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26 de setembro de 2022

A vida em sociedade, pela própria gênese da instituição, depende do compartilhamento de riscos e responsabilidades, assim como da conjunção de interesses para fins de determinar o direcionamento das atividades e negócios da empresa. Vezes há — e hão de ser muitas no dia a dia empresarial —, em que não se alcança o consenso entre os sócios na tomada de decisões, devendo-se, neste caso, submeter as deliberações à votação dos sócios, cujos votos serão sopesados de acordo com sua correspondente participação no capital social.

Não obstante a flexibilidade e liberdade que imperam no ambiente das sociedades limitadas, a legislação enuncia, quanto à deliberação social, regras cogentes relativas aos quóruns de deliberação, opção que pode ser observada da conjugação dos arts. 1.071 c/c 1.076 do Código Civil. O gabarito restritivo foi alvo de críticas desde o advento do Código Civil em vigor, valendo lembrar a inserção de regras rígidas para criação e administração da sociedade, refugindo do propósito à época ventilado, de que a legislação servisse como mera fonte supletiva ao contrato social.

Pois bem, vinte anos após o advento da codificação civil atual, sobrevém — enfim — alteração legislativa no sentido de desburocratizar as deliberações em sociedades empresárias. No sentido sentido, foi sancionada e publicada (22/09/2022) a Lei 14.451, resultado do Projeto de Lei (PL) 1.212/2022, reduzindo o quórum para decisões acerca de modificações no contrato social; incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou cessação do estado de liquidação, além de designação de administradores não sócios.

Infere-se que, com a revogação do inciso I do art. 1.076, foi extinto, para fins de deliberação social, o quórum qualificado de 3/4, que era reservado para matérias em tese mais relevantes na dinâmica social. A partir da vigência da alteração legislativa, o que ocorrerá após o transcurso dos 30 dias de vacatio legis, as matérias compreendidas nos incisos V e VI do art. 1.071 do Código Civil passam a ser decididas pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social, ou seja, pela maioria absoluta do capital.

Entende-se salutar a modificação efetuada, que simplifica o processo de tomada de decisões e prestigia o princípio majoritário, aproximando a disciplina das sociedades anônimas (art. 129 da Lei 6.404/76) e de institutos semelhantes do Direito Civil, como o condomínio (art. 1.325, §1º do Código Civil) e da sobrepartilha no inventário sucessório (art. 2.021 do Código Civil), buscando desfazer o imbróglio criado pelo engesso do próprio Código Civil, com olhar atento ao cenário legal que antecedia à codificação.

Não obstante, merece anotação o fato de que, embora a maior parte das matérias elencadas no art. 1.071 do Código passe a ter como quórum obrigatório a maioria absoluta, não foi modificada a regra geral do inciso III do art. 1076, de sorte que a maioria simples segue sendo o quórum padrão para deliberações em sociedade limitadas — diferenciando-se, neste pormenor, do cenário anterior a 2002, que prestigiava como regra geral a maioria absoluta.

Importante também ressalvar que a extinção do quórum qualificado ocorreu tão somente para fins de deliberação, pois que, a despeito da modificação do art. 1.076 do Código Civil, não se alterou o quórum de 3/4 previsto no art. 1.074 para fins de instalação de assembleia de sócios. No detalhe, afigura-se que se criou ambiência com certa contradição, na medida em que se exige para abertura da assembleia, quórum superior àquele em regra necessário para deliberação das matérias.

Para além de modificar o art. 1.076 do Código Civil, a Lei 14.451/22 alterou também a redação do art. 1.061, reduzindo o quórum previsto para nomeação de administrador não sócio, de unanimidade para 2/3, quando o capital não estiver integralizado; e de 2/3 para mais da metade do capital, após a integralização. Percebe-se, neste tocante, que o legislador mantém o rigor mais elevando em relação às sociedades cujo capital não esteja integralizado, sendo esta uma forma de proteção aos sócios, que neste momento estão sujeitos à responsabilidade solidária, pela exegese do art. 1.052 do Código Civil.

De todo modo, a modificação vem ao encontro da ideia de desburocratização e acaba por ser incentivar a nomeação de administradores profissionais, estranhos ao quadro social, postura que já vinha sendo adotada em boa escala na vida empresarial, diante da importância da medida. Na redação original do Código Civil, era necessária previsão expressa acerca de tal possibilidade no contrato social, o que foi suprimido em 2010, com o advento da Lei n.º 12.375. Agora, como o novo facilitador, diminuem-se os quóruns deliberativos necessários, inclusive com o abandono da figura da unanimidade.

Ainda em relação ao tema, não se pode deixar de registrar que o legislador, ao alterar a redação do dispositivo, perdeu a oportunidade de corrigir erronia que há tempos suscita discussão doutrinária e jurisprudencial e que, conquanto se trate de ponto razoavelmente superado, poderia ter sido suplantado em definitivo. É que a disposição do art. 1.061 do Código Civil — tanto a anterior, como a introduzida com a Lei 14.451 — reporta-se, ao trazer o quorum de 2/3, aos “sócios” e não ao “capital social”, como haveria de ser. Com efeito, a materialização do princípio majoritário no direito societário se faz exatamente pela lógica de que, quem investiu mais, deve ter maior poder de influência na votação de assuntos sociais relevantes e, à vista disso, é incabível contemplar-se critério de votação lastreado na contagem per capita. Bem, se não corrigido o equívoco, mantém-se a interpretação que se fazia desde então, de que o critério há de ser computado pela expressão da participação societária do sócio, desprezando-se a consideração individual de cada um deles.

Sem prejuízo de tudo dito, os quóruns de deliberação previstos em lei, apesar de sua natureza obrigatória, seguem sendo os parâmetros mínimos para nortear as decisões sociais, podendo o contrato social, no interesse e conveniência dos sócios, majorar tal criteriologia, especialmente quanto a matérias sensíveis à sociedade. Isto é, se as inovações legislativas não fizerem sentido ao contexto da empresa, poderão ser mantidas as regras anteriormente vigentes — ou ainda outras mais rigorosas —, por meio de disposição expressa no ato constitutivo neste sentido.

Destarte, em análise geral, as alterações legislativas, embora pontuais, são relevantíssimas à matéria concernente às votações e deliberações societárias, impactando, diretamente, no controle da sociedade.

O fim do elevadíssimo quórum deliberativo de 75% (3/4), bem como o abandono à exigência de unanimidade para designação de administradores não sócios, impactam fortemente na gestão da sociedade, conferindo maior plasticidade aos contratos sociais e acordos de sócio. É preciso, com o novo panorama, repensar o conceito de controle da sociedade e revisitar seus atos constitutivos, para avaliar se permanecem coerentes com a realidade da gestão e administração da sociedade, promovendo-se as adaptações necessárias.

*Por  Rodrigo Mazzei e Fernanda Bissoli Pinho

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2022, 8h42