O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional o artigo 13 da Lei 17.719 do município de São Paulo. A norma anulada previa a fixação de alíquota progressiva do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para sociedades uniprofissionais, com cálculo baseado no número de profissionais habilitados.
23 de abril de 2024
TJ-SP barrou cobrança progressiva de ISS para sociedades uniprofissionais (Antonio Carreta/TJ-SP)
A decisão se deu nos termos do voto do relator da matéria, desembargador Figueiredo Gonçalves, que entendeu que o dispositivo violava os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 5º e 145 da Constituição Federal.
O magistrado explicou que o dispositivo que prevê a incidência da alíquota de ISS com base no número de profissionais e no faturamento das sociedades adota critério que só seria cabível a sociedades empresariais.
A decisão foi provocada por mandado de segurança apresentado por uma empresa que já havia obtido liminar para suspender o recolhimento de ISS por meio de alíquota progressiva.
Entendimento do STF
O juízo de primeira instância concedeu liminar aplicando o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 918, que estabeleceu que é inconstitucional a lei municipal que determina impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.
A prefeitura da capital paulista, então, apresentou recurso e a 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP manteve a decisão, mas sem aplicar o Tema 918. Diante disso, o caso foi levado ao Órgão Especial.
Ao analisar o incidente de arguição de inconstitucionalidade cível, o relator apontou que o caso concreto apresenta distinções que dificultam a aplicação do entendimento do STF no Tema 918, já que não havia, como no processo julgado pelo Supremo, a criação de condições legais que dificultam o ingresso ou permanência das sociedades uniprofissionais no regime especial de tributação fixa.
No caso da lei municipal, segundo o relator, o que existe é “o estabelecimento de faixas discrepantes de presunção de receita bruta para o cálculo do ISS, em violação aos artigos 144, 160, § 1º, 163, inciso II, da Constituição Estadual, e aos artigos 145, § 1º, 146 inciso III, alínea ‘a’, e 150, inciso II, da Constituição Federal”.
Advogados conseguiram liminar na Justiça paulista para afastar aumento de ISS que poderia chegar a 2500% em algumas sociedades. A decisão suspende os efeitos da Lei nº 17.719, de 2021, que mudou a forma de cobrança de todas as sociedades profissionais.
A Lei nº 17.719 foi editada no fim de 2021 e produziria efeito em março para o pagamento em abril. Pela norma anterior, a Lei nº 13.701, de 2003, o pagamento de ISS era feito pela multiplicação de um valor fixo (baseado na receita bruta) pelo número de profissionais. A nova lei criou um aumento progressivo de acordo com o número de profissionais.
As faixas de receita bruta mensal ficam entre R$ 1.995,26, multiplicados pelo número de profissionais habilitados, até cinco habilitados, e R$ 60 mil, multiplicados pelo número de profissionais habilitados, para casos que superar cem.
Na liminar, a juíza Gilsa Elena Rios decidiu suspender a exigibilidade do crédito tributário. Determinou que a receita municipal deixe de autuar, inscrever em dívida ativa, negar emissão de certidão de regularidade fiscal e efetuar cobrança (administrativa ou judicial) de valores a título de ISS calculados conforme a Lei nº 17.719, de 2021 (processo nº 1005773-78.2022.8.26.0053). Para a juíza, não se pode admitir que a capacidade contributiva seja aferida pela renda bruta presumida com natureza variável.
A decisão foi dada em pedido feito pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (SINSA) e seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). As entidades entraram com um mandado de segurança coletivo com pedido de liminar para suspender a previsão de lei municipal de São Paulo que autoriza o aumento de quase 2.500% no ISS.
“Se a sociedade tem mais de cem advogados, o valor a pagar é exorbitante”, afirma o presidente do Cesa, Gustavo Brigagão. De acordo com o tributarista, a nova lei viola a capacidade contributiva, o direito de associação e o princípio da razoabilidade, além da pretensão de se utilizar o tributo com efeito de confisco.
Ainda segundo o advogado, a alteração na tributação é uma tentativa inconstitucional de modificar a sistemática de tributação das sociedades uniprofissionais para fins de recolhimento do ISS. “Com o aumento feito, os efeitos da tributação fixa são anuladas”, diz. Para Brigagão, o valor fixo com base na estimativa de receita bruta já não seria válida.
A liminar, afirma Brigagão, protege todas as sociedades uniprofissionais estabelecidas na cidade de São Paulo, aquelas constituídas por dois ou mais profissionais de uma mesma categoria para prestarem o serviço de sua formação, como médicos, contadores, arquitetos, advogados, engenheiros, entre outros.
Além disso, acrescenta o advogado, a liminar passa um recado para outras cidades. “Quando um município que tem mais influência sobre os demais lança uma inciativa dessas outros vão atrás. Então é um aviso muito importante que se dá para outros municípios também.”
A Procuradoria-Geral do Município de São Paulo informa, em nota, que está adotando as providências pertinentes ao cumprimento da decisão liminar e que ainda serão avaliadas e adotadas as medidas judiciais cabíveis. O órgão destaca que a decisão tem efeito apenas para as partes envolvidas no processo e que não recebeu outras ações com o mesmo pedido por parte de outras categorias.
A Secretaria Municipal da Fazenda afirma que a inovação trazida pela Lei Municipal nº 17.719, de 2021, teve como objetivo a justiça fiscal , além de corrigir “gravíssimas distorções” no tratamento tributário das sociedades uniprofissionais de maior poder econômico, em comparação ao tratamento dispensado à imensa maioria de contribuintes paulistanos.
https://murray.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/logo-murray-advogados-300x138.png00Gelcy Buenohttps://murray.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/logo-murray-advogados-300x138.pngGelcy Bueno2022-02-28 12:34:102022-02-28 12:34:23Justiça concede liminar para reduzir ISS de advogados
No próximo mês, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) cobrado de sociedades uniprofissionais vai aumentar na cidade de São Paulo. A medida está ancorada na Lei 17.719, de 26 de novembro do ano passado — que alterou dispositivos da lei paulistana do ISS (Lei 13.701/2003) aplicáveis a sociedades cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade. É o caso de advogados, médicos, psicólogos, engenheiros e contadores, por exemplo.
A lei presume uma receita bruta mensal per capita dessas sociedades — sobre a qual incidirá a alíquota de 5% do ISS — de acordo com o número de sócios que as compõem. Antes da alteração, havia uma base de cálculo fixa para cada sócio. A partir de fevereiro, essa base aumenta consideravelmente, de forma escalonada:
Até 5 profissionais: R$ 1.995,26
De 6 a 10 profissionais: R$ 5 mil
De 11 a 20 profissionais: R$ 10 mil
De 21 a 30 profissionais: R$ 20 mil
De 31 a 50 profissionais: R$ 30 mil
De 51 a 100 profissionais: R$ 40 mil
Mais de 100 profissionais: R$ 60 mil
Assim, um grupo com 25 associados, por exemplo, pagará em 2022 cerca de R$ 121 mil a título de ISS, ante cerca de R$ 40 mil em 2021 — quase três vezes mais.
Especialistas consultados pela ConJur fizeram duras críticas à lei municipal. Para Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), o efeito negativo dessa alteração será enorme.
“O impacto financeiro, a partir de 2022, será expressivo, pois alteram-se os valores das bases de cálculo e, ao que indica a nova lei, a incidência passará a ser mensal”.
Ele explica que a lei paulistana apresenta problemas constitucionais: “A lei municipal fere o princípio constitucional de vedação à tributação confiscatória, pois o aumento será de mais de 100%. Além disso, fere o princípio da isonomia, pois a nova lei equipara, para fins de aplicação das novas bases de incidência, as Sociedades de Serviço Pessoal (SUP) e outras sociedades cuja prestação de serviços não são de caráter pessoal, mas empresarial. A OAB-São Paulo e o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Ceat) já se organizam para acionar a Justiça”, diz ele.
O também tributarista Breno Dias de Paula é outro crítico da lei. “Cuida-se de verdadeira reforma jurisprudencial por ativismo do legislador. Os municípios não aceitaram a derrota no STF e a prevalência do ISS uniprofissional. Agora criam base de cálculo inconstitucional e muito superior à própria base do ISS fixo. Mais insegurança jurídica para o país”, argumenta.
Em coluna publicada na ConJur, os tributaristas Igor Mauler Santiago, Alexandre Evaristo Pinto e Caio Augusto Takano, a lei é inconstitucional porque o regime de ISS paulistano não é compatível com a norma geral de ISS — no caso, o Decreto-Lei 406/68, que veda terminantemente a utilização da “importância paga a título de remuneração do próprio trabalho” como critério para o cálculo do ISS na situação em análise, pouco importando se esta é aferida de maneira direta ou indireta. “De fato, muito poucas força e utilidade teria a norma geral se fosse possível burlá-la de forma tão singela e escancarada”, afirmam.
Além disso, segundo eles, a nova tabela com as bases de cálculo viola os princípios da igualdade (CF, artigos 5º, caput, e 150, inciso II), da capacidade contributiva (CF, artigo 145, parágrafo 1º) e da razoabilidade (CF, artigo 5º, inciso LIV — due process of law em sua vertente substantiva), padecendo também, assim, “de clara inconstitucionalidade material”.
Thiago de Mattos Marques vai na mesma linha, sustentando que a lei do município de São Paulo aparentemente violou o que determina a legislação federal de regência do ISS. Ele explica que, conforme determinam os parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/1968, no caso das sociedades uniprofissionais, o ISS será calculado em relação a cada profissional habilitado.
“Essa metodologia de cálculo das sociedades uniprofissionais impede que o ISS devido por essas sociedades seja apurado com base em seu faturamento. Nesse particular, é importante frisar que em 2001 o STF declarou que esse trecho do Decreto-Lei nº 406/1968 foi recepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei complementar — a que cabe, nos termos do artigo 146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, disciplinar a base de cálculo dos tributos”, argumenta.
O tributarista cita o julgamento do RE 940.769/RS, de 2019, em que o Plenário do STF decidiu que “é incabível lei municipal instituidora de ISSQN dispor de modo divergente (do Decreto-Lei nº 406/1968) sobre base de cálculo do tributo”.
“Ao deslocar a forma de tributação das sociedades uniprofissionais do valor fixo por profissional para essa modalidade que envolve faixas de receita bruta mensal arbitradas para cada sociedade, a depender do número de profissionais, o município de São Paulo desvirtuou cobrança do ISS dessas sociedades”, afirma Marques.
Ao que tudo indica, a nova lei deve gerar um grande contencioso tributário. Se prevalecer o direito estrito — dizem Mauler Santiago, Evaristo Pinto e Takano —”há de findar com mais uma vitória dos contribuintes”.
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