100 ANOS DA MORTE

A morte de Rui Barbosa, possivelmente o mais famoso jurista brasileiro, completa 100 anos nesta quarta-feira (1º/3). O legado positivo do advogado, político e jornalista está no controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, no controle judiciário de atos abusivos de poder e na doutrina brasileira do Habeas Corpus, que culminou na construção do mandado de segurança.

1 de março de 2023

Morto há 100 anos, Rui Barbosa foi advogado, político e jornalista
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Mas Barbosa também deixou marcas negativas, como o pedantismo retórico, a hiperinflação e a queima dos arquivos da escravidão, decorrência de quando foi ministro da Economia.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), afirma que as diversas contribuições de Rui Barbosa ao Direito nacional têm em comum “a noção de que a construção da República brasileira depende de um ambiente institucional sólido”.

“É sob esse leitmotiv [motivo condutor] que Rui lança a Campanha Civilista, que se colocou em contraponto às tendências ditatoriais de seu tempo. Rui tem um receituário muito claro: o governo das leis prevalece sobre o governo dos homens. O controle judicial de constitucionalidade consiste numa tradução exata desse princípio, e não por um acaso foi uma criação de Rui Barbosa, ventilado pela primeira vez em habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal em favor de cidadãos que foram vítimas dos abusos de Floriano Peixoto. Se é certo que a eleição de Hermes da Fonseca foi uma derrota para o ideal civilista, não menos exato é que a verdade é filha do tempo, e que ela estava ao lado de Rui”, avalia o ministro.

A Campanha Civilista consistiu na candidatura de Rui Barbosa a presidente em 1910. Ele decidiu entrar na disputa após o então ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, se lançar candidato. O perfil militar de Fonseca preocupava Barbosa, que acreditava que o Estado brasileiro precisava ter menos influência das Forças Armadas. Embora Rui Barbosa tenha recebido mais votos em grandes cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, ele foi derrotado por Fonseca, que tinha o apoio da maioria da classe política.

Cem anos após sua morte, Rui Barbosa é um exemplo para os profissionais do Direito “de que a dedicação aos estudos e a fidelidade à República são tão fortes ao ponto de conseguirem a proeza de fazer com que a História seja escrita pelos vencidos”, ressalta Gilmar.

“Hoje, não se tem dúvidas que Rui venceu. Venceu com o fortalecimento institucional do Brasil, não obstante o conturbado século XX. O caudilhismo cedeu à impessoalidade republicana. E é com muita alegria que verifico que a doutrina do controle de constitucionalidade, proposta pelo jurista baiano e, num primeiro momento, rechaçada pelo STF, teve papel de destaque nisso. O tempo mostrou também ao STF que não se pode julgar um caso sem, antes, se verificar se uma lei é conforme à Constituição. Também aqui a derrota momentânea de Ruy transformou-se, à frente, em vitória, em dado definitivo do nosso direito.”

O jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, ironiza que “talvez Rui Barbosa tenha impactado mais pelo que não leram dele do que pelo que leram”.

“Há alguns juristas que são referidos e não lidos. Rui é um deles. Serve muito para discursos de formatura. E lá vem o ‘aprendiz de espertinho’ recitar: ‘De tanto ver triunfar as nulidades…’. Algo como aquela citação de Cicero sobre Catilina [‘Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio?’].”

Lenio está referindo-se a trecho de discurso de Barbosa ao Senado em 1914, no qual afirmou: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

Tirando isso, o jurista afirma que, sim, Rui Barbosa impactou o Direito brasileiro com medidas concretas e com seu sarcasmo.

“Rui Barbosa propunha uma democracia juridicista, com forte papel do Supremo Tribunal Federal. Inspirou-se no judicial review dos EUA. Contramajoritarismo forte. Claro: Rui entendeu o contexto. Nem o STF de início entendeu o papel que lhe foi conferido — o que não se pode dizer que seja uma leitura equivocada. Já falei para meus alunos fazerem uma dissertação ou tese sobre o Decreto 848/1890. É um texto monumental. À frente de seu tempo. Podemos ainda hoje aprender com Rui a perseverança e a visão de juristas que olhava para além de seu tempo. Também o seu sarcasmo. Hoje a comunidade juridica não entende sarcasmos”, avalia Lenio Streck.

Para o advogado Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, autor do livro Direito e História — uma relação equivocada (Edições Humanidades), “o entusiasmo para com as causas, o destemor e o enfrentamento das adversidades no foro são lições que um advogado contemporâneo pode aprender com Rui Barbosa”.

O legado positivo do jurista está, segundo Godoy, na transposição de arranjos norte-americanos para o Brasil, a exemplo do federalismo na Constituição de 1891, e na doutrina brasileira do Habeas Corpus.

Ao ser impedido, por um delegado de polícia, de publicar um dos seus discursos críticos ao governo no jornal O Imparcial, Rui Barbosa impetrou pedido de HC no Supremo Tribunal Federal. Barbosa alegou direito à liberdade de expressão. Ele, que era senador, sustentou que os pronunciamentos eram inerentes ao mandato e que o povo precisaria saber como agem seus representantes. O jurista também defendeu que o HC deveria proteger a todos de ações violentas ou coação estatal, quando ilegais ou com abuso de poder.

O STF, no julgamento do Habeas Corpus 3.536, em 1914, aceitou por maioria a tese, assegurando a Rui Barbosa o “direito constitucional de publicar os seus discursos proferidos no Senado, pela imprensa, onde, como e quando lhe convier”.

Com a decisão, o Supremo inaugurou a doutrina brasileira do Habeas Corpus, que estende até hoje o sentido de “coação” para todas as hipóteses, independentemente de um constrangimento físico direto. O acórdão ensejou o surgimento posterior de outros institutos, como o mandado de segurança.

Mas Rui Barbosa também tem seus críticos, como Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, cita Godoy. “A linguagem barroca, o pedantismo retórico, a tragédia da política econômica do Encilhamento e a discussão sobre a queima dos arquivos da escravidão são temas que uma leitura imparcial sugere que revisitemos.”

Autor do livro Ruy Barbosa — o advogado da federação e da RepúblicaMarcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, destaca que o jurista é responsável direto pela redação da primeira constituição republicana, a de 1891, e pela edificação das instituições democráticas.

“Foi pioneiro na defesa da competência do STF como guardião da Constituição, pela pregação do controle judiciário contra atos abusivos de poder e pela prevalência da legalidade e da igualdade como balizas a serem seguidas”, opina.

Conforme Furtado Coêlho, Barbosa “possui ensinamentos válidos e atuais, como a crença na força do direito, na defesa de causas justas ainda que impopulares, no respeito ao devido processo legal e na altivez do exercício da advocacia como fundamento de um Estado de Direito”.

Atuação como advogado
Rui Barbosa teve grande reconhecimento mundial e foi considerado pela revista Época o “maior brasileiro da história”. Porém, ele estava longe de ser unanimidade e era considerado por muitos “pretensioso, irritante, violento demais com os adversários”, contam o ministro do STF Luís Roberto Barroso, professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e sua filha, a doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo Luna van Brussel Barroso. Eles são autores do artigo Rui Barbosa: o homem, o político e o jurista.

Rui Barbosa foi autor de teses importantes para o Direito brasileiro
Reprodução

Nascido em Salvador, Barbosa ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 1866. Após quase ser reprovado por uma nota baixa, ele se transferiu para a Faculdade de Direito de São Paulo. Lá, encantou-se pelo Direito e pelo Jornalismo.

Formado, ele voltou para Salvador e passou a advogar. Mas foi apenas quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1878, que “alcançou a projeção nacional que o levou a ser reconhecido como um dos maiores juristas brasileiros”, apontam os Barroso.

Essa ascensão profissional na então capital federal deveu-se a alguns motivos principais, citam os constitucionalistas.

“Em primeiro lugar, Rui havia sido o autor do projeto de Constituição apresentado pelo governo provisório, que acabou resultando na Constituição de 1891. Em segundo lugar, a Constituição de 1891 havia fortalecido o Poder Judiciário, conferindo-lhe atribuições amplas. Com o começo tumultuado da República, surgiu uma série de novos problemas jurídicos que Rui, como um dos idealizadores da Constituição, estava mais bem preparado para responder. Em terceiro lugar, em 1891, nos cargos de vice-chefe do governo provisório, ministro da Fazenda e ministro interino da Justiça, teve uma produção legislativa monumental, que abordava temas desde a publicidade imobiliária e circulação de títulos relativos ao domínio territorial, a decretos de separação entre a Igreja e o Estado, a regulamentação das sociedades anônimas e do regime hipotecário. Rui foi, ademais, um dos precursores do imposto de renda, produzindo um notável estudo sobre o tema.”

Após se afastar do governo provisório, Rui passou ao papel de oposição. Ele buscava mostrar que, na nova ordem constitucional, republicana, o Direito impunha limites ao exercício do poder. Em 1892, o presidente Floriano Peixoto mandou prender diversos de seus opositores. Uma semana depois da prisão, Rui Barbosa impetrou Habeas Corpus em favor dos 46 presos políticos ao Supremo Tribunal Federal.

“Era uma peça de 50 páginas escritas a mão, que, muito mais do que um pedido de liberdade para os presos, era um manifesto a favor do novo Estado e da legalidade constitucional. Rui destacou a importância de o Supremo Tribunal promover, quando provocado num caso concreto, a verificação de constitucionalidade dos atos do Legislativo e do Executivo. Era o começo de sua missão de tentar difundir no país, inclusive nos juízes, essa nova visão do papel do Judiciário como limite ao exercício dos poderes Executivo e Legislativo”, dizem Luís Roberto Barroso e Luna Barroso.

No entanto, o HC foi negado pelo Supremo. Em acórdão muito breve, os ministros apontaram que, como havia sido declarado o estado de sítio, a matéria seria política e não seria “da índole do Supremo Tribunal Federal envolver-se nas funções políticas do poder executivo ou legislativo”.

Inconformado, Rui publicou uma série de 22 artigos respondendo diretamente ao acórdão e criticando os ministros: “Não há tribunais que bastem para abrigar o Direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados.” “Foi o primeiro advogado da história do Brasil a atacar tão direta e severamente uma decisão do STF”, mencionam os Barroso.

Outro caso importante de Barbosa foi o HC contra a captura, feita em 1893 pelo governo Floriano Peixoto, do navio Jupiter, com 48 tripulantes e passageiros, incluindo cidadãos norte-americanos e ingleses. O advogado sustentou que o STF não poderia recorrer ao argumento de que se tratava de matéria política, pois nesse caso não havia decretação de estado de sítio. O Supremo aceitou os argumentos de Barbosa e ordenou a soltura imediata dos detidos.

Além disso, Rui Barbosa moveu diversas ações cíveis buscando a reparação de danos materiais sofridos por militares e civis que foram reformados ou demitidos compulsoriamente por meio de decretos promulgados por Peixoto. Ele defendeu, pela primeira vez na história do país, a tese de supremacia da Constituição e o poder da Justiça Federal para examinar a conformidade de atos legislativos com o texto constitucional, obtendo vitórias em primeiro grau e no STF.

No governo seguinte, de Prudente de Morais, Rui Barbosa questionou o Decreto Legislativo 310, que anistiava as pessoas envolvidas nos movimentos revolucionários ocorridos no Brasil até agosto de 1895, mas previa que os militares não poderiam voltar imediatamente à ativa. Enquanto isso, não receberiam todo o seu salário. Para o advogado, atos legislativos não poderiam contrariar a Constituição. A tese foi derrotada no Supremo, mas começou a ganhar força a partir do caso.

Barbosa também foi um dos principais nomes no desenvolvimento da doutrina brasileira do Habeas Corpus, citam os Barroso. Em decorrência da teoria, a Constituição de 1934 criou o mandado de segurança, um instrumento destinado a tutelar todos os direitos líquidos e certos que reclamavam uma garantia imediata contra atos ilegais.

Vida política
Rui Barbosa ingressou na política em 1878, ao ser eleito deputado geral pelo Partido Liberal. No cargo, ele defendeu a reforma do sistema eleitoral, ampliando o direito ao voto, e do ensino.

Também foi um dos principais defensores da abolição da escravidão. Em parecer favorável ao Projeto Dantas, de 1894, Barbosa escreveu parecer narrando a realidade dos escravos e defendendo a proposta de libertação deles.

“Em 19 dias, Rui produziu um documento de 121 páginas, que viria a ser uma das mais notáveis peças de defesa abolicionista daquele tempo. Ali, demonstrou os efeitos prejudiciais da escravidão para o desenvolvimento econômico do país e, com o refinamento e a audácia que lhe eram característicos, concluiu que a abolição da escravidão era ‘uma força inelutável’ e asseverou: ‘O peso de todo o ambiente contemporâneo impõe-nos um passo franco, adiantado, enérgico, na debelação progressiva deste escândalo, que uma herança desgraçada nos obriga a dar ao mundo cristão, à liberdade, à moralidade e à ciência do nosso tempo'”, afirmam Luís Roberto Barroso e Luna Barroso.

No entanto, a abolição da escravidão também gerou críticas ao jurista. Quando era ministro da Fazenda do governo Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa, visando proteger os recursos estatais de eventuais pedidos indenizatórios de senhores de escravos por perdas causadas pela Lei Áurea, ordenou a queima de todos os registros, papéis e livros que tratavam da escravidão. O objetivo dele foi alcançado, mas à custa do apagamento dos registros históricos da escravatura.

Com a edição da Lei Áurea, Barbosa passou a defender a adoção de uma monarquia federalista. Com o regime de Dom Pedro II na corda bamba, o advogado aderiu ao projeto republicano. No governo Deodoro da Fonseca, Barbosa, nos cargos de vice-chefe do governo provisório, ministro da Fazenda e ministro interino da Justiça, redigiu os primeiros decretos da República. Entre eles, o Decreto 119-A, que consagrava a plena liberdade de culto, dizem os Barroso.

Como ministro da Justiça, Barbosa, com o intuito de industrializar o Brasil e livrá-lo da dependência do capital estrangeiro, implementou uma série de medidas econômicas, como a abertura de créditos a novos negócios, a emissão de moeda com cobertura do Tesouro Nacional e uma política protecionista. Porém, tal pacote gerou um processo inflacionário e um aumento do custo de vida que causaram uma crise que ficou conhecida como “Encilhamento”.

“Há nomes expressivos, como Celso Furtado, que já manifestaram admiração por alguns aspectos da política econômica de Rui Barbosa. A verdade, porém, é que, ao aceitar o cargo de ministro da Fazenda, Rui Barbosa parece ter incorrido no erro contra o qual alertou os formandos da Faculdade de Direito de São Paulo, caindo na ambição de cuidar do que não sabia”, ressaltam Luís Roberto Barroso e Luna Barroso.

Rui Barbosa foi escolhido pelo governo provisório para rever o anteprojeto de Constituição elaborado por uma comissão de juristas. Após estudar o texto, o jurista recomendou alterações relevantes, inspiradas pelo modelo dos EUA. Muitas de suas sugestões foram mantidas na assembleia constituinte e, assim, o texto aprovado em junho de 1890 previa elementos como a federação, o presidencialismo e a tripartição de poderes.

Uma de suas mais importantes contribuições ao projeto, na visão dos Barroso, foi a introdução do mecanismo de jurisdição constitucional no Brasil, que conferiu ao Supremo Tribunal Federal a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de leis e atos do Legislativo e do Executivo.

Em 1907, Barbosa representou o Brasil na Segunda Conferência da Paz, em Haia, que havia sido convocada para discutir o desarmamento diante da ameaça de guerra. Na ocasião, o jurista ganhou o apelido de “águia de Haia” após defender a igualdade jurídica das nações.

Barbosa candidatou-se a presidente em duas ocasiões: em 1910, quando, apesar da Campanha Civilista, perdeu para Hermes da Fonseca; e em 1919, quando foi derrotado por Epitácio Pessoa.

“O político Rui Barbosa foi, assim, um humanista que viveu para objetivos que estavam além dos seus interesses imediatos e do seu proveito próprio. Apostou em bandeiras e propostas incertas e progressistas para a sua época. Não cedeu ao medo da derrota e enfrentou a resistência dos nomes mais relevantes da política. Assim, ainda que se possam criticar pontualmente algumas de suas decisões, não há dúvida de que Rui praticou política, e não politicalha. Desempenhou a arte de gerir o Estado segundo os seus princípios e as suas regras morais. Lutou pelo respeito às leis escritas e, quando essas eram contrárias à liberdade e à igualdade, lutou para que fossem modificadas. Em nenhum momento cedeu ao impulso de explorar o Estado para benefícios pessoais e, assim, sagrou-se como um dos políticos mais notáveis da história brasileira”, afirmam Luís Roberto Barroso e Luna Barroso.


*Por Sérgio Rodas – correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023

Foi promulgada nesta quarta-feira (1º/3), a Lei 14.537, que reduz a alíquota do imposto de renda retido na fonte que incide sobre remessas ao exterior de até R$ 20 mil por mês.

1 de março de 2023

A medida tem o objetivo de diminuir o custo de operações internacionais feitas por empresas brasileiras. 

O texto, decorrente da Medida Provisória (MP) 1.138/2022, já tinha sido aprovado pelos deputados federais, sem alterações. Na terça-feira, passou também no Plenário do Senado, sem alterações.

Desde janeiro deste ano, o imposto sobre as remessas ao exterior caiu de 25% para 6%. O percentual irá vigorar até 2024. No ano seguinte, passará a subir gradativamente a cada ano. A partir de 2025, será de 7%; 8%, em 2026; e 9%, em 2027, conforme a medida provisória.

O imposto incide sobre valores enviados a brasileiros ou empresas para pagamento de gastos em viagens de turismo, negócios, serviço, treinamento ou missão oficial, desde limitados a R$ 20 mil mensais.

De acordo com informações da Agência Senado, a redução do imposto impactará em uma renúncia de receita estimada em R$ 1,07 bilhão em 2023; R$ 1,52 bilhão em 2024; e R$ 1,68 bilhão em 2025. 

Com informações da Agência Senado e Agência Brasil.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023, 12h13

A Prefeitura de São Paulo publicou, em fevereiro, uma instrução normativa que regulamenta a declaração dos honorários de sucumbência em notas fiscais emitidas por escritórios de advocacia da cidade. O ato normativo permite a emissão de uma única nota fiscal por mês, com o valor total bruto recebido a título de honorários.

1 de março de 2023

Prefeitura de SP regula declaração de honorários de sucumbência em notas fiscais – Rawpixel.com/Freepix

“O contribuinte deverá preencher o campo ‘valor total da nota’ com o somatório dos valores relativos a honorários de sucumbência devidos durante o mês, como tal considerado o montante bruto total decorrente dos honorários sucumbenciais recebidos, sem nenhuma dedução”, diz a instrução normativa.

Segundo o texto, cada nota fiscal deve considerar como data da prestação o último dia do mês e deverá seguir o padrão adotado para o preenchimento das demais notas, exceção feita em relação ao campo destinado à indicação do tomador do serviço, que deverá ser preenchido com a identificação do prestador de serviços, no caso, o advogado. 

Além disso, deverão constar no campo “discriminação dos serviços” as informações dos números dos processos judiciais, os valores de honorários sucumbenciais de cada ação e, salvo nos casos de segredo de justiça, a identificação dos clientes que tenham integrado as respectivas demandas.

“Caso seja excedido o número de linhas disponíveis no campo ‘discriminação dos serviços’, o prestador deverá manter à disposição da administração tributária registros contábeis auxiliares que possibilitem a perfeita identificação das receitas eventualmente sujeitas à tributação do ISS, por meio de elaboração de relatório mensal analítico descritivo com o detalhamento de todos os processos judiciais, clientes e valores respectivos individualizados”, diz o texto.

Por fim, caso os tomadores venham a exigir a nota fiscal relativa aos honorários de sucumbência, o documento deverá ser fornecido individualmente nos termos da legislação pertinente. A instrução normativa entrou em vigor na data de sua publicação, em 16 de fevereiro, não sendo aplicável a exercícios anteriores.

A publicação do ato normativo representa mais um passo da Prefeitura de São Paulo em relação à exigência do recolhimento do ISS sobre honorários de sucumbência. Em julho de 2022, o município publicou uma “solução de consulta” em que se posicionou a favor da tributação dos honorários.

Em outubro, a prefeitura abriu uma consulta pública para receber sugestões sobre a instrução normativa que regulamentaria o regime especial de emissão de notas fiscais de serviços correspondentes aos honorários sucumbenciais. 

Segundo o município, os regimes especiais são autorizações concedidas pela Subsecretaria da Receita Municipal que permitem que o recolhimento do ISS, a emissão de documentos ou a escrituração de livros fiscais sejam feitos de forma diversa da prevista na legislação de regência (Decreto 53.151/2012, artigo 163).

A prefeitura afirmou ainda que a concessão do regime especial é ato discricionário da administração tributária, de acordo com o disciplinado nas normas especiais. “Assim, devem ser observadas pelo contribuinte as exigências para a sua admissão e o período de sua vigência, advertindo, ainda, que o regime poderá ser, a qualquer tempo e a critério do Fisco, alterado, suspenso, agravado ou abrandado.”

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023, 12h32

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começa a definir, nesta quarta-feira (1º/3), se o índice adequado para corrigir condenações por dívidas civis, previsto no artigo 406 do Código Civil, é a taxa Selic. Se a resposta for negativa, ainda será possível escolher qual encargo deve ser aplicado.

1 de março de 2023

Caso opõe uso da Selic ou da taxa de 1% ao mês para corrigir condenações civis
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O julgamento é muito esperado devido ao seu astronômico impacto econômico nas relações econômicas brasileiras. A posição a ser adotada tem o potencial de alterar o equilíbrio de setores de muito peso na economia nacional, como o bancário, de seguros e da incorporação imobiliária.

Também tem um componente de política judiciária, já que a escolha do índice de correção pode fazer com que um processo judicial e sua duração sejam mais ou menos vantajosos para o credor ou para o devedor. Isso em um país de hiperjudicialização e com 80 milhões de ações em tramitação.

A discussão não é nova. Ela remete à aprovação do Código Civil, que entrou em vigor em 2002, e tem causado uma disputa jurisprudencial no âmbito do STJ. E assim é graças à redação dada ao artigo 406, que trata dos juros legais aplicáveis nos casos de inadimplemento de obrigações.

A norma diz que, se os juros não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada, serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

A princípio, o STJ entendeu que essa taxa seria de 1% ao mês. É o valor que o Código Tributário Nacional aplica para o crédito não pago no vencimento, desde que a lei não disponha de modo diverso. Essa previsão está no artigo 161, parágrafo 1º.

Ela ainda garantiria respeito ao limite constitucional, então vigente, de juros de 12% ao ano. Em 2003, a Emenda Constitucional 40 revogou o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição e abriu as portas para o aumento dos juros sem o risco de sua cobrança ser conceituada como crime de usura.

Em 2008, a Corte Especial julgou o EREsp 727.842 e mudou a posição, passando a adotar a Selic. Trata-se de taxa básica de juros do país. É definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e, como principal instrumento para controle de inflação, tem impacto sobre investimentos, empréstimos e financiamentos.

E em 2011, definiu sob o rito dos repetitivos que, na execução de títulos judiciais prolatados sob a vigência do Código Civil de 1916, seria possível alterar a taxa de juros para refletir as regras do Código Civil de 2002. Esse julgamento teve menções expressas ao fato de essa taxa ser a Selic.

Ministro Luis Felipe Salomão propôs uma nova abordagem sobre o tema quando caso começou a ser julgado na 4ª Turma do STJ
CNJ

Distinguishing
Relator do recurso que será apreciado na Corte Especial, o ministro Luis Felipe Salomão já manifestou nesse mesmo processo a necessidade de alterar novamente a interpretação. Quando o caso começou a ser julgado pela 4ª Turma do STJ, propôs uma distinção, a ser aplicada nos casos de danos contratuais e extracontratuais.

O problema está no fato de a Selic incorporar juros moratórios e correção monetária. No campo do Direito Privado, nem sempre esses encargos correm a partir do mesmo marco temporal.

Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

A ideia seria, em casos de dívida civil, aplicar o artigo 161, parágrafo 1º do CTN para fixar juros moratórios de 1% ao mês. Assim, a correção monetária seria independente, de acordo com índices oficiais cabíveis em cada caso. Na 4ª Turma, o julgamento foi interrompido quando o placar estava em 2 a 2. Já a 3ª Turma rejeitou o distinguishing quando julgou o tema recentemente, em 2020.

Taxa variável e imprevisível
A própria natureza da Selic tem sido alvo de disputa teórica. Em 2003, a I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 20 indicando que a taxa referida no artigo 406 do Código Civil não pode ser a Selic porque não é juridicamente segura, já que impede o prévio conhecimento dos juros.

A princípio, o ministro Salomão destacou que a Selic tem o objetivo de interferir na inflação para o futuro, não de refletir a inflação do passado. Disse que gera uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora, com grandes distorções em relação ao mercado e injustiça gritante.

Em memoriais e petições enviadas ao STJ, entidades que pediram para participar do julgamento como amici curiae (amigas da corte — nem todas foram autorizadas) disputaram essa afirmação ferrenhamente.

Contrário ao uso da Selic, o Conselho Federal da OAB aponta que sua lógica é oposta ao das obrigações civis, em especial as contratuais, que servem para proporcionar segurança e previsibilidade à relação jurídica. Como submeter os juros de mora baseados em critérios externos e imprevisíveis a um instrumento usado para proporcionar segurança e previsibilidade a relação jurídica?

Julgamento está marcado para começar na Corte Especial nesta quarta-feira (1/3)
Lucas Pricken/STJ

O memorial indica que a longa tramitação do Código Civil aprovado em 2002 permitiu anacronismos. Um deles é submeter a taxa de juros a um índice variável que faria sentido em um momento de ampla instabilidade econômica. “Em uma economia estável, a previsão de uma taxa fixa é a que melhor atende às necessidades de segurança e previsibilidade das relações civis.”

Favorável à Selic, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) incluiu parecer do economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, que traz um contraponto: o estabelecimento de uma taxa variável é o que justamente permite que os juros se ajustem à realidade econômica do país. Ele defende que o conceito correto para o juro moratório é o do custo de oportunidade do dinheiro, medido através de uma taxa nominal, como a Selic.

Acrescenta, ainda, que a definição da Selic é fruto de uma política monetária — do inglês monetary policy — e não de politicagem monetária — monetary politics. A Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, por sua vez, apontou em petição que a variação da Selic concretiza — e não contraria — a justa indenização e a reparação integral, em observância aos princípios da segurança jurídica, da economicidade e eficiência.

Impacto
O tema ganha contornos apocalípticos quando trata do impacto que a definição pela Corte Especial vai gerar. A petição da CNSeg, preparada pelo escritório Bichara Advogados, traz um exemplo: uma dívida de R$ 10 mil corrigida a partir de 1º de janeiro de 2010 chegaria, em 30 de novembro de 2022, a R$30,1 mil pela Selic e R$ 53,9 mil se aplicado 1% ao mês.

Dados de 2020 mostram que as seguradoras tinham R$ 7 bilhões de provisão de sinistros judiciais a liquidar, sendo que 22% (R$ 1,57 bilhão) refereriam-se a juros remuneratórios. Trocar a Selic por 1% significaria aumentar essa conta em R$ 97,5 milhões ao mês.

O pagamento das obrigações aos clientes é garantido por essas empresas por meio aplicações financeiras. Segundo a CNSeg, não há instrumentos disponíveis no mercado financeiro permitidos pelas regras do Conselho Monetário Nacional que garantam a remuneração de 1% ao mês e atendam concomitantemente os critérios de liquidez e segurança exigidos.

Essa sinuca de bico tende a se replicar em mercados de vultosa movimentação financeira, muito sujeitos a estar na condição de credor ou devedor de condenações civis. E, segundo a Abrainc, a adoção dos juros de 1% ao mês vai “transformar o Poder Judiciário no “investimento mais rentável do mercado”.

Esse ponto é muito explorado pela OAB. A entidade aponta que, para um devedor, vai ser muito mais atrativo descumprir um contrato e fazer uso do dinheiro com que pagaria a dívida do que, em vez disso, buscar dinheiro no mercado por meio de empréstimos, nos quais as taxas de juro serão consideravelmente maiores do que a Selic.

Segundo a advocacia, não haverá estímulo à rápida solução do litígio se os juros sobre crédito objeto da ação forem regulados pela Selic. “Não é possível que a jurisprudência do STJ tolere — ou mesmo estimule — o inadimplemento de obrigações ao torná-lo economicamente atrativo”, afirmou, na manifestação enviada ao STJ.

REsp 1.795.982

  • Por Danilo Vital – correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2023, 8h19

A intenção do projeto é proteger o aposentado ou pensionista contra fraudes.

Postado em 01 de Março de 2023

Projeto apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) prevê a assinatura presencial de contratos de crédito consignado firmados por telefone ou pela internet por pessoas idosas.  A intenção do PL 74/2023, segundo o autor, é proteger o consumidor aposentado ou pensionista contra fraudes que possam reduzir o valor recebido mensalmente e assegurar que o contratante seja devidamente informado sobre o produto ou serviço que está contratando.

O pagamento de empréstimo em consignação é descontado diretamente de benefício, conta ou folha de pagamento. De acordo com o projeto, serão abrangidos pela regra contratos, serviços ou produtos na modalidade de consignação, como empréstimos, financiamentos, arrendamentos, hipotecas, seguros, aplicações financeiras, investimentos, ou qualquer outro tipo de operação que possua natureza de crédito consignado.

Ao apresentar o projeto, Paim citou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito de uma ação (ADI 7.027) que questionava exigência semelhante feita em uma lei do estado da Paraíba. A decisão, por 10 votos a 1, considerou válida a exigência. Entre os argumentos está o dever de assegurar que o consumidor esteja informado sobre o produto ou serviço e a previsão do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990) de que a idade do cliente deve ser levada em consideração na forma como as informações são transmitidas.

Ainda segundo a decisão, a exigência protege o consumidor aposentado ou pensionista, que, em grande parte dos casos, se coloca em situação de vulnerabilidade econômica e social, dependendo dos proventos para a subsistência e para a manutenção dos cuidados com a saúde.

Multa

O projeto também exige que a instituição financeira forneça cópia do contrato firmado ao idoso. Além de nulidade do contrato, o não cumprimento das regras, de acordo com o texto, pode gerar multas. Na primeira infração a instituição é advertida e nas seguintes recebe multas de R$ 20 mil na segunda infração, de R$ 60 mil na terceira e de R$ 120 mil a partir da quarta infração.

A fiscalização será feita pelos órgãos e entidades de defesa do consumidor e pelas que fiscalizam o sistema financeiro. Os valores das multas serão atualizados todos os anos em janeiro pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação.

Apresentado no início do mês, o projeto ainda não foi distribuído para as comissões.

Fonte: Agência Senado Notícias

Memória da colonização europeia predomina na paisagem da cidade

Publicado em 01/03/2023

O roteiro é conhecido. No dia 1º de março de 1565, um capitão português chamado Estácio de Sá fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro aos pés do Pão de Açúcar. Na época, nada mais era do que uma base militar para garantir a posse do território.

Havia a concorrência dos franceses, que ocupavam áreas da Baía de Guanabara desde 1555, e de diferentes povos indígenas, que habitavam a região há pelo menos quatro mil anos. Os conflitos entre os grupos tiveram um desfecho na Batalha de Uruçumirim, em 1567: a aliança dos portugueses/temiminós derrotou a dos franceses/tamoios (ou tupinambás).

Passados 458 anos da fundação do Rio, as lembranças da vitória e da ocupação portuguesa têm destaque na paisagem urbana carioca. Mas a participação dos povos indígenas, mesmo sendo protagonistas nesses eventos e no desenvolvimento da região, é praticamente invisível.

A Igreja de São Sebastião, no bairro da Tijuca, reúne os principais símbolos portugueses daquele período. Lá encontra-se uma pedra retangular com um desenho do brasão de armas do país. Acredita-se que seja o marco fincado na terra pelo grupo de Estácio de Sá quando da fundação da cidade. Na igreja, estão também a lápide (construída em 1583) e os restos mortais dele.

Além desses vestígios históricos, um memorial ajuda a perpetuar a fama do português no Aterro do Flamengo. Uma pirâmide de pedra, projetada pelo arquiteto Lucio Costa, foi inaugurada em 1973, como Monumento a Estácio de Sá. No subsolo, há um centro de visitantes com réplica da lápide e material informativo sobre o homenageado.

A maior parte dos vestígios antigos dos povos indígenas foi destruída durante o período de colonização portuguesa. E hoje em dia não há memorial equivalente ao de Estácio de Sá que faça menção à herança desses povos na construção e na formação do território que veio a ser o Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro (RJ), 28/02/2023 - Monumento a Estácio de Sá, no aterro do Flamengo, zona sul da cidade. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil

Monumento a Estácio de Sá, no Aterro do Flamengo, zona sul do Rio. Tânia Rêgo/Agência Brasil

Existe uma estátua de Araribóia, líder dos temiminós e colaborador dos portugueses, do outro lado da baía, na cidade de Niterói. No Rio, mal se conhece o nome de Aymberê, por exemplo, que liderou a resistência dos tamoios. A estátua do Curumim, na Lagoa Rodrigo de Freitas, é a única referência da presença pré-colonial dos tamoios (sem nenhum tipo de placa informativa). Mesmo assim, é um marco genérico por se referir a uma palavra da língua tupi que significa criança ou menino. Até o nome da lagoa é um símbolo importante de apagamento: enquanto os habitantes nativos a chamavam de Sacopã, Piraguá ou Sacopenapã, o nome que persiste até hoje é o de um português, capitão do exército, Rodrigo de Freitas.

“Desde 2015, com a efeméride dos 450 anos, essa data da fundação da cidade vem com muita força. Mas a gente tem que lembrar que, bem antes da guerra de fundação da cidade, em 1565, a região já tinha sido ocupada por outros povos que não eram os portugueses. Então, é importante falar da nossa herança indígena”, lembra o historiador Rafael Mattoso, especialista na história do Rio.

“A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi construída em cima de aldeias indígenas. A fundação dela marca a redenção do colonizador sobre os povos originários. E para esse triunfo dos portugueses, muito sangue indígena foi derramado. A partir de então, toda a visibilidade da memória coloca o colonizador como protagonista, quando na verdade não foi assim. Para os portugueses conseguirem consolidar a colonização, tiveram de fazer aliança com lideranças indígenas. O número de franceses e portugueses era infinitamente menor do que o dos tupinambás, tamoios e temiminós”, reforça a historiadora Ana Paula da Silva, doutora em memória social e pesquisadora do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (Pro Índio), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

No século 16, quando os europeus chegaram à região, cronistas franceses estimaram que existiam entre 30 e 40 aldeias ao redor da Baía de Guanabara, com população que variava entre 500 a três mil por aldeia. A colonização portuguesa avançou sobre os territórios e provocou a morte de indígenas por meio de conflitos armados e doenças. Muitos dos que sobreviveram foram usados como força de trabalho compulsória na abertura de estradas, construção de engenhos, de fortalezas e de estruturas que hoje são pontos turísticos do Rio de Janeiro. Como é o caso do Passeio Público, do Paço Imperial e dos Arcos da Lapa. Mas essa participação, mesmo que feita sob coerção e violência, é esquecida.

Mão de obra explorada

“Há muitos documentos que mostram essa exploração da mão de obra indígena no Rio de Janeiro. E não existe a materialização dessa memória. Você vai nos Arcos da Lapa, não tem sequer uma plaquinha dizendo que a estrutura foi construída a partir do trabalho indígena”, critica a historiadora Ana Paula da Silva, sobre o processo que aconteceu nos séculos 17 e 18, de criação do que então se chamava Aqueduto da Carioca, para conduzir água do Rio Carioca para o centro.

Outro ponto emblemático para a historiadora é o Outeiro da Glória, onde hoje está situada a Igreja de Nossa Senhora da Glória. Antes chamado de Uruçumirim, o morro foi o lugar da já mencionada vitória de Portugal em 1567. A estrutura católica foi construída em cima do que era uma aldeia tupinambá, chamada Kariók ou Karióg, que na língua tupi significava “casa de índio carijó”. O nome pode ter dado origem à palavra carioca. A permanência do gentílico nos dias atuais é um símbolo de resistência indígena às ações de apagamento e silenciamento ao longo do tempo. Por mais que a materialidade desses povos seja rara, ela se mantém forte por meio das heranças imateriais.

