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Cobrança indevida da taxa judiciária de satisfação do débito no Estado de São Paulo – TJ-SP

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIACOBRANÇA DE CUSTAS PROCESSUAIS TAXA JUDICIÁRIA E EMOLUMENTOS LEI ESTADUAL PAULISTA 11.608/2003LEI PAULISTA Nº 11.608/2003

11/03/2024

Cobrana Indevida o que fazer e quais so as indenizaes possveis -

Foto: Informativo Empresarial

Em 03/01/2024 entrou em vigor a nova lei de taxa judiciária, com a função precípua de racionalizar a atividade de cobrança. As medidas foram inteligentes, tiraram um dos elementos do fato gerador que é a satisfação do débito, mais conhecida como custas finais, cuja cobrança gerava mais trabalho para máquina do que arrecadação propriamente dita, o judiciário era movimentado para cobrar a taxa de satisfação do débito, que, na maioria das vezes, não é paga e assim postergando o arquivamento de um processo já findo e gerando mais custos ao estado. Nas razões do projeto de lei enviada à Assembleia Legislativa fica clara a intenção de sanar esse problema:

b) Outro ponto abordado no Projeto é o das custas finais.

Em sua redação atual, a Lei Estadual nº 11.608/03 estabelece, no art. 4º, III, o dever de recolhimento de 1% (um por cento) ao ser satisfeita a execução. Tal regime, todavia, não se mostra adequado.

Em muitos casos, os processos de execução tramitam por longos anos, com a prática de inúmeros atos tendentes à constrição e expropriação de bens (ou seja, com a prestação efetiva do serviço judiciário nesta fase processual), podendo-se alcançar inclusive a satisfação de parcela expressiva do crédito exequendo, sem que, diante da redação da norma referida (que remete a cobrança das custas finais ao momento da satisfação integral da execução), qualquer valor seja recolhido aos cofres públicos. Ressalte-se, ainda, que a atual sistemática não é eficiente sob o prisma da economia de atos processuais. Dois cenários, igualmente negativos, costumam ocorrer aqui. Se o exequente, após a satisfação do crédito de sua titularidade, efetua o recolhimento da taxa judiciária final, ele precisará apresentar nova memória de cálculo, seguida de intimação do devedor e eventualmente de novas medidas coercitivas ou sub-rogatórias, para fazer valer o princípio da causalidade e buscar o ressarcimento dessas custas finais do executado. Em um segundo cenário, o exequente, satisfeito o seu crédito, não recolhe as custas finais, sendo emitida, então, certidão para envio à Fazenda Pública Estadual e posterior inscrição na dívida ativa, com todos os percalços e insucessos daí decorrentes.

Como solução para esses problemas, propõe-se que a cobrança das custas da execução seja realizada exclusivamente no início da execução de título extrajudicial ou da fase de cumprimento de sentença, independentemente da satisfação integral ou parcial do crédito exequendo em momento posterior, porque, de qualquer modo, o serviço judicial é prestado pelo Poder Judiciário.

Assim, no momento da distribuição da execução de título extrajudicial, a parte recolheria 2% (1% de custas iniciais + 1% do que hoje se denominam custas finais). Aqui, deixar-se-ia, como exceção, de aplicar a majoração proposta no item anterior (que elevaria o total para 2,5%), para não tornar o desembolso inicial excessivo para o exequente, cujo crédito ainda não foi satisfeito. Todavia, em razão desta concentração do recolhimento no início da execução, nenhum valor seria devido, ao final, quando da satisfação da execução.

Extinta a execução, os autos poderiam ser imediatamente arquivados, sem qualquer providência adicional no que diz respeito ao recolhimento da taxa judiciária (porque tudo já teria sido recolhido no início e acrescido ao cálculo do exequente para fins de ressarcimento deste [princípio da causalidade]). O mesmo raciocínio deverá ser adotado quando instaurada a fase de cumprimento de sentença após formado o título executivo judicial. (Projeto para alterações na Lei nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002, e na Lei nº 11.608, de 29 de dezembro de 2003)

 A proposta de projeto de lei enviada à assembleia deixa clara a intenção de não mais cobrar a taxa judiciária ao final, razão pela qual foi revogado o art. 4º, III, que previa o pagamento, ao final, pela satisfação do débito, mas não é o que acontece no dia a dia forense, em ofensa ao princípio da legalidade, mesmo com a lei revogada, a taxa relativa a satisfação do débito ainda é cobrada, indo de encontro ao que projeto de lei tentava evitar, e pior, cobrando uma taxa sem previsão legal, novamente, passando por cima de qualquer norma básica de direito intertemporal, porque um dos elementos do fato gerador, qual seja, a satisfação do débito, deixa de ser considerado após a entrada em vigor da lei nova em 03/01/2024.

 Percebe-se que a ineficiência do judiciária é algo que vai além da falta de praticidade da lei e dos atos processuais, esbarra na falta de conhecimento jurídico e consequente péssima prestação jurisdicional.

 Então porque ainda se cobra de acordo com a lei revogada? O argumento jurídico para cobrança da taxa revogada é de que o fato gerador é a prestação do serviço jurisdicional que está previsto na lei de taxa:

Artigo 1º – A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária, nos recursos e na carta arbitral, passa a ser regida por esta lei.

 Se lido por um incauto a sentença traz ares de legalidade para a cobrança indevida, mas esse é um perigo que corre somente quem interpreta o direito em tiras, por falta de conhecimento jurídico que o impede de fazer uma interpretação sistemática conforme o ordenamento jurídico, em violação ao princípio da juridicidade.

 Pois bem, o fato gerador é prestação do serviço jurisdicional, cujos elementos condicionais são a distribuição da ação e a satisfação do débito, cujo valor corresponde a 1% sobre o valor da causa respectivamente, explicando melhor, o fato gerador tem dois elementos, um é quando se distribui a ação e é necessário desembolsar 1% sobre o valor da causa, o outro elemento fica sob condição suspensiva de pagamento, qual seja, a satisfação do débito, nesse caso, o CTN tem previsão legal sobre o assunto, prescrevendo que se o fato gerador está sob condição suspensiva, somente é considerado como ocorrido no momento do seu implemento:

CAPÍTULO II

Fato Gerador

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos têrmos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;

II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.

 É forçoso observar que o 1% sobre o valor da causa ao satisfazer o débito é um elemento suspensivo do fato gerador, haja vista que condiciona a cobrança ao implemento da condição de satisfação do débito, posto isso, considera-se ocorrido o fato gerador no implemento de sua condição, e conforme o CTN em seu art. 144, aplica-se a lei vigente no momento da ocorrência do fato gerador “Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.” se o implemento da condição ocorreu após 02/01/2024 não há que se falar em pagamento de taxa, haja vista que entrou em vigência a nova lei que não considera mais esse elemento como pertencente ao fato gerador, não foi por acaso, a proposta de projeto de lei enviada à Assembleia Legislativa diz que a intenção é evitar essa cobrança ao final, foi um silêncio eloquente do legislador.

 É pacifico no STJ que a lei pode condicionar o fato gerador a um elemento temporal, e se isso acontecer, considera-se ocorrido no momento de sua implementação:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTACAO. MERCADORIA EM TRÂNSITO DESTINADA AO PARAGUAI. AVARIA OU EXTRAVIO. ISENÇÃO. IRRESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. PRECEDENTES. 1. Não obstante o fato gerador do imposto de importação se dê com a entrada da mercadoria estrangeira em território nacional, torna-se necessária a fixação de um critério temporal a que se atribua a exatidão e certeza para se completar o inteiro desenho do fato gerador. Assim, embora o fato gerador do tributo se dê com a entrada da mercadoria em território nacional, ele apenas se aperfeiçoa com o registro da Declaração de Importação no caso de regime comum e, nos termos precisos do parágrafo único, do artigo , do Decreto-Lei nº 37/66″(STJ – REsp: 362910 PR 2001/0129594-6, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 16/04/2002, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 13.05.2002 p. 161)

 Sabendo do desafio que é cobrar taxa do modo correto, o próprio TJ-SP disponibilizou o comunicado conjunto 951/2023, exemplificando e descrevendo como deve ser feita a transição de uma lei para outra, segue a primeira parte do comunicado em que se explica como vai ser a aplicação intertemporal da lei no tempo:

COMUNICADO CONJUNTO Nº 951/2023

CPA nº 2023/113460

Destinados aos Senhores Magistrados, Dirigentes e Servidores das Unidades Judiciais

A Presidência do Tribunal de Justiça e a Corregedoria Geral da Justiça COMUNICAM aos Senhores Magistrados, Dirigentes e Servidores das Unidades Judiciais do Estado de São Paulo, Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias Municipal e Estadual, advogados e público em geral que, em decorrência das alterações na Lei nº 11.608/2003, a qual disciplina a cobrança de custas no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, deverão ser observadas as seguintes diretrizes para apuração e cobrança de taxa judiciária e despesas processuais:

Disposições Gerais

1. As alterações na Lei nº 11.608/2003, decorrentes da Lei nº 17.785/2023, para fins de apuração e cobrança da taxa judiciária, aplicam-se aos fatos geradores ocorridos a partir de 03/01/2024.

2. Para fins de verificação e/ou apuração da taxa judiciária devida, deverão ser observadas as seguintes regras:

 A íntegra do Comunicado Conjunto está disponível no site do Tribunal. A falta domínio sobre o tema prejudica a aplicação da lei e quem sai perdendo é o sistema como um todo.

 Para finalizar, do ponto de vista constitucional, a violação ocorre de várias maneiras, primeiro porque em seu art. 150, I, proíbe a cobrança de taxa sem lei que a estabeleça, ademais ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, quando, após a revogação de uma lei, é exigida uma ação do contribuinte não mais prevista, cria-se uma afronta direta com a garantia fundamental prevista no art. 5, II, da carta magna: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, é um absurdo pensar que isso acontece por meio da instituição que deveria prezar pela segurança jurídica e pelos fundamentos constitucionais, mas essa é a realidade.

*Por Stephen Alves Guimarães

Fonte: Jus Brasil