A ação civil de improbidade administrativa pertence ao chamado Direito Administrativo Sancionador. Por isso, se aproxima do Direito Penal como uma extensão do jus puniendi estatal e do sistema criminal.
Esse foi o entendimento adotado pela juíza Carolina Delduque Sennes Basso, do Foro Regional de São José dos Pinhais (PR), para reconhecer a prescrição em ação de improbidade. A magistrada explicou que um dos princípios que regem o Direito Penal é o da retroatividade da lei mais benéfica, que está prevista no artigo 5º, XL, da Constituição Federal, bem como no artigo 2º do Código de Processo Penal.
A julgadora sustenta que a nova Lei de Improbidade (14.230/2021) alterou a redação da Lei 8429/1992 no sentido de determinar o lapso prescricional em oito anos. No caso concreto, os fatos imputados contra a requerida ocorreram entre 12/7/2001 e 4/2/2009, enquanto a ação foi ajuizada em 10/12/2020.
“Percebo, ademais, que a petição inicial não descreve a existência de danos ao erário e nem há pedido de ressarcimento”, argumentou a magistrada ao julgar extinto o processo com resolução do mérito.
https://murray.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/logo-murray-advogados-300x138.png00Gelcy Buenohttps://murray.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/logo-murray-advogados-300x138.pngGelcy Bueno2022-03-01 11:32:422022-03-01 11:32:56Juíza reconhece prescrição de ação com base na nova Lei de Improbidade
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem decidido pela aplicação retroativa da Lei 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa) aos processos em andamento. A norma entrou em vigor em outubro de 2021 e, desde então, foi citada em pelo menos oito julgamentos do TJ-SP.
Em sete deles, os desembargadores entenderam pela aplicação da retroatividade benéfica por incidência dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Porém, em outro julgamento, concluiu-se pela impossibilidade de retroatividade da norma. Caberá às instâncias superiores — Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal — definir qual corrente deverá, enfim, ser adotada.
No caso referente à não aplicação retroativa da nova LIA, a 2ª Câmara de Direito Público, por unanimidade, condenou por atos de improbidade administrativa quatro guardas civis do município de Itapira que torturaram duas pessoas. Segundo o relator, desembargador Carlos Von Adamek, a Lei 14.230/2021 não previu aplicação retroativa.
“De início, verifica-se que a Lei 14.230/21 modificou consideravelmente a Lei de Improbidade Administrativa; todavia, não previu sua aplicação retroativa, razão pela qual, a princípio, ela se aplicaria somente aos processos ajuizados posteriormente à sua publicação, por força do princípio da irretroatividade das leis estabelecido no artigo 6º da LINDB”, afirmou.
A 10ª Câmara de Direito Público adotou posicionamento contrário ao manter a absolvição de oito pessoas e de uma empresa em uma ação por supostas irregularidades na licitação e execução de um contrato de prestação de serviços mecânicos no município de Vargem. A relatora, desembargadora Teresa Ramos Marques, defendeu a retroatividade da nova LIA.
“Observe-se, por fim, que não há prova de dolo, elemento subjetivo essencial para a configuração da improbidade administrativa, conforme dispõe a Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, que comporta aplicação retroativa por seu caráter sancionatório e por beneficiar o réu”, pontuou a magistrada, que foi acompanhada pelos demais integrantes da turma julgadora.
Ao absolver um ex-prefeito de Nipoã denunciado por gastos excessivos com combustível, a 9ª Câmara de Direito Público citou o artigo 1º, §4º, da nova LIA, que estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O entendimento do relator, desembargador Oswaldo Luiz Palu, foi pela retroatividade da norma.
“Aos 26/10/2021, foi publicada a alteração na Lei de Improbidade Administrativa, a Lei 14.230/2021, e foi suprimida a modalidade culposa nos atos de improbidade. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”, disse Palu.
De acordo com o relator, a lei estabelece diversas sanções e penalidades e, por essa razão, o artigo 1º, §4º da Lei 14.230/2021, “previu expressamente” a aplicação imediata de seus dispositivos: “E, diante desse cenário, na hipótese dos autos a conduta típica que gera atuação punitiva do Estado prevista no artigo 10, X, somente pune a conduta com o agir ‘ilicitamente’ e não ‘negligentemente'”.
Mesmo caminho foi seguido pela 4ª Câmara de Direito Público ao confirmar a absolvição de um ex-prefeito de Nova Guataporanga. Para o relator, desembargador Paulo Barcelos Gatti, por se tratar de legislação superveniente própria do direito material sancionador, as disposições da nova LIA devem ser aplicadas de imediato e, inclusive, retroativamente, desde que para beneficiar o réu (artigo 5º, inciso XL, da CF).
“A partir da vigência plena da LF 14.230/2021 (artigo 5º), a tipificação dos atos de improbidade administrativa violadores do princípio da administração pública aparentemente deixou de constar em rol exemplificativo (‘e notadamente’), passando a figurar em rol exaustivo, isto é, de tipicidade cerrada (‘uma das seguintes condutas’)”, acrescentou.
Indisponibilidade de bens A 13ª Câmara de Direito Público reformou decisão de primeiro grau que havia decretado o bloqueio de valores de três réus por fraude à licitação. Conforme o relator, desembargador Spoladore Dominguez, a indisponibilidade de bens só é possível quando há indícios de superfaturamento, sobrepreço, não prestação ou efetiva desnecessidade dos bens ou serviços contratados, “o que não ocorreu, à primeira vista, na espécie, uma vez que o Ministério Público alega, genericamente, apenas, tratar-se de ‘dano presumido’”.
“A indisponibilidade de bens constitui medida acautelatória, de caráter tipicamente processual (tutela provisória de natureza cautelar), aplicável, portanto, imediatamente aos processos em curso, com a finalidade, apenas, de assegurar o resultado útil do processo, jamais antecipando, ainda que de forma indireta, a imposição de qualquer tipo de penalidade, razão pela qual a Lei 14.230/2021, estabeleceu nova disciplina ao artigo 16 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992)”, afirmou.
Assim, ao determinar o desbloqueio dos valores dos réus, o relator afirmou que, para eventuais novos pedidos de indisponibilidade de bens, deverão ser observadas as alterações promovidas, em especial, ao artigo 16 da Lei 8.429/1992, pela Lei 14.230/2021.
O dispositivo também foi citado pela 10ª Câmara de Direito Público para liberar R$ 18 milhões da Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem de São Paulo. O instituto foi denunciado por supostas irregularidades na celebração de um contrato emergencial, com dispensa de licitação, para o fornecimento de cinco unidades móveis de tomografia computadorizada para auxiliar no combate à Covid-19.
A fundação questionou o valor do bloqueio, que também abrangeu a multa pleiteada pelo Ministério Público. O relator, desembargador José Eduardo Marcondes Machado, acolheu o argumento: “A Lei 14.230/21, cuja aplicação aos processos em andamento, no ponto, parece inequívoca, expressamente limita a indisponibilidade ao valor do alegado dano ao erário, como se extrai do artigo 16, § 10 da norma, o que conduz ao entendimento de que exagerada a indisponibilidade no importe determinado na decisão recorrida”.
Denúncia inepta A nova LIA também embasou decisão da 5ª Câmara de Direito Público de reconhecer a inépcia de uma denúncia contra uma servidora pública acusada de fraude à licitação. Isso porque houve o trancamento da ação penal contra a servidora pelos mesmos fatos, o que levou a relatora, desembargadora Maria Laura Tavares, a concluir pela impossibilidade de seguimento da ação por improbidade.
“Diante da nova determinação legal, não é possível o prosseguimento da ação civil pública por improbidade administrativa sobre os mesmos fatos que na esfera criminal, por decisão colegiada, não foram encontrados indícios mínimos de materialidade sobre o fato. Dessa forma, a inicial da ação civil pública por ato de improbidade administrativa com relação à agravante é inepta, de modo que a decisão agravada deve ser reformada”, disse.
https://murray.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/logo-murray-advogados-300x138.png00Gelcy Buenohttps://murray.adv.br/wp-content/uploads/2016/06/logo-murray-advogados-300x138.pngGelcy Bueno2022-01-17 16:55:122022-01-17 16:55:16Tendência no TJ-SP tem sido aplicar retroatividade à nova Lei de Improbidade