Herança cultural

O patrimônio linguístico carioca deve muito aos habitantes mais antigos da terra, mesmo que a origem dos termos não seja tão popular. No artigo “O Rio de Janeiro continua índio”, do professor e antropólogo José Ribamar Bessa Freire, são listadas as principais marcas imateriais desses povos no cotidiano da cidade.

Há, por exemplo, bairros e acidentes geográficos que conservam nomes de aldeias: Guanabara (baía semelhante a um rio), Pavuna (lugar atoladiço), Irajá (cuia de mel), Iguaçu (rio grande), Ipanema (rio sem peixe), Icaraí (água clara), Maracanã (semelhante a um chocalho) e outros como Tijuca, Jacarepaguá, Guaratiba, Sepetiba, Acari e Itaguaí.

Cultivos de plantas e hábitos alimentares específicos também vêm dessa herança. Basta lembrar itens básicos de sustento como o milho, o amendoim, a mandioca, o feijão. E o conhecimento sobre plantio e consumo de frutas hoje comuns como o abacaxi, o pequi e o caju.

Arqueologia e museus

As pistas da ocupação ancestral indígena do território estão nos sambaquis, sítios arqueológicos formados por conchas, mariscos e pedaços de madeira. Levantamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-RJ) indica que há no município 40 sambaquis cadastrados. Um dos mais recentes foi encontrado em 2018, nas obras do Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão, e data possivelmente de quatro mil anos. Os sítios arqueológicos não são lugares de fácil acesso ao público leigo, ficam mais restritos aos trabalhos de especialistas. Os principais museus dedicados aos sambaquis estão fora do município: Museu do Sambaqui da Tarioba (Rio das Ostras) e Museu do Sambaqui da Beirada (Saquarema).

Documentos e objetos etnográficos relacionados aos indígenas podem ser encontrados em instituições como o Arquivo Geral da Cidade, o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional e o Arquivo Nacional. O município tem um espaço dedicado especialmente ao tema, o Museu do Índio, em Botafogo. Mas ele está fechado para reformas desde 2016, com previsão de reabertura apenas no segundo semestre de 2023.

O museu está nesse endereço desde 1978. Antes disso, a sede ficava em um espaço – criado em 1953 – ao lado do estádio do Maracanã. O edifício antigo ficou abandonado e foi ocupado por indígenas em 2006, que pediam a criação de um espaço cultural. Em 2013, houve uma reintegração de posse violenta por forças do estado. Uma parte dos ocupantes deixou o local e outra permanece até hoje. O governo estadual prometeu restaurar o prédio e criar um Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, mas o projeto ainda não saiu do papel.

A Agência Brasil perguntou à Prefeitura do Rio se há projetos para valorização e maior visibilidade da herança indígena. Não houve resposta até o fechamento da matéria. Sobre a Aldeia Maracanã, a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro respondeu, em nota, que planeja abrir diálogo com o novo Ministério dos Povos Indígenas para encontrar uma solução.

*Por Rafael de Carvalho Cardoso – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro

Fonte: Agência Brasil


Ministros também votaram no sentido de aguardar o julgamento das propostas de súmula vinculante 60 e 64 para que se delibere quanto à oportunidade da revisão ou cancelamento da súmula vinculante 9.

01 de março de 2023


O julgamento no plenário virtual do STF terminou às 23h59 de ontem.(Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

STF decidiu ser necessário rever ou cancelar, conforme o caso, súmulas vinculantes baseadas em atos normativos que tenham sido posteriormente revogados ou modificados. O julgamento terminou na noite desta terça-feira, 28.

Sob relatoria do ministro Luiz Fux, o plenário virtual da Corte discutia a necessidade de revisão ou de cancelamento da súmula vinculante 9, em razão de alteração na LEP – Lei de Execução Penal – que permite ao magistrado revogar até 1/3 do tempo remido da pena, nos casos de prática de falta grave, reiniciando a contagem a partir da data da infração disciplinar (Tema 477).

O relator votou pelo desprovimento do recurso extraordinário e propôs a seguinte tese de repercussão geral:

  1. A revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.
  2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal.

Fux votou ainda no sentido de aguardar o julgamento das propostas de súmula vinculante 60 e 64 para que se delibere quanto à oportunidade da revisão ou cancelamento da súmula vinculante 9.

O ministro foi acompanhado por Dias Toffoli, André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Nunes Marques.


Entenda o debate

Trata-se de recurso extraordinário que veicula o tema 477 da repercussão geral (“Revisão de Súmula Vinculante em virtude da superveniência de lei de conteúdo divergente”), a partir de acórdão que, no âmbito de execução penal, decretou a perda de um terço dos dias remidos, em virtude da prática de falta grave consubstanciada na imputação da prática de crime de roubo com emprego de arma e de resistência.

De modo mais específico, o caso envolve diretamente a súmula vinculante 9, aprovada na sessão plenária de 12/6/08. Na ocasião, assentou-se a recepção, pela ordem constitucional, da redação então vigente do art. 127 da Lei de Execução Penal (lei 7.210/84), que dispunha: “Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.

À época, afastou-se a aplicação à hipótese do limite temporal de 30 dias, estabelecido pelo art. 58 da mesma lei para situação diversa, vez que esse dispositivo cuidava do tempo máximo de aplicação de sanções de isolamento, suspensão e restrição de direitos.

Como resultado, fixou-se o seguinte enunciado:

“O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no ‘caput’ do artigo 58.”

Supervenientemente, o Congresso Nacional editou a lei 12.433/11, de 29 de junho de 2011, que alterou a LEP para dispor a respeito da remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho.

Redação atual: “Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”.

Daí surgiu a controvérsia expressa no presente tema de repercussão geral reconhecida, relativamente aos limites e possibilidades da aplicação de súmula vinculante, quando há superveniente norma legal que modifique, complemente ou mesmo contrarie seu enunciado.

Voto do relator

Em seu voto, Fux rememorou que a lei 11.417/06, ao disciplinar o processo de edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF, já trata da questão. Com efeito, seu art. 5º estabelece que “revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso”.

Deveras, à luz desse dispositivo legal, o ministro ressaltou que há duas propostas de súmula vinculante apresentadas para equacionar o tema sob questão: PSV 60 e PSV 64.

A primeira, proposta pelo defensor público-Geral Federal, propõe o cancelamento da súmula vinculante 9. A segunda, proposta pelo ministro aposentado Cezar Peluso, propõe a revisão da referida SV sugerindo as seguintes redações:

(a) “a previsão legal da perda dos dias remidos pelo condenado que cometa falta grave não ofende a garantia constitucional do direito adquirido” ou (b) “é constitucional a perda dos dias remidos, prevista em lei, pelo condenado que cometa falta grave, por não ofender a garantia constitucional do direito adquirido”.

Ambas as propostas, no entanto, foram sobrestadas até o trânsito em julgado deste RE, por decisão do então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

No entendimento de Fux, o ponto central da questão que se está a discutir é o seguinte: em que medida é legítima a superação legislativa de entendimento firmado em súmula vinculante?

Segundo o ministro, o presente caso nem ao menos representa espécie de superação legislativa em relação aos mandamentos cristalizados na SV 9, editada pelo STF.

“Em verdade, o que se impõe é o aperfeiçoamento da redação sumulada, haja vista a superveniência da Lei nº186; 12.433/2011, que alterou a redação do art. 127 da Lei de Execução Penal (LEP) – Lei nº186; 7.210/1984. Da análise da ata do próprio debate que culminou na aprovação da referida súmula, extrai-se que, em momento algum, o entendimento firmado na Súmula Vinculante nº186; 9 pretendeu tecer considerações a respeito do conceito de falta grave, tampouco da intensidade da perda dos dias remidos (se total ou proporcional à falta grave cometida). A bem da verdade, a súmula teve como intuito precípuo fixar a tese de que a previsão legislativa de perda dos dias remidos foi recepcionada pela nova ordem constitucional de 1988 e que, consequentemente, não haveria de se falar em direito adquirido aos dias remidos em razão de estarem submetidos a regras específicas, afastando-se, com isso, as teses defensivas nesse sentido.”

De acordo com o relator, a alteração redacional do diploma legislativo nem sequer chegou a ferir o disposto no enunciado sumular.

“O que se fez, pela alteração legislativa superveniente, foi limitar a 1/3 (um terço) o tempo remido suscetível de ser revogado pelo juiz em caso de o condenado cometer falta grave. Resta afastada, assim, a hipótese de superação de entendimento por parte do Legislativo.”

Quanto à necessidade de revisão da redação sumulada, Fux entendeu ser ato conveniente e útil, em vista do risco de a nova redação dar azo à multiplicação de processos mais uma vez.

“No entanto, tal discussão será travada, em momento oportuno, seguindo os devidos ritos estabelecidos no regimento interno do STF, no âmbito das Propostas de Súmula Vinculante nº186;s 60 e 64, ambas sobrestadas até o trânsito em julgado do presente recurso extraordinário. Em todo caso, desde logo, já se reafirma o entendimento de ser constitucional a perda dos dias remidos, prevista em lei, pelo condenado que comete falta grave, conforme entendimento já expressado por esta Corte.”

Por esses motivos, o ministro votou pelo desprovimento do recurso extraordinário e propôs a seguinte tese de repercussão geral:

  1. A revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.
  2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal.

Fux votou ainda no sentido de aguardar o julgamento das propostas de súmula vinculante 60 e 64 para que se delibere quanto à oportunidade da revisão ou cancelamento da súmula vinculante 9.

O ministro foi acompanhado por Dias Toffoli, André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Nunes Marques.

Divergência

O ministro Gilmar Mendes foi o único a divergir. Na avaliação de S. Exa., faz-se necessário o cancelamento da súmula vinculante 9, dada a inovação legislativa trazida pela lei 12.433/11, que disciplina a remição da pena. No caso concreto, deu provimento ao recurso para determinar que o juízo da execução, conforme as circunstâncias da falta cometida, avalie a proporcionalidade da perda dos dias remidos, nos limites previstos no art. 127 da LEP pela lei 12.433/11.

Processo: RE 1.116.485

Fonte STF

https://www.migalhas.com.br/quentes/382203/stf-decide-pela-revisao-de-sumulas-apos-mudancas-legislativas

A penhora é possível porque os honorários têm natureza alimentar.

01.03.2023

Notas de R$ 50 e R$ 100 em primeiro plano, sobre mesa com calculadora e caneta

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou válida a penhora de parte dos proventos de um aposentado para o pagamento dos honorários advocatícios devidos por ele em ação contra a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp). Uma vez que esses honorários têm natureza alimentar, os ministros afastaram a tese de impenhorabilidade dos proventos. 

Honorários sucumbenciais

O aposentado havia apresentado reclamação trabalhista contra a Prodesp para receber a parcela salarial denominada sexta-parte. O pedido foi julgado improcedente, e o juízo o condenou a pagar os chamados honorários advocatícios sucumbenciais, devidos pela parte perdedora na ação. Como o valor não foi pago, foi determinada a penhora sobre os proventos depositados em sua conta bancária.   

Impenhorabilidade

Ao julgar recurso, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Taboão da Serra (SP) e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região liberaram a penhora. Para o TRT, os valores relativos à aposentadoria são impenhoráveis, nos termos do artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC). O parágrafo segundo desse dispositivo até permite a medida para pagamento de prestação alimentícia. Contudo, segundo o TRT, os honorários de sucumbência, devidos ao advogado da Prodesp, não se enquadram nessa definição.

Natureza alimentar 

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Evandro Valadão, lembrou que a jurisprudência do TST considera que, após a vigência do CPC de 2015, é possível bloquear valores de proventos de aposentadoria ou pensão, vencimentos, salários e outras remunerações para o pagamento de prestação alimentícia independentemente de sua origem. E, nesse sentido, a Súmula Vinculante 47 do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu a natureza alimentar dos honorários sucumbenciais. 

A decisão foi unânime.

(Guilherme Santos/CF)

Processo: RR-1000526-53.2019.5.02.0502


Fonte: Secretaria de Comunicação Social
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