31 de janeiro de 2022
Diante da comprovação do vínculo entre as partes, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a inclusão dos nomes de duas mães no registro de uma criança concebida mediante inseminação artificial caseira.
A turma julgadora negou recurso do Ministério Público contra o reconhecimento da maternidade homoafetiva. Para o MP, também seria necessária a inclusão do nome do pai biológico, que doou o sêmen, “como forma de se observar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e paternidade responsável”.
Ao manter a decisão de primeira instância, a relatora, desembargadora Marcia Dalla Déa Barone, citou uma escritura pública, anexada aos autos, em que o doador do sêmen declarou o feito, bem como afirmou a ausência de qualquer envolvimento emocional com as autoras e com a criança.
“Restou satisfatoriamente demonstrado nos autos que este figurou como mero doador de material genético, sendo que a declaração pública por ele realizada se voltou tão somente para confirmar sua intenção em ajudar as autoras a conceberem um bebê, afirmando a ausência de qualquer vínculo afetivo com elas e/ou com a criança”, afirmou.
Dessa forma, para a desembargadora, não se aplica ao caso o disposto no artigo 2º, § 3º da Lei 8560/92, uma vez que a confirmação da paternidade biológica pelo doador de material genético, por meio de exame de DNA, se deu justamente para confirmar a ausência de paternidade socioafetiva.
“Caso o genitor biológico ou a menor deseje, no futuro, o reconhecimento de sua paternidade, não estará impedido de fazê-lo, podendo buscar as vias adequadas para tanto, sendo certo a admissão pelo ordenamento pátrio da multiparentalidade”, acrescentou a relatora.
Além disso, Barone afastou o argumento do MP de que uma das autoras deveria mover ação de adoção, e não de reconhecimento de dupla maternidade. Segundo ela, há “clara distinção” entre os efeitos jurídicos da adoção e da reprodução assistida heteróloga. Na primeira, há o desligamento do vínculo jurídico em relação aos pais biológicos, enquanto, na segunda, o referido vínculo sequer existiu.
Outro argumento do MP, sobre a realização de estudo social e psicológico para verificar o vínculo socioafetivo entre uma das mães e a criança, também foi afastado pela relatora. Para ela, ficou demonstrado que a concepção, a gestação, o nascimento e toda a vida da criança contaram com participação das duas autoras, que sempre se comportaram como mães, dividindo tarefas e os cuidados para com a menor.
“Embora o método informal adotado pelas autoras não seja permitido pelo ordenamento, tampouco deva ser incentivado, dado a indisponibilidade dos direitos envolvidos e necessidade de regulamentação, é certo que as peculiaridades do caso concreto permitem a declaração do direito em favor do melhor interesse da infante”, pontuou a magistrada.
Assim, diante da comprovação de que a criança foi gerada no seio de uma relação socioafetiva e, havendo vínculo concreto entre as partes, Barone votou pelo reconhecimento da dupla maternidade. Ela foi acompanhada pelos demais integrantes da turma julgadora.
1055550- 93.2019.8.26.0002
Fonte: TJSP