impenhorabilidade das verbas salariais em caso de prejuízo resultante de ilícito contratual causado pelo devedor, como concretamente, em que os agravados não cumpriram com a obrigação assumida contratualmente, ao deixarem de preservar o bem dado em locação, e nenhuma iniciativa esboçam para pagar a dívida existente”, defendeu a desembargadora.

A desembargadora também afirmou que “não é de hoje que as partes devem ser comportar, no processo e nas relações negociais em conformidade com os ditames da boa-fé, nos termos dos vigentes art. 5º do CPC e art. 113 do CC”, já que “o Direito jamais deu guarida a comportamentos ardilosos, maliciosos ou lesivos ao próprio ordenamento jurídico”.

Em sua decisão, ela ressaltou que o valor da penhora requerida (R$ 3 mil) equivale a pouco mais de 11% da remuneração líquida mensal da funcionária pública. Também foi constatado que a devedora recebe “diversas gratificações, que chegam até mais de R$ 20 mil”, segundo consta nos autos.

“Nessa análise, não verifico a possibilidade de abalo no atendimento das necessidades essenciais à sobrevivência da devedora”.

Para a desembargadora, embora “extremo e excepcional”, o confisco de parte do salário da funcionária “prestigia a segurança jurídica e a confiança na relação negocial estabelecida entre as partes”, além de evitar o enriquecimento sem causa do devedor.

Em “situações nas quais foram infrutíferas todas as medidas adotadas pelo credor para localização de outros bens do devedor passíveis de penhora, como neste caso”, é possível relativizar a impenhorabilidade do salário em conta bancária, concluiu a relatora.


0714161-36.2022.8.07.0000

Fonte: TJ-DF