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Parecer foi aprovado ontem por aclamação

18/06/2024

O Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou nesta segunda-feira (17), por aclamação, um parecer que define como inconstitucional, inconvencional e ilegal o projeto de lei (PL) que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio. Com 81 membros, o Conselho da OAB é o órgão máxima da instituição que representa a advocacia brasileira.

“Absoluta desproporcionalidade e falta de razoabilidade da proposição legislativa em questão, além de perversas misoginia e racismo. Em suma, sob ótica do direito constitucional e do direito internacional dos direitos humanos o PL 1904/2024 é flagrantemente inconstitucional, inconvencional e ilegal”, afirma o parecer.

O documento considera ainda que o PL remonta à Idade Média, sendo “atroz, degradante, retrógrado e persecutória a meninas e mulheres”. De acordo com o parecer, “[o PL] obriga meninas e mulheres, as principais vítimas de estupro, a duas opções: ou ela é presa pelo crime de aborto, cujo o tratamento será igual ao dispensado ao crime de homicídio simples, ou ela é obrigada a gerar um filho do seu estuprador”.

O Conselho votou a favor do parecer produzido por comissão formada por cinco representantes da OAB, todas mulheres, lideradas pela conselheira Silvia Virginia Silva de Souza, atual presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Brasília (DF) 17/06/2024 -  OAB diz que PL do aborto é flagrantemente inconstitucional e atroz
Silvia Virginia Silva de Souza
Foto: Raul Spinassé/OAB Nacional
Conselheira Silvia Virginia Silva de Souza, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Foto: Raul Spinassé/OAB Nacional

Foram realizados “75 mil estupros por ano, com 58 mil desses estupros contra meninas de até 13 anos, 56% negras. O retrato das vítimas deste projeto de lei, se aprovado, são meninas pobres e negras que têm voz aqui, sim, nesse plenário. Eu vim desse lugar”, disse Silvia de Souza durante a sessão do Conselho da OAB.

O parecer foi feito a pedido do presidente da Ordem, Beto Simonetti, que destacou que o documento aprovado hoje não é uma mera opinião da instituição. “É uma posição da Ordem dos Advogados do Brasil, forte, firme, serena e responsável. E, a partir dele, nós continuaremos lutando no Congresso Nacional, através de diálogo, e bancando e patrocinando a nossa posição”, afirmou.

O documento aprovado pelo Conselho da OAB pede que o projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio seja arquivado ou, caso aprovado, que o tema seja levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Inconstitucional

O parecer afirma que o PL 1.904/24 viola a Constituição por não proteger e garantir o direito à saúde, principalmente às mulheres vítimas de estupro. Segundo o parecer, a pena imposta pelo projeto à mulher vítima de estupro, por ser maior que a pena imposta hoje ao estuprador, também viola o princípio da proporcionalidade que deve reger o direito penal.

“Atribuir à vítima de estupro pena maior que do seu estuprador, não se coaduna com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da proposição legislativa, além de tratamento desumano e discriminatório para com as vítimas de estupro”, diz o documento.

De acordo com o projeto, a mulher poderá ter uma pena que chega a 20 anos, enquanto o estuprador pode pegar, no máximo, 10 anos de cadeia.

O documento aprovado hoje pela OAB destaca ainda que o texto “grosseiro e desconexo da realidade” não considera as dificuldades que as mulheres e meninas vítimas de estupro têm para acessar o aborto legal.  

“O PL não se preocupou com a possibilidade de uma descoberta tardia da gravidez, fenômeno comumente percebido nos lugares mais interioranos dos Estados brasileiros, ou ainda, com a desídia do Estado na assistência médica em tempo hábil”, argumentou.

17.06.2024. Brasília (DF) - Sessão do Conselho Pleno da OAB Nacional.
Crédito: Raul Spinassé/OAB
Brasília – Sessão do Conselho Pleno da OAB Nacional que considerou PL do Aborto inconstitucional. Foto: Raul Spinassé/OAB

Segundo a OAB, as dificuldades impostas pela realidade justificam a interrupção da gravidez acima da 22ª semana.

