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16 de fevereiro de 2022

O confronto da saliva coletada no bocal de uma lata de cerveja com o acervo do Banco Federal de Perfis Genéticos (BFPG) vinculou Francisco Martins da Costa Júnior, o Chiquinho, 50, ao mega-assalto a uma agência da Caixa Econômica Federal (CEF), em Santos, no litoral paulista. Avaliadas em cerca de R$ 20 milhões, joias penhoradas foram levadas do local.

Na segunda-feira (14/2), com base na perícia de DNA, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o acusado pelos crimes de roubo e de integrar organização criminosa.

A Justiça Federal recebeu a acusação formal no mesmo dia e o acusado virou réu. O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, justificou em sua decisão que a denúncia preenche os requisitos legais (exposição dos fatos e das suas circunstâncias, qualificação do acusado e classificação das infrações), os pressupostos processuais e as condições da ação, havendo justa causa, ao menos nesta fase, para o início do processo. Com prisão preventiva decretada, Chiquinho está foragido.

O procurador da República Roberto Farah Torres é quem assina a denúncia. Segundo ele, as análises estatísticas do exame de DNA “suportam de maneira extremamente forte” as hipóteses de que o perfil genético é o de Chiquinho. O mesmo tipo de perícia associou o procurado da Justiça a outro delito, semelhante e posterior ao roubo da CEF de Santos. Neste segundo caso, o réu foi identificado a partir de materiais coletados em boné, camisa e par de luvas abandonados na cena do crime.

Criado em 2013 e coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o BFPG utiliza tecnologia de ponta. Ele ultrapassou em abril do ano passado a marca de 100 mil perfis cadastrados — a maior parte é ligada a envolvidos em casos violentos e de abuso sexual. O acervo genético já contribuiu em mais de 2.000 investigações no país, não só vinculando autores a delitos até então sem autoria, como também excluindo suspeitos que eram inocentemente acusados.

Ação profissional
A agência da Caixa funcionava na rua General Câmara, 15, no centro de Santos, e foi invadida por uma quadrilha no dia 17 de dezembro de 2017, um domingo. Além das joias penhoradas, o bando também roubou R$ 328 mil, 9.440 euros (equivalente a R$ 55,7 mil na cotação da data de publicação desta reportagem) e oito revólveres e munições pertencentes a uma empresa terceirizada de segurança. Uma vigilante e um faxineiro foram rendidos e feitos reféns pelo grupo por aproximadamente cinco horas.

“O caso foi emblemático, praticado por grupo especializado, com envolvimento de diversas expertises”, destacou o procurador da República ao oferecer denúncia contra Chiquinho, até o momento, único identificado pela Polícia Federal. Os atos executórios tiveram início na véspera da invasão à CEF. Nesta ocasião, dois integrantes da quadrilha desligaram a energia da agência para inibir a comunicação entre o banco e a base de segurança por monitoramento eletrônico.

A partir da análise de câmeras de segurança instaladas no entorno da Caixa, a PF apurou que esta dupla utilizou um Gol branco com logotipo de uma concessionária de energia. Trajando uniforme da empresa, um dos ladrões saiu do carro e utilizou uma escada para subir em um poste. Apenas a eletricidade da agência foi cortada, demonstrando o elevado grau de planejamento do bando. Quase no mesmo momento, um homem foi visto mexendo na porta de emergência do banco, através da qual a quadrilha depois o invadiu.

A porta de emergência não foi arrombada. Outras imagens de câmeras revelaram que, mais tarde, dois veículos dos ladrões (Kombi e Spin), cujas placas não foram identificadas, entraram na garagem da CEF, ficando mais dois, pelo menos, nas imediações da agência. Os carros foram empregados no transporte das ferramentas utilizadas no arrombamento de cofres, bem como para levar joias, armas, munições e dinheiro roubados do banco.

Dez pessoas, no mínimo, participaram da ação criminosa, conforme concluíram as investigações da PF. Além do uniforme da concessionária de energia, alguns ladrões vestiam farda da Polícia Militar. A vigilante e o faxineiro disseram que não tiveram muito contato com os criminosos, porque logo foram levados para uma sala, de onde apenas ouviram o barulho das ferramentas usadas no arrombamento dos cofres. As armas e munições também estavam guardadas em um compartimento deste tipo.

Apenas um fragmento datiloscópico com qualidade técnica suficiente foi coletado, sendo inserido no Sistema de Identificação Automatizada de Impressões Digitais. Ele ainda não possibilitou a apuração de autoria. A “revelação surpreendente” veio do exame de comparação genética do material arrecadado na lata de cerveja com um swab (cotonete longo e estéril), graças ao “desdobro da autoridade policial que presidiu o inquérito e à tecnologia empregada no manuseio dos bancos de dados”, frisou Torres.

Segundo o membro do MPF, o concurso de pessoas, a restrição da liberdade das vítimas e a ameaça exercida com o uso de arma de fogo agravaram o roubo. O delito de integrar organização criminosa decorreu do fato de o grupo possuir “estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas” para a prática de delitos puníveis com reclusão superior a quatro anos. Manipulação de fechaduras, corte de energia, arrombamento de cofres e uso de uniformes de empresas e da PM seriam algumas dessas tarefas.

Caso parecido
Perícia de DNA também associou Chiquinho à tentativa de roubo a uma empresa instalada em um edifício no Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo, no dia 6 de janeiro de 2019. No local há cerca de 400 cofres de aluguel e ladrões só não levaram os bens e dinheiro que neles estavam porque policiais militares chegaram ao prédio. Um assaltante foi preso e os demais fugiram após perseguição e trocas de tiros. Dois populares foram baleados na rua. Os criminosos usavam carros roubados e portavam fuzis.

“Apesar do insucesso da empreitada criminosa em circunstancias alheias à vontade dos agentes, não se pode deixar de afirmar que nos deparamos com uma organização criminosa.” Esta informação consta de relatório do delegado da Polícia Civil que investiga o caso. Segundo ele, os bandidos usavam “roupas táticas apropriadas para combate, inclusive com o uso de coletes balísticos”. Para executar a ação, os ladrões locaram por R$ 27 mil um conjunto no mesmo edifício. O pagamento foi antecipado e em espécie.

CEF indeniza
Sob a alegação de sigilo das investigações, a Caixa não divulgou a quantidade de joias roubadas. Segundo o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor de Santos (Procon), mais de 3.000 pessoas procuraram o órgão para dizer que penhoraram bens na agência assaltada. A CEF ressarciu quase a totalidade dos clientes em 150% do valor das peças, conforme contrato com eles celebrado no ato do empenho. Porém, as quantias pagas desagradaram a maioria das vítimas.

Os insatisfeitos procuraram o Procon em busca de uma renegociação com a Caixa, que não aceitou rediscutir os valores. De acordo com o órgão de proteção ao consumidor, em operações de penhora, os bens são avaliados por preços abaixo do mercado. Muitos clientes reclamam que suas peças são herança de família e têm valor sentimental inestimável, devendo tais circunstâncias serem consideradas no momento da fixação das indenizações.

5ª Vara Federal de Santos

Fonte: Revista Consultor Jurídico