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Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não existe impedimento para que a plataforma de aplicativo de transporte individual suspenda imediatamente a conta de motorista em razão de ato considerado grave, ainda que a empresa deva oferecer a possibilidade de posterior exercício de defesa visando ao recredenciamento do profissional.

15/07/2024

Esse foi o entendimento do colegiado ao negar recurso de motorista excluído da plataforma de transporte por aplicativo 99 por suposto descumprimento do código de conduta da empresa. De acordo com os autos, o profissional teria encerrado corridas em locais totalmente diferentes daqueles solicitados pelos passageiros, sem qualquer justificativa.

Após ter sua ação julgada improcedente em primeiro e segundo graus, o motorista recorreu ao STJ e argumentou que o rompimento do vínculo entre as partes foi feito de forma abrupta, sem notificação prévia e sem respeito ao direito do contraditório e da ampla defesa.

Mais de 1,5 milhão de brasileiros trabalham por meio de aplicativos

A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que a hipótese dos autos não envolve relação entre a plataforma e o usuário do aplicativo, motivo pelo qual não é aplicável o Código de Defesa do Consumidor.

Ainda segundo a ministra, até o momento, não foi reconhecida a existência de vínculo empregatício entre os profissionais prestadores de serviços e as plataformas, de modo que a Terceira Turma reconhece essa relação como civil e comercial, prevalecendo a autonomia da vontade e a independência na atuação de cada parte (REsp 2.018.788).

Por outro lado, a relatora lembrou que, atualmente, mais de 1,5 milhão de pessoas trabalham por meio de aplicativos de serviço (dados de 2022 do IBGE), exigindo atenção do Judiciário sobre a possibilidade de um profissional ter sua atividade interrompida por uma decisão sumária, sem ter a chance de se defender ou mesmo saber do que está sendo acusado. Ela também lembrou que, embora as plataformas de transporte individual sejam pessoas jurídicas de direito privado, seu objeto social (o transporte) é de interesse público.

Análise automática de dados de prestadores de serviços está sujeita à LGPD

Nancy Andrighi comentou que as análises de perfil realizadas pelas plataformas digitais decorrem, muitas vezes, de decisões automatizadas, tendo em vista que a inteligência artificial tem ganhado espaço no processamento de dados, inclusive os pessoais.

Nesse sentido, a ministra comentou que o conjunto de informações analisadas no processo de descredenciamento do perfil profissional do motorista de aplicativo se configura como dado pessoal – atraindo, portanto, a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“Nesses termos, o titular dos dados pessoais, que pode ser o motorista de aplicativo, possui o direito de exigir a revisão de decisões automatizadas que definam seu perfil profissional”, apontou.

Plataforma pode ser responsabilizada por ato grave praticado por prestadores de serviço

Em relação à notificação prévia do motorista, a relatora destacou que, a depender da situação, a plataforma pode ser responsabilizada por eventuais danos causados ou sofridos por seus usuários, cabendo a ela examinar os riscos que envolvem manter ativo determinado prestador de serviço.

Por isso, para a ministra, sendo o ato cometido pelo motorista suficientemente grave, trazendo riscos ao funcionamento da plataforma ou a seus usuários, não há impedimento para a imediata suspensão do perfil, com possibilidade de posterior exercício de defesa para buscar o recredenciamento.

No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que, após o cometimento do suposto ato grave, o motorista foi informado sobre as razões de sua exclusão da plataforma e pôde, na medida do possível, exercer a sua defesa, ainda que a decisão lhe tenha sido desfavorável.

“Com efeito, não se vislumbra ilegalidade ou abusividade na conduta da recorrida (99 Tecnologia Ltda.) que, a partir de uma análise de alocação de riscos, considerando o dever que possui de zelar pela segurança de seus usuários, e após ouvir a argumentação do recorrente, decidiu que era adequado o descredenciamento permanente do perfil profissional do motorista”, concluiu a ministra.

REsp 2.135.783

Fonte: STJ

Publicado em 12 de Fevereiro de 2022

Sentença da 1ª Vara Federal de Corumbá/MS condenou um motorista de aplicativo por promover a saída irregular de imigrantes do território nacional. Ele realizava o transporte de haitianos até a fronteira do Brasil com a Bolívia, no município de Corumbá/MS, mediante vantagem financeira.

Para o juiz federal Felipe Bittencourt Potrich, provas obtidas na operação “FO M’ALE”, depoimento de testemunha, bem como confissão do homem em sede policial, demonstraram a materialidade e a autoria delitivas.

De acordo com o processo, a Polícia Federal investigou o transporte ilegal de estrangeiros para o exterior pela cidade de Corumbá. O município se tornou rota de saída de haitianos em viagem para a Bolívia. Nos primeiros meses de 2021, entre 350 e 400 imigrantes se deslocaram para o país a partir da cidade sul-mato-grossense.

Eles chegavam à região fronteiriça por meio de ônibus, táxis e veículos de aplicativo de transporte, em pequenos grupos vindos de Campo Grande/MS. A parte final do trajeto era realizada por pessoas conhecedoras de pontos irregulares de passagem entre as duas nações, que cobravam pelo serviço.

Investigações policiais apontaram que o motorista de aplicativo efetuava o transporte de estrangeiros. Em juízo, o homem alegou que não sabia que a condução dos haitianos era crime e disse que desconhecia trilhas não regulares de entrada na Bolívia.

Ao analisar o caso, o juiz federal ponderou que a versão do réu não estava de acordo com as provas apresentadas.

“Os elementos obtidos durante a investigação, somado ao cumprimento do mandado de prisão preventiva, aliado ao depoimento em sede policial e em juízo, bem como testemunha de acusação, não deixam dúvidas de que o réu se dedicava ao transporte de haitianos à Bolívia por caminhos irregulares”.

O magistrado acrescentou que a clandestinidade da ação ficou evidenciada pelos horários noturnos em que o serviço era realizado, por registro fotográfico do homem na região e pelo vínculo com valores em espécie, em moeda nacional e estrangeira, registrados em fotos encaminhadas por Whatsapp.

Por fim, a sentença ressaltou que informações policiais confirmaram que o transporte não ocorreu de forma isolada ou ocasional. “O réu promovia a migração de forma organizada, atuando de forma reiterada e constante, no mínimo, ao longo dos meses de março a julho de 2021”.

Assim, o juiz federal condenou o motorista pelo crime de promoção de migração ilegal. A pena foi fixada em três anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, e 16 dias multa. A decisão também declarou o perdimento do veículo apreendido, já que ficou comprovada a utilização para a prática do delito.

Ação Penal – Procedimento Ordinário 5000167-05.2021.4.03.6004/MS

Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região