“No Brasil, o abortamento seguro está restrito a poucos estabelecimentos e concentrada em grandes centros urbanos. A dificuldade em reconhecer os sinais da gravidez entre as crianças, ao desconhecimento sobre as previsões legais do aborto, à descoberta de diagnósticos de malformações que geralmente são realizados após primeira metade da gravidez, bem como à imposição de barreiras pelo próprio sistema de saúde (objeção de consciência, exigência de boletim de ocorrência ou autorização judicial, dentre outros) constituem as principais razões para a procura pelo aborto após a 20ª semana de gravidez”, explica o parecer.

Direito penal

O parecer afirma que o direito penal deve ser usado como último recurso, já que ele é regido pelo princípio da intervenção mínima e da reserva legal. “O direito penal torna-se ilegítimo quando a serviço do clamor social, pois sua utilização deve ser como ultima ratio, e não como primeira e única opção”, diz o documento.

Outro argumento utilizado é o de que o PL viola o princípio da humanidade das penas.

“A imposição de pena de homicídio às vítimas de estupro é capaz de ostentar características de penas cruéis e infamantes, o que seria um retrocesso e uma violação ao princípio da humanidade das penas”, argumentou.

Laicidade e vício formal

Segundo a OAB, o PL também feriria o princípio do Estado Laico, que sustenta que convicções de determinada religião não podem ser impostas ao conjunto da sociedade.

“A política criminal proposta no PL em análise, no seu aspecto sociológico aparenta estar imbuída de convicções teístas, ao passo que se afastar da realidade de meninas e mulheres brasileiras estupradas e engravidadas por seus algozes e, portanto, não encontra abrigo no princípio da laicidade do Estado”, diz.

A OAB também chamou atenção para o fato de a urgência do projeto de lei ter sido aprovado sem discussão com a sociedade.

“Notado vício formal, vez que não foi apregoado pela Mesa [da Câmara] podendo ser votado diretamente no Plenário, sem que antes fosse submetido à análise das comissões de mérito da Câmara, sendo, ainda, suplanta possibilidade de participação da sociedade civil e de Instituições Públicas nos debates e discussões acerca desta temática”, completou.

Defesa do PL

De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o texto conta com a assinatura de 32 parlamentares. Ao justificar o projeto, o deputado Sóstenes sustentou que “como o Código Penal não estabelece limites máximos de idade gestacional para a realização da interrupção da gestação, o aborto poderia ser praticado em qualquer idade gestacional, mesmo quando o nascituro já seja viável”.

* Por Lucas Pordeus León – Repórter da Agência Brasil – Brasília

Fonte: Agência Brasil

29 de janeiro de 2022

No próximo mês, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) cobrado de sociedades uniprofissionais vai aumentar na cidade de São Paulo. A medida está ancorada na Lei 17.719, de 26 de novembro do ano passado — que alterou dispositivos da lei paulistana do ISS (Lei 13.701/2003) aplicáveis a sociedades cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade. É o caso de advogados, médicos, psicólogos, engenheiros e contadores, por exemplo.

Dispositivos que majoram ISS paulistano entram em vigor no mês de fevereiro

A lei presume uma receita bruta mensal per capita dessas sociedades — sobre a qual incidirá a alíquota de 5% do ISS — de acordo com o número de sócios que as compõem. Antes da alteração, havia uma base de cálculo fixa para cada sócio. A partir de fevereiro, essa base aumenta consideravelmente, de forma escalonada:

  • Até 5 profissionais: R$ 1.995,26
  • De 6 a 10 profissionais: R$ 5 mil
  • De 11 a 20 profissionais: R$ 10 mil
  • De 21 a 30 profissionais: R$ 20 mil
  • De 31 a 50 profissionais: R$ 30 mil
  • De 51 a 100 profissionais: R$ 40 mil
  • Mais de 100 profissionais: R$ 60 mil

Assim, um grupo com 25 associados, por exemplo, pagará em 2022 cerca de R$ 121 mil a título de ISS, ante cerca de R$ 40 mil em 2021 — quase três vezes mais. 

