Membro de uma liga internacional de 25 grandes escolas de direito, a Fundação Getulio Vargas (FGV) planeja começar a formar uma nova geração de advogados cosmopolitas, em vista do novo potencial do mercado que está igualmente globalizado.
O diretor da Faculdade de Direito da FGV-SP, professor Oscar Vilhena Vieira, diz que no Brasil há 1.084 escolas de direito, e que a imensa maioria está mais preocupada com a questão doméstica do que com a internacional. “O Brasil precisa navegar por mares transnacionais”, afirma.
A conferência anual da Liga Global das Escolas de Direito (LSGL, na sigla em inglês) foi realizada neste ano em Istambul, onde a percepção comum foi a de que o direito também está em processo de globalização e que é preciso ter novos padrões de comportamento aceitáveis nos negócios. Segundo Vieira, “o que antes era advocacia empresarial passa agora a ser penal e empresarial”, em referência a temas como corrupção, direitos humanos e ambiente, que vão ter impacto crescente na gestão de grandes empresas.
As economias emergentes representam agora mais da metade do PIB mundial em termos de paridade de poder de compra. No entanto, dois países desenvolvidos, os EUA e a Grã-Bretanha, detém a grande fatia do mercado jurídico nas finanças internacionais, investimentos, fusões e aquisições. Uma pesquisa global da Universidade Queen Mary, de Londres, de 2010, citada pela “The Economist”, com chefes de departamentos jurídicos de empresas mostrou que 40% usam a legislação inglesa e outros 22% a lei americana em seus negócios.
Somente os escritórios de advocacia de Nova York faturam US$ 1,8 bilhão em média por ano com a resolução de disputas internacionais. Mas outros países querem retomar uma fatia desse grande mercado jurídico internacional e reverter gradualmente o fluxo de ensino de direito que, nas últimas duas décadas, tem sido de países em desenvolvimento para os EUA.
“Eles monopolizam o ensino de direito, formatam nossas mentes e a forma de conduzir a economia”, diz Vieira. O professor ressalta, no entanto, que atualmente grande parte da riqueza do mundo não está concentrada nos EUA e o direito tem que acompanhar essa pluralidade. “É preciso entender a lógica do chinês e de outros, não são o padrão americano.”
Em 2012, a FGV-SP criou a liga em parceria com a Universidade Tilburg, da Holanda. Ela já conta com 25 grandes escolas de diferentes países. O objetivo é compartilhar experiências e métodos de trabalho para responder a desafios do ensino jurídico nesse ambiente altamente globalizado.
A liga já tem um curso de verão, que vem sendo dado atualmente em Istambul e no ano que vem será na Africa do Sul. No médio prazo, o plano é que saia desse grupo um mestrado cosmopolita de direito – um programa no qual o aluno possa obter crédito em outras escolas e seja certificado pela sua escola e pela própria liga. “As instituições participantes têm em comum o objetivo de dar respostas adequadas a questões jurídicas da atualidade com visão global”, diz a professora Maria Lúcia Pádua Lima, coordenadora de relações internacionais da Direito FGV.
Vieira também destaca a questão da corrupção. Uma tendência é o aumento de cláusulas anticorrupção nos contratos entre parceiros. O Brasil, por exemplo, aprovou uma nova legislação sobre corrupção empresarial, compatível com a regra internacional. Tradicionalmente, buscava-se punir os desvios corporativos dessa natureza da mesma forma que outros crimes, identificando o indivíduo que fez um ato ilegal contra o patrimônio público. Pela nova legislação, cria-se uma obrigação para as próprias companhias de se autofiscalizarem. “Isso cria uma responsabilidade objetiva. Não importa se a empresa tinha intenção ou não de corrupção, o fato é que ela se beneficiou”, diz.
O professor ressalta que, durante muitos anos, o Brasil foi marginal nesse processo. Agora, a nova lei gera a necessidade de reconfigurar os departamentos jurídicos das empresas e aumenta os cuidados a serem tomados. O jurista vai ter de entender também de contabilidade empresarial, pois o tipo de apoio que tem de dar às organizações também será diferente. Isso muda a vida nas faculdades de direito e também de administração.
Teoricamente, quando uma empresa for pega em ato de corrupção, a pena que pode sofrer, independentemente da prisão do executivo, é a de ser proibida de participar de licitações por cinco anos. “Hoje, mudou o ônus da prova. A empresa é que tem de comprovar que não incorreu em nenhuma prática de corrupção.”
A questão de direitos humanos também vai se impor mais. As companhias vão ter de contabilizar em seus lucros, por exemplo, o impacto da compensação para comunidades que são deslocadas para a realização de grandes obras.
Fonte: VALOR ECONÔMICO – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS