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21 de janeiro de 2022

É muito cômodo ao Ministério Público o bloqueio da totalidade dos bens de investigados, independentemente do efetivo prejuízo, para a tranquilidade e desenvolvimento da ação penal. Mas como fica aquele que tem todos seus bens bloqueados? No final da ação penal se separa o que é devido e se devolve o restante?

O entendimento é da 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao determinar o desbloqueio da totalidade dos bens de um homem que é investigado há quatro anos pelo Ministério Público. O bloqueio do patrimônio total do investigado, sua esposa e suas empresas foi determinado pelo juízo de origem há dois anos. 

Mas, desde então, o procedimento investigatório criminal (PIC), instaurado pelo MP para apurar crimes de usura e lavagem de dinheiro, não teve praticamente nenhum andamento, nem resultou em denúncia ou arquivamento. Com isso, a defesa impetrou Habeas Corpus pedindo o arquivamento do PIC por excesso de prazo da investigação ou o levantamento da constrição patrimonial, também por excesso de prazo.

Ao acolher parcialmente o recurso, o relator do acórdão, desembargador Willian Campos, afirmou que o bloqueio e a constrição da totalidade dos bens patrimoniais e valores do paciente se mostra ilegal, “na medida em que não se procura fixar efetivo valor do prejuízo patrimonial”.

“Tem se observado a ação do Ministério Público nesse sentido de bloqueio total, proporcionando com isso a quebra de muitas pessoas jurídicas que poderiam simplesmente terem sido bloqueadas apenas no montante devido. O paciente e sua família precisam sobreviver e se percebe no montante do seu patrimônio que há espaço perfeito para separar valor de eventual débito e permitir que a família tenha o necessário para o seu sustento e que suas empresas possam prosseguir na sua atividade e tentar o seu restabelecimento”, afirmou.

O magistrado disse que a concessão parcial da ordem tem o objetivo de garantir a restituição de eventual prejuízo ao Estado, mas também permitir a continuidade laborativa do paciente, possibilitando a manutenção de sua família e suas empresas.

“O não reconhecimento desse direito do paciente se reveste de ilegalidade flagrante, perfeitamente sanada pelo remédio heroico do Habeas Corpus. Caberá ao douto magistrado rever a amplitude do bloqueio de bens e valores, garantir eventuais prejuízos sofridos pelo Estado e possibilitar ao paciente razoável manutenção de sua família e possível restabelecimento de suas empresas, que também estão com seus haveres bloqueados”, acrescentou.

Por outro lado, Campos rejeitou o trancamento da investigação por entender que, no estágio atual, é prematura qualquer conclusão sobre a atipicidade da conduta, a inocência do agente ou mesmo a presença de causa extintiva da punibilidade: “Assim, como em princípio os indícios apontam que há necessidade de continuidade dos trabalhos, resulta prematuro e indevido o almejado trancamento do PIC”.

No entanto, como o PIC está paralisado desde 2019, sem novas diligências ou providências que possam gerar uma eventual denúncia, o relator determinou que o juízo de origem também verifique eventual inércia do Ministério Público, como apontado pela defesa, “a fim de que a constrição judicial não se perpetue nesta fase investigativa”.

Três posicionamentos diferentes
Houve divergência entre os três integrantes da turma julgadora. O relator sorteado, desembargador Bueno de Camargo, votou para denegar a ordem. O segundo juiz, desembargador Poças Leitão, votou para trancar o inquérito, por entender que o Ministério Público não teria competência para investigar.

Já o terceiro juiz e relator do acórdão, desembargador Willian Campos, votou no sentido de conceder parcialmente a ordem, para promover o desbloqueio da totalidade do patrimônio. A presidência da Câmara entendeu que deveria prevalecer o posicionamento do terceiro juiz por ser o voto médio.

Na visão de Bueno de Camargo, o Habeas Corpus não seria a via adequada para discutir o levantamento da constrição patrimonial, “pois não estamos diante de ofensa à liberdade de ir e vir da pessoa”. Ele também não vislumbrou ilegalidades na decisão de primeiro grau que estabeleceu o bloqueio dos bens.

Já Poças Leitão, ao votar pelo trancamento do PIC, afirmou que o Ministério Público, “embora instituição das mais respeitáveis em nosso país”, não poderia substituir a Polícia na “tarefa árdua, complexa e por vezes até perigosa” de investigar crimes. “Falece atribuição constitucional e legal aos integrantes do parquet para desempenharem investigações no âmbito criminal”, disse.

Além disso, Leitão afirmou que o instituto do PIC não existe na legislação processual penal em vigor: “O que existe é o inquérito policial, que fica a cargo de um delegado de Polícia. Por tudo isso, penso serem nulos os atos que deram origem ao tal procedimento investigatório criminal, que respaldou a presente impetração”.

2217456-13.2021.8.26.0000

Fonte: TJSP