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Os direitos de autor consistem em uma ramificação da propriedade intelectual voltada à proteção das criações de espírito humano, de natureza artística, científica ou literária.

20 de Maio de 2024

O ordenamento jurídico brasileiro considera como autor de uma obra toda pessoa física responsável por materializar uma ideia em um suporte físico, sendo desnecessário o registro da criação em qualquer repartição pública para impulsionar a proteção por este instituto, ao contrário dos demais direitos de propriedade intelectual. 

Os direitos autorais se subdividem em duas esferas. Enquanto no âmbito patrimonial visam garantir que o autor possa gozar economicamente dos frutos de sua obra, na esfera moral há a preocupação com a preservação dos direitos de personalidade do criador.

artigo 29 da Lei nº 9.610/98 lista como direitos patrimoniais de autor, em suma, a reprodução parcial ou integral da obra, sua edição, adaptação, tradução, distribuição ou utilização. Logo, o autor possui exclusividade sobre a obra, cabendo a ele, de forma única e exclusiva, determinar se será licenciada ou cedida para terceiros.

Uma das formas de reprodução da obra autoral é a denominada execução pública. O parágrafo segundo do artigo 68 da Lei nº 9.610/98 dispõe que:

§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

Desta feita, a reprodução de obras protegidas em locais de frequência coletiva – e, com isto, se entende qualquer local em que a obra é colocada ao alcance do público – enseja a aplicação da Lei de Direitos Autorais com o fim de garantir ao autor o recebimento de seus direitos patrimoniais.

Identificada esta forma de execução da obra, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, também denominado como “ECAD”, realiza a arrecadação e distribuição dos pagamentos autorais aos responsáveis pelas obras reproduzidas.

Uma discussão existente na atualidade é acerca da obrigatoriedade de arrecadação da taxa de execução pública pelas plataformas de streaming, mais especificamente se estas podem ser caracterizadas como “local de frequência coletiva” ou não, para fins de cobrança do ECAD.

Antes de destrinchar os argumentos favoráveis e contrários a tal colocação, de início é imperioso pontuar que existem duas modalidades de streaming no mercado contemporâneo. 

O autor James H Richardson  defende que as formas de manifestação do streaming no mercado se dão no formato live streaming (não interativo) e on-demand (interativo). Enquanto o modelo on-demand, utilizado pelas plataformas Spotify e Youtube, por exemplo, permite o acesso às obras de forma assíncrona, o modelo não interativo, aplicado na modalidade simulcasting, reproduz conteúdo de forma simultânea, que bastante se assemelha à forma de atuação dos programas de rádio, por exemplo. 

Os apoiadores da aplicabilidade da taxa argumentam que a mera disponibilização da obra ao público, por meio das plataformas, já dá origem ao fato gerador da cobrança. 

Isto porque, em tese, a partir da inserção da obra em uma plataforma digital, ela é utilizada não só para sua reprodução em prol do entretenimento do consumidor, mas também para maximizar as vendas do servidor e apresentar parâmetros de campanhas publicitárias em ambiente online.

Além disto, muitos autores opinam que considerar o streaming como execução pública trará maior transparência e segurança aos autores de direitos autorais e conexos, eis que a arrecadação do ECAD, supervisionada estatalmente pelo Ministério da Cultura, gerará uma prestação de contas mais detalhada e transparente (PANZOLINI; PINHEIRO 2017) .

Por outro lado, há quem entenda que, diante das particularidades de cada plataforma de streaming, não é possível estabelecer uma regra geral para execução pública neste caso. Dessa forma, sustentam que devem ser analisadas as características de cada plataforma, não sendo cabível a equiparação à transmissão radiofônica em todo e qualquer caso.

Sobre o tema, o acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.559.264-RJ consolidou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentindo de que transmissões via plataformas de streaming ensejam a cobrança da taxa de execução pública.

Segundo o Ministro Relator do acórdão, Ricardo Villas Bôas Cuerva, colocar uma obra à disposição do público, por si só, consiste em um ato de execução pública relacionado ao acesso às plataformas digitais, que é considerado local de frequência coletiva. Em decorrência disto, reconheceu que tanto a reprodução na modalidade live streaming, quanto na simulcasting, são tidas como execução pública de conteúdo.Lado outro, o Ministro Marco Aurélio Bellizze proferiu entendimento em sentido alternativo. O voto sustenta que não é toda reprodução de obra artística por intermédio de uma plataforma digital que deverá ensejar a cobrança de execução pública.

O Ministro exemplifica plataformas nas quais o consumidor apenas possui acesso por meio de senha própria e login individualizado, ilustrando uma reprodução realizada de forma isolada e afastando a execução em local de frequência coletiva. Portanto, a disponibilização ao público de obras musicais não se confunde com a reprodução radio fonográfica do modelo tradicional.

A visão trazida pelo Ministro Bellizze, embora tenha embasado um voto vencido pelos demais ministros envolvidos na prolação do acórdão, é a que aparenta mais se aproximar da realidade do mercado musical e dos termos da legislação autoral.

Ao desconsiderar as peculiaridades das modalidades de streaming, o acórdão em questão comete o mesmo erro da legislação de direitos autorais vigente, qual seja, não acompanhar o desenvolvimento tecnológico dos suportes físicos que dão vida às obras autorais.

É certo que a mera disponibilização de uma obra fonográfica por intermédio de uma plataforma de streaming não necessariamente implica na execução pública da obra. De certa forma, é um ato semelhante ao de ir a uma loja adquirir um CD – a obra está disponível para acesso dos consumidores, que não necessariamente irão reproduzi-la. 

Em verdade, falar sobre execução pública em razão da reprodução musical em plataformas que não são dotadas de simultaneidade configura bis in idem de fato, considerando a cobrança duplicada de royalties sob a mesma rubrica, qual seja, o licenciamento de direitos de autor. 

Além disto, no caso das plataformas on demand, o principal requisito trazido pelo parágrafo segundo do artigo 68 da Lei de Direitos Autorais, que é a disponibilização da obra em local de frequência pública, não se encontra vislumbrado. A verdade é que resta demonstrada uma forma de reprodução musical não interativa e para uso privado.

Decisões como a tomada pela Colendo Superior Tribunal de Justiça devem ser cautelosas para não engessar o mercado musical, se fazendo necessária uma análise generalista para fins de equilibrar os direitos privados das partes com a letra da legislação autoral.

Rememora-se que dentre os principais objetivos do trabalho executado pelo ECAD está manter a música viva por meio do reconhecimento dos artistas mediante uma contraprestação financeira justa e adequada pelos estabelecimentos empresários que se utilizam de suas obras para atrair o público consumidor.

Logo, a entidade serve como reguladora de uma relação entre duas partes que visam a obtenção de vantagens financeiras. Se por um lado os artistas buscam ser recompensados economicamente pelas músicas de sua autoria, de outro lado os estabelecimentos empresários desejam utilizá-las para fomento de sua atividade.

Nesta toada, o ECAD possui a responsabilidade de realizar cobranças de valores justos e proporcionais para concessão da licença que remunere o artista por sua criação e, ao mesmo tempo, viabilize a reprodução musical por estabelecimentos comerciais para fins econômicos sem onerar-lhes demasiadamente.   

*Por: Filipe Magalhães Pagliarini   

Fonte: Jornal Jurid