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09/08/2022

Fachada do edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

​A Terceira Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, para a incidência excepcional do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nos contratos de sociedade em conta de participação, devem estar presentes dois requisitos: a caracterização do sócio participante ou oculto como investidor ocasional vulnerável, e a circunstância de ter sido a sociedade em conta de participação constituída ou utilizada com fim fraudulento, notadamente para afastar a incidência do CDC.

Com esse entendimento, o colegiado aplicou a norma consumerista para definir como competente o foro do domicílio do autor de uma ação de rescisão contratual. Ele celebrou contrato de sociedade em conta de participação com uma empresa, investindo R$ 50 mil para integralização do capital social. Após sacar R$ 12 mil em 12 de agosto de 2019, solicitou o distrato, em novembro do mesmo ano, bem como o saque do valor remanescente. No entanto, passado o prazo de 90 dias requerido pela empresa, não houve a devolução do dinheiro.

As instâncias ordinárias determinaram a rescisão do contrato e condenaram a empresa ao pagamento de R$ 38 mil. Ao STJ, a empresa argumentou, entre outros pontos, que o CDC seria inaplicável ao caso, pois esse tipo de contrato possui caráter empresarial.

Sociedade em conta de participação pode ter caráter consumerista

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, segundo o artigo 991, caput, do Código Civil, na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais sócios dos resultados correspondentes.

De acordo com a magistrada, a doutrina ensina que “a conta de participação se constitui da seguinte forma: um empreendedor (sócio ostensivo) associa-se a investidores (os sócios participantes), para a exploração de uma atividade econômica. O primeiro realiza todos os negócios ligados à atividade, em seu próprio nome, respondendo por eles de forma pessoal e ilimitada”.

“Inegável, portanto, que a sociedade em conta de participação pode imprimir caráter consumerista à relação entre o sócio ostensivo – o qual possui amplo poder para gerir o objeto da sociedade, qual seja, o investimento financeiro – e os sócios participantes”, disse.

Expediente fraudulento para afastar proteção do CDC

A ministra destacou precedente do STJ em que se reconheceu o caráter consumerista de contrato de sociedade em conta de participação firmado no âmbito do mercado imobiliário, como forma de amparar concretamente a figura do investidor ocasional.

No referido julgado, afirmou, a turma fixou o entendimento de que “o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), não abrangendo, portanto, em seu âmbito de proteção, aquele que desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional”.

Para Nancy Andrighi, em muitas ocasiões a sociedade em conta de participação é utilizada justamente com o propósito de evitar a aplicação do CDC, tomando, portanto, um caráter fraudulento.

Regra específica prevalece sobre a de caráter geral

No caso em análise, a relatora verificou que o tribunal estadual caracterizou o autor da ação como investidor ocasional vulnerável e entendeu que a empresa teria se utilizado da sociedade em conta de participação de forma fraudulenta, o que preenche os requisitos para aplicação excepcional do CDC.

Desse modo, ela concluiu que, entre a norma geral do artigo 53, III, “a”, do Código de Processo Civil, que prevê a competência do foro do lugar onde está a sede da pessoa jurídica ré, e a norma específica do artigo 6º, VIII, do CDC, que determina a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, deve prevalecer a regra específica, definindo-se o foro mais conveniente para o autor da ação.

REsp 1.943.845.

Fonte: STJ

23 de maio de 2022

É possível submeter o contrato de sociedade em conta de participação à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Para isso, é preciso haver a caracterização do sócio participante ou oculto como investidor ocasional vulnerável e que a figura empresarial seja constituída ou usada com fim fraudulento.

Empresa teria usado sociedade em conta
de participação para abastecer pirâmide

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela G44 Brasil, empresa acusada de operar esquema de pirâmide e de lesar diversos de seus sócios por meio de contratos de sociedade em conta de participação (SCP).

Na definição de Fábio Ulhôa Coelho, a sociedade em conta de participação é um modelo no qual um empreendedor (sócio ostensivo) associa-se a investidores (sócios participantes) para explorar uma atividade econômica. Todos os atos são feitos em nome do sócio ostensivo, que responde por eles individualmente.

Esse modelo está previsto no Código Civil, nos artigos 991 a 996. Apesar de ser modalidade societária, a jurisprudência brasileira tem admitido sua submissão às normas do Código de Defesa do Consumidor quando há o desvirtuamento para contrato de adesão.

Isso porque muitas vezes a sociedade em conta de participação é usada justamente para mascarar uma relação em que há o fornecimento de um serviço a uma pessoa que pode ser entendida como o consumidora nessa relação.

No caso dos autos, o particular celebrou contrato de sociedade em conta de participação com a G44 Brasil, investindo R$ 50 mil com a promessa de receber rendimentos bimestrais. Quando o pagamento passou a atrasar, ele solicitou o distrato, mas não recebeu a devolução do dinheiro no prazo de 90 dias.

Desvirtuamento da relação empresarial permite aplicar CDC, disse Nancy Andrighi

As instâncias ordinárias caracterizaram o particular como investidor ocasional vulnerável e concluíram que a G44 Brasil usou sociedade em conta de participação para fins de prática de pirâmide financeira. A empresa foi condenada a devolver o dinheiro.

Graças à incidência do CDC, o processo tramitou no foro de residência da vítima, na 22ª Vara Cível de Brasília. Para a G44 Brasil, a relação empresarial existente entre as partes demandaria a competência do foro da parte ré: uma das varas cíveis de Taguatinga (DF).

Relatora, a ministra Nancy Andrighi manteve o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Para ela, a conclusão do uso desviado da sociedade em conta de participação para despistar a existência de um verdadeiro contrato de investimento de cunho consumerista permite a incidência do CDC.

“Para incidência excepcional do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de sociedade em conta de participação, devem estar presentes dois requisitos: (a) a caracterização do sócio participante ou oculto como investidor ocasional vulnerável, e (b) ter sido a sociedade em conta de participação constituída ou utilizada com fim fraudulento, notadamente para afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor”, explicou.

Logo, em se tratando de relação de consumo, a competência é absoluta e deve ser fixada no domicílio do consumidor. A votação na 3ª Turma foi unânime.


REsp 1.943.845

Fonte: STJ