Especialistas consultados pela ConJur fizeram duras críticas à lei municipal. Para Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), o efeito negativo dessa alteração será enorme.

“O impacto financeiro, a partir de 2022, será expressivo, pois alteram-se os valores das bases de cálculo e, ao que indica a nova lei, a incidência passará a ser mensal”.

Ele explica que a lei paulistana apresenta problemas constitucionais: “A lei municipal fere o princípio constitucional de vedação à tributação confiscatória, pois o aumento será de mais de 100%. Além disso, fere o princípio da isonomia, pois a nova lei equipara, para fins de aplicação das novas bases de incidência, as Sociedades de Serviço Pessoal (SUP) e outras sociedades cuja prestação de serviços não são de caráter pessoal, mas empresarial. A OAB-São Paulo e o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Ceat) já se organizam para acionar a Justiça”, diz ele. 

O também tributarista Breno Dias de Paula é outro crítico da lei. “Cuida-se de verdadeira reforma jurisprudencial por ativismo do legislador. Os municípios não aceitaram a derrota no STF e a prevalência do ISS uniprofissional. Agora criam base de cálculo inconstitucional e muito superior à própria base do ISS fixo. Mais insegurança jurídica para o país”, argumenta. 

Em coluna publicada na ConJur, os tributaristas Igor Mauler SantiagoAlexandre Evaristo Pinto e Caio Augusto Takano, a lei é inconstitucional porque o regime de ISS paulistano não é compatível com a norma geral de ISS — no caso, o Decreto-Lei 406/68, que veda  terminantemente a utilização da “importância paga a título de remuneração do próprio trabalho” como critério para o cálculo do ISS na situação em análise, pouco importando se esta é aferida de maneira direta ou indireta. “De fato, muito poucas força e utilidade teria a norma geral se fosse possível burlá-la de forma tão singela e escancarada”, afirmam.

Além disso, segundo eles, a nova tabela com as bases de cálculo viola os princípios da igualdade (CF, artigos 5º, caput, e 150, inciso II), da capacidade contributiva (CF, artigo 145, parágrafo 1º) e da razoabilidade (CF, artigo 5º, inciso LIV — due process of law em sua vertente substantiva), padecendo também, assim, “de clara inconstitucionalidade material”.

Thiago de Mattos Marques vai na mesma linha, sustentando que a lei do município de São Paulo aparentemente violou o que determina a legislação federal de regência do ISS. Ele explica que, conforme determinam os parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei 406/1968, no caso das sociedades uniprofissionais, o ISS será calculado em relação a cada profissional habilitado.

“Essa metodologia de cálculo das sociedades uniprofissionais impede que o ISS devido por essas sociedades seja apurado com base em seu faturamento. Nesse particular, é importante frisar que em 2001 o STF declarou que esse trecho do Decreto-Lei nº 406/1968 foi recepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei complementar — a que cabe, nos termos do artigo 146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, disciplinar a base de cálculo dos tributos”, argumenta.

O tributarista cita o julgamento do RE 940.769/RS, de 2019, em que o Plenário do STF decidiu que “é incabível lei municipal instituidora de ISSQN dispor de modo divergente (do Decreto-Lei nº 406/1968) sobre base de cálculo do tributo”.

“Ao deslocar a forma de tributação das sociedades uniprofissionais do valor fixo por profissional para essa modalidade que envolve faixas de receita bruta mensal arbitradas para cada sociedade, a depender do número de profissionais, o município de São Paulo desvirtuou cobrança do ISS dessas sociedades”, afirma Marques.

Ao que tudo indica, a nova lei deve gerar um grande contencioso tributário. Se prevalecer o direito estrito — dizem Mauler Santiago, Evaristo Pinto e Takano  —”há de findar com mais uma vitória dos contribuintes”.

Fonte: Revista Consultor Jurídico