27 de abril de 2022

O fato de um fundo de investimento privado não possuir personalidade jurídica não impede, por si só, que ele sofra os efeitos da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito.

A partir das conclusões das instâncias ordinárias, ministro Cueva entendeu cabível a desconsideração da personalidade jurídica

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por um fundo de investimento que foi alvo de bloqueio de valores em conta bancária de sua titularidade.

O caso trata do Pinheiros Fundo de Investimento em Participações, criado pela empresa Bracol Holding Ltda., que pertence à família Bertin. Inicialmente, tinha a forma de condomínio fechado. Ou seja, as quotas não estavam à disposição para livre compra no mercado e havia apenas uma cotista.

A partir de 2009, a empresa passou a transferir a maior parte de suas quotas para a empresa Blessed Holding LLC, que tem sede nos Estados Unidos. Essas transferências foram feitas por valores considerados irrisórios.

Em uma das movimentações, em novembro de 2010, a Bracol transferiu 21,5% de suas quotas à Blessed pelo valor de R$ 17 mil, quando uma auditoria independente apurou que o montante, na verdade, equivaleria a R$ 970 milhões.

Essa situação, que foi definida pelas instâncias ordinárias como de confusão patrimonial, já estava vigente quando a empresa química Basf ajuizou execução para cobrar dívida da Xinguleder Couros, empresa que fora adquirida pela Bracol.

O andamento da execução levou ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica da Bracol, com a consequente inclusão, no polo passivo da ação de execução, de diversas empresas que compõem o Grupo Bertin, incluindo o Pinheiros Fundo de Investimento.

As instâncias ordinárias entenderam que a medida seria cabível porque, apesar de a Bracol não ser a única cotista do fundo de investimento, haveria ali um vínculo empresarial típico das pessoas participantes de um mesmo grupo econômico, em situação de confusão patrimonial.

Ao STJ, o fundo de investimentos defendeu que não estavam presentes todos os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica.

Requisitos presentes
Relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que o patrimônio gerido pelo fundo de investimentos pertence, em condomínio, a todos os investidores. Isso impede a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista.

Assim, em tese, o bloqueio judicial não poderia recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por causa de dívidas de um só cotista.

No entanto, ele destacou que todas essas regras devem ceder quando houver a comprovação de que a constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, para ocultar patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.

Como as instâncias ordinárias concluíram que as empresas cotistas do fundo de investimento agiram com desvio de finalidade e confusão patrimonial, visando à ocultação do seu verdadeiro patrimônio, com o intuito de prejudicar credores, está justificada a desconsideração da personalidade jurídica.

“Isso, portanto, é o quanto basta para se concluir que o ato de constrição judicial, ao contrário do que afirma o recorrente, não atingiu o patrimônio de terceiros, mas apenas de empresas pertencentes ao mesmo conglomerado econômico”, concluiu o relator, acompanhado à unanimidade na 3ª Turma.


REsp 1.965.982

Fonte: